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- JANUS 2007 -



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Óscar Romero: o revolucionário de Deus

Fernando Amorim *

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Prelado católico salvadorenho, Óscar Arnulfo Romero y Galdámez nasceu em Ciudad Barrios, no departamento de San Miguel, em 15 de Agosto de 1917 e morreu assassinado em São Salvador em 24 de Março de 1980, um dia após ter apelado, numa homilia, à cessação da repressão popular perpetrada por membros do exército, da Guarda Nacional e da polícia: “ (...) Hermanos, son de nuestro mismo pueblo. Matan a sus mismos hermanos campesinos (...). En nombre de Dios, pues, y en nombre de este sufrido pueblo, cuyos lamentos suben hasta el cielo cada día más tumultuosos, les suplico, les ruego, les ordeno en nombre de Dios: Cese la represión ”. Arcebispo de São Salvador desde 23 de Fevereiro de 1977, por nomeação do papa Paulo VI, a sua posição destacada na defesa dos direitos humanos e na denúncia dos crimes do regime militar salvadorenho desse tempo valeram-lhe, entre os seus detractores, o epíteto de bispo revolucionário , contraditado pelo Vaticano que o reconheceu como homem da Igreja, do Evangelho e dos pobres , e entre os seus seguidores o de primeiro santo e mártir de El Salvador e das Américas.

Emerge para a vida pública em 1966 ao ser eleito secretário da Conferência Episcopal de El Salvador, membro do Secretariado Episcopal da América Central e director do jornal arquidiocesano Orientación , ao qual, enquanto editor, conferiu um cunho notoriamente clerical, o que foi muito criticado por alguns sectores da igreja que classificavam o jornal como um “periódico sem opinião”. Em 25 de Abril de 1970 foi designado bispo auxiliar de San Salvador, coadjuvando o arcebispo Monsenhor Luis Chávez y González, e o arcebispo auxiliar Arturo Rivera Damas, não sendo, contudo, bem recebido pelos elementos mais radicais do clero. De facto, estes foram anos marcados por um posicionamento conservador de Romero sobre as questões sociais e o papel da Igreja, em resposta à reunião decisiva dos bispos da América Latina, organizado em Medellin em 1968, e face às reformas progressistas introduzidas no trabalho pastoral da arquidiocese pelo arcebispo Chávez, na esteira do Concílio Vaticano II.

 

Bispo: “sentir com a Igreja”

Incompatibilizado com o ambiente da capital, os conflitos no seio da arquidiocese e a escalada da violência e de perseguição à igreja no país, é nomeado bispo de Santiago de Maria (1974), tornando-se o mais jovem bispo de uma diocese em El Salvador, aqui começando a tomar consciência das injustiças de que as comunidades rurais eram vítimas. O elemento despoletador ocorreu em Junho de 1975, com o massacre de “Las Três Calles” de um grupo de camponeses “armado com bíblias”e que regressava de um acto litúrgico, levando Romero a tomar consciência de que por de trás do poder constituído – a ditadura militar do coronel Arturo Armando Molina (no qual possuía alguns amigos pessoais) – se encontrava uma estrutura de terror que eliminava todos os oponentes aos interesses das classes oligárquicas instaladas. A partir de então, a praxis e a teologia de Romero são indissociáveis do contexto sociopolítico de El Salvador marcado pela injustiça social, em que 40% da terra era detida por uma ínfima percentagem da população e em que a maioria dos cidadãos se via compelida à pobreza e a uma existência precária, negada que lhes era a retribuição de um justo salário. A formação de “comunidades cristãs de base” empenhadas no esclarecimento e educação dos camponeses iletrados foi recebida por violentas campanhas de imprensa que as apelidavam de infiltração e obediência marxista, sendo objecto de atentados e massacres perpetrados por grupos paramilitares de extrema-direita, que atingiriam padres, missionários jesuítas e todos os que fossem detidos na posse de livros religiosos. É neste contexto que Romero, não comprometido com a esquerda marxista e não alinhado com a oligarquia política e militar, embora por esta visto com bons olhos, ganha protagonismo político-social, interpretando o papel da Igreja à luz do Evangelho como uma tomada de posição em defesa da vida humana e dos pobres, sendo – surpreendentemente para os Jesuítas e dirigentes pastorais que não haviam esquecido o seu posicionamento conservador nos anos da arquidiocese e que pensavam que “recolocaria a Igreja no bom caminho” – nomeado, aos 59 anos, arcebispo metropolitano de San Salvador (3.02.1977), tornando-se assim um líder inesperado.

