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- JANUS 2007 -



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A dor dos pés de Rosa Parks e o sonho de Martin Luther King

António Marujo *

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É a história de como um pequeno gesto pode mudar um mundo: a 1 de Dezembro de 1955, Rosa Parks, uma costureira negra de 42 anos, foi presa na cidade de Montgomery (Alabama, Estados Unidos da América) por se ter recusado a dar o lugar a um branco no autocarro em que seguia. De acordo com as leis de segregação e os costumes da cidade, Rosa tinha que se levantar quando já não houvesse lugar nas quatro filas da frente para os passageiros brancos.

“É verdade que me doíam os pés, e que num primeiro momento foi isso que me levou a ficar sentada. Mas a verdadeira razão por que não me levantei foi por achar que tinha o direito de ser tratada como outro passageiro qualquer. Já tínhamos sofrido demasiado tempo aquele tratamento desumano”, recordaria a própria numa entrevista, em 1992. Sem o saber, a dor dos pés de Rosa Parks, que morreu com 92 anos em Outubro de 2005, era o primeiro passo de uma longa luta pelos direitos cívicos dos negros norte-americanos.

No dia seguinte, Martin Luther King, um jovem pastor da Igreja Baptista que estava na cidade há pouco mais de um ano, recebe um telefonema madrugador. E. D. Nixon pagara os 14 dólares de fiança para Rosa esperar o julgamento em liberdade. Ao telefone, quando King atende, Nixon esquece-se de lhe dar os bons dias e vai directo ao assunto: “Acho que está na altura de boicotar os autocarros. Só com um boicote podemos conseguir que estes tipos percebam que não vamos suportar mais este tipo de tratamento.”

 

Não pactuar com um sistema pernicioso

Antes do telefonema, conta o próprio King (“ Eu tenho Um Sonho – A Autobiografia de Martin Luther King ”, ed, Bizâncio, p. 66), E. D. Nixon telefonara ao pastor Ralph Abernathy, da Primeira Igreja Baptista da cidade, tendo ambos concordado com o boicote. King também adere à ideia.

À noite, a dúvida assalta-o: seria o método “intrinsecamente anticristão” e uma “forma negativa de resolver o problema”? Não: tratava-se apenas de “deixar de pactuar com um sistema pernicioso”, uma ideia do ensaio de Henry David Thoreau sobre a desobediência civil. E deixará de falar em boicote, passa a referir-se a um acto colectivo de não-colaboração.

A pé, de bicicleta, à boleia, de táxi. Aquele 5 de Dezembro, a segunda-feira da acção programada, é o primeiro de 381 dias em que os negros de Montgomery utilizam todos os meios possíveis nas suas deslocações. Todos, menos o autocarro. No mesmo dia, Rosa Parks é condenada, em tribunal, ao pagamento de 14 000 dólares – mas recorre. O sucesso da não-colaboração e a sentença judicial levam à criação de uma organização mais consistente. King, 26 anos, é o escolhido para liderar o processo. Ao fim de 14 meses, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos declara inconstitucional a segregação nos autocarros.

Não lhe vale de muito não ter inimigos quando tudo começa: a 30 de Janeiro de 1956, menos de dois meses depois do início da não-colaboração, a casa de King é atacada à bomba. A mulher, Coretta, e a filha, Yolanda Denise, bebé de dois meses, estão em casa mas nenhuma delas sofre nada. Já de madrugada, o sogro de Luther King vem à cidade, para levar a filha e a neta para as proteger. “Desculpe, pai, mas não vou deixar o Martin sozinho numa hora destas. Tenho de ficar ao lado dele até que a luta chegue ao fim.” A mulher será um apoio indispensável na luta de Luther King, como o próprio repetirá várias vezes. Coretta morre em Janeiro de 2006.

Após o ataque bombista, a opção pela não-violência como atitude cristã fica ainda mais clara: “Para mim, cedo se tornou claro que a doutrina cristã do amor, posta em prática pelo método da não-violência de Gandhi, era uma das armas mais poderosas de que o negro podia dispor na sua luta pela liberdade” (Autobiografia, p. 83). O próprio Gandhi dissera, em 1935, perante uma delegação de negros norte-americanos: “Quem sabe se não será um negro quem irá transmitir ao mundo a mensagem pura da não-violência!” A sua opção alicerça-se mais quando, em Fevereiro e Março de 1959, Martin e Coretta visitam comunidades gandhianas na Índia. Em 2006, cinquenta livros do Mahatma ou a ele dedicados integram o espólio de King que nessa ocasião é vendido.