 

Arcebispo: a “voz dos sem voz”

É no meio de uma ambiente de injustiça, violência e terror que Romero assume as funções (22.02.1977) de arcebispo de San Salvador, tomando a defesa do padre Rutílio Grande, acusado de marxismo pela sua denúncia particularmente virulenta das injustiças cometidas contra os camponeses, mas que não evitou o seu assassinato juntamente com mais dois companheiros por um esquadrão da morte. Romero converteu-se então num implacável protector e defensor da dignidade humana, levando a cabo a denúncia pública e sistemática da violência do regime e colocando a Oficina de Socorro Jurídico do Arcebispado ao serviço da defesa dos direitos humanos do seu povo, particularmente dos mais desprotegidos, unificando os cristãos e dissipando as dúvidas quanto ao seu empenhamento na defesa da justiça social, tornando-se a voz dos sem voz e pregando a favor do fim da repressão e pelas causas que estavam na origem do emergente conflito interno salvadorenho: as estruturas da injustiça económica e da violência governamental contra os pobres e camponeses, suas maiores vítimas. A queda da ditadura militar de direita em 15 de Outubro de 1979, na sequência de um golpe militar reformista levado a cabo pela Junta de Gobierno Revolucionario , (JRG, 1979-1982) e que levou a cabo uma política de Reforma Agrária e nacionalizações, com consequências desastrosas, acelerou os assassínios cometidos por esquadrões da morte ligados a um largo sector direitista do exército não comprometido com o novo regime militar e que executava todos os suspeitos de ligação ao partido Democrata Cristão ou à guerrilha pró-marxista da Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN). A união do clero em torno do arcebispo conduziu a mais assassinatos de sacerdotes (1979) sentindo a igreja salvadorenha na pele a violência e radicalização que se ia generalizando pelo país, de que Romero – nomeado para o Nobel da Paz de 1979 – acabaria por ser também o alvo e depois a vítima, quando, em 24 de Março de 1980, enquanto celebrava a Eucaristia na capela do Hospital da Divina Providência, na colónia de Miramonte de San Salvador, uma única bala disparada por um franco-atirador a partir do exterior lhe tirou a vida aos 62 anos de idade. O seu funeral reuniu mais de 50.000 pessoas, que seriam alvejadas por atiradores das forças militares, colocados estrategicamente nos telhados circundantes, tirando a vida a 42 civis e ferindo várias centenas, acelerando o caminho para a guerra civil generalizada (1980-1992), não interrompida pelo advento da “democracia” (1982) e que provocaria mais de 75.000 mortos, 8.000 desaparecidos e um milhão de refugiados. Na sequência do cessar-fogo e acordo de paz, em 1993 a Comisión de la Verdad , para investigar os crimes contra os direitos humanos cometidos durante a guerra civil provou a autoria moral do assassínio de Óscar Romero, incansável pregador pelos Direitos Humanos e a justiça social do seu povo, sendo hoje apelidado de “revolucionário de Deus” e considerado um dos máximos representantes e símbolos da Teologia da Libertação na América Latina, razão pela qual, segundo alguns, tarda o seu processo de canonização como Mártir das Américas.

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* Fernando Amorim

Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente e Investigador do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Editor do Janus.

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