 

“Vi a terra prometida”

Se Gandhi é a referência activa, o grande inspirador é Jesus Cristo, a quem chama o “extremista do amor”. Em 1967, em “Uma Só Revolução”, escreve, parafraseando São Paulo na Carta aos Gálatas: “Em Cristo, não há homem nem mulher, comunista nem capitalista, escravo nem homem livre. Estamos todos unidos n'Ele.” Faz da Páscoa e da ressurreição horizontes permanentes de acção.Na Sexta-Feira Santa de 1963, ao ser detido após uma manifestação, afirma, tranquilo: “Depois de Sexta-Feira Santa vem sempre a Páscoa.” Robert Miller, um dos biógrafos, atribui-lhe a frase quase profética: “Se a morte física é o preço que tenho de pagar para libertar o meu irmão branco e todos os meus irmãos e irmãs da morte permanente do espírito, então nada poderá ser mais redentor.”

A luta pelos direitos cívicos alarga-se a todo o país e a vários âmbitos: escolas, emprego, restaurantes, legislação, sistema de justiça, direito de voto, justiça económica, contestação da guerra. Crescem também as dificuldades: Luther King é detido ou multado várias vezes, diversas sentenças de tribunal são ditadas contra a luta dos negros, há centenas de prisões. Em 20 de Setembro de 1958, três meses depois de ter sido recebido pelo presidente Eisenhower, King é esfaqueado por uma mulher negra, enquanto dá autógrafos num grande armazém de Harlem, em Nova Iorque.

A 28 de Agosto de 1963, Martin Luther King preside à Marcha pelo Emprego e pela Liberdade, que reúne pelo menos 250 mil pessoas em Washington. No discurso, depois de olhar a multidão, King abandona o texto preparado e improvisa: “ I have a dream... ”

“Tenho um sonho: de que um dia (…) os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos donos de escravos conseguirão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. (…) Tenho um sonho: de que os meus quatro filhos pequenos irão um dia viver num país em que não serão julgados pela cor da sua pele mas sim pelo conteúdo do seu carácter. (…) Quando todos fizermos soar o sino da liberdade, quando o fizermos soar por todas as aldeias e lugarejos (…), então sim, iremos poder apressar a chegada do dia em que todos os filhos de Deus, pretos e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, serão capazes de se dar as mãos e cantar a letra do antigo espiritual negro: ‘Finalmente livres, Finalmente livres. Obrigado, Deus Todo-poderoso, somos finalmente livres!'”

Três meses depois, a 22 de Novembro, o presidente Kennedy é assassinado. Será já o sucessor, Lyndon Johnson, a assinar a nova Lei dos Direitos Civis, em Julho de 1964. No final do ano, King, com 35 anos, recebe o Nobel da Paz. “Aceito este prémio em nome de todos os que amam a paz e a fraternidade.”

Manifestações, prisões, lutas continuam por todos os Estados Unidos. A 4 de Abril de 1968, Luther King é assassinado em Memphis. Na véspera, dissera numa igreja: “Temos pela frente dias difíceis. (…) Só quero fazer o que for da vontade de Deus. E Ele permitiu-me subir ao cume da montanha. E eu olhei lá de cima e vi a terra prometida. Pode ser que não a alcance convosco. Mas quero que saibais esta noite que o nosso povo há-de alcançar a terra prometida. (…) Não estou preocupado com nada. Não estou com medo de ninguém. Os meus olhos viram a glória da chegada do Senhor.”

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* António Marujo

Licenciado em Comunicação Social pelo ISCSP. Jornalista do PÚBLICO desde a fundação do jornal (1989), onde se ocupa da informação religiosa. Colaborou com os programas “Toda a Gente é Pessoa” (RDP-Antena 1) e “Setenta Vezes Sete” (RTP). Foi redactor da revista “Cáritas”, do “Expresso” e do “Diário de Lisboa”. Co-autor do documentário “Senhora de Maio”. Vencedor (1995 e 2005) do Prémio Europeu de Jornalismo Religioso na Imprensa Não Confessional, da Conferência das Igrejas Europeias e Fundação Templeton. Tem quatro livros publicados, um deles em co-autoria e outro como coordenador.

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