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- JANUS 2008 -



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A(s) economia(s) continua(m) forte(s)...

Manuel Farto * e Henrique Morais **

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A economia mundial continua a evidenciar uma significativa robustez, expressa num crescimento do produto interno bruto (PIB) que, segundo dados do Fundo Monetário Internacional, se situou em 5,4%, em 2006, devendo abrandar ligeiramente em 2007 e 2008, para 4,9%. Sendo certo que as economias emergentes, designadamente a China e a Índia, têm vindo a desempenhar um papel decisivo neste processo de fortalecimento do crescimento económico à escala mundial (1), também é verdade que as economias avançadas mantêm ritmos de crescimento anuais na ordem dos 2,6% desde 1990, o que tem permitido manter o PIB destas economias no (ou acima do) respectivo potencial (2).

Os indicadores mais recentes, que incluem já informação referente ao 2.º trimestre de 2007 (3), indiciam a manutenção de um dinamismo interessante nas principais economias avançadas, compatível com a concretização das previsões do próprio FMI para 2007: crescimento de 2,2% nos EUA, 2,3% na área do euro e no Japão e 2,9% no Reino Unido.

Olhando de relance para cada uma destas economias podemos concluir que, nos EUA, o consumo das famílias continua a ser determinante na manutenção do dinamismo do PIB, compensando a forte correcção a que se vem assistindo no investimento e o tradicional contributo negativo das contas externas para o crescimento económico. Na área do euro, a trajectória do PIB tem sido surpreendente para a maioria dos economistas, revelando uma solidez que não se esperava, face aos contributos positivos da procura interna (via consumo privado e investimento) mas também da procura externa. Conclusão semelhante pode ser inferida para o Japão, embora aqui as exportações continuem a ser o principal motor do crescimento económico, com a pouco saudável evolução da procura interna, ao invés, a manter-se como a principal ameaça. No Reino Unido, as famílias têm mostrado uma significativa capacidade de acomodação face ao aumento dos custos relacionados com o mercado do crédito (também porque se tem materializado, à semelhança do resto da Europa, um importante efeito de riqueza associado à valorização do mercado accionista), o que permite antecipar que o PIB continue a crescer próximo ou acima do respectivo potencial.

Perante o enquadramento descrito, e tendo ainda em conta que os resultados das empresas continuam favoráveis na maioria das economias avançadas, que os preços das matérias-primas corrigiram face aos valores historicamente elevados registados em meados de 2006 (4), que a política monetária permanece genericamente acomodatícia no mundo (permitindo a manutenção de um excesso de liquidez que é o garante das valorizações dos activos monetários e não monetários), dificilmente perante este cenário económico idílico se poderiam vislumbrar nuvens carregadas.

E no entanto elas parecem estar a surgir!...


...As sombras no mercado da habitação adensam-se...

Em 20 de Julho de 2005, o então presidente da Reserva Federal norte-americana (FED) afirmou: “Os tomadores de risco têm sido encorajados pela crescente estabilidade da economia para alargarem os seus horizontes de investimento. Estas acções foram acompanhadas por significativas reduções das medidas de volatilidade nos mercados de acções e do crédito. A história mostra-nos que longos períodos de relativa estabilidade induzem frequentemente expectativas irrealistas sobre a sua permanência e, por vezes, conduzem a excessos financeiros e a economic stress . Estas expectativas (...) estão a contribuir para o boom no mercado da habitação e a criar alguns riscos associados”.

Embora as palavras de A. Greenspan fossem sempre escutadas com especial atenção, este alerta, na altura, pouco ou nenhum impacto teve no mercado: o segmento accionista, para onde se destinam grande parte daqueles a que Greenspan chamou os “tomadores de risco”, continuou a valorizar-se (então o DJI rondava os 10.690 pontos, dois anos exactos depois, em 20 de Julho de 2007, ultrapassava os 14.000 pontos...), as vendas de habitação continuaram a crescer à confortável taxa homóloga de 8%, as despesas de construção mantiveram-se com ritmos de crescimento ainda maiores (acima dos 10%) e no mercado do crédito intensificaram-se as operações de alto risco, envolvendo designadamente financiamentos do chamado sector sub-prime, i.e., créditos a agentes económicos de elevado risco, a taxas naturalmente muito elevadas.

Cerca de um ano após o sábio discurso do presidente do FED, o mercado finalmente começou a interiorizar que os riscos sobre a evolução da economia norte-americana se avolumavam.

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Penalizados pelos efeitos das subidas acumuladas das taxas de juro (5) e, mais tarde, isto é, já em 2007, pelo forte acréscimo dos preços dos combustíveis (entre Janeiro e Julho, o preço do dated brent passou de 55 dólares para valores acima de 75 dólares!) os agentes económicos nos EUA começaram a sentir dificuldades em cumprir os seus compromissos de crédito, sobretudo os que se enquadram no segmento de maior risco, ou seja, o sub-prime . Os dados são a este respeito elucidativos: entre Junho de 2005 e Março de 2007 (6), as situações de incumprimento (ausência de pagamento de uma ou mais prestações, sem que ocorra ainda uma litigância) neste segmento do crédito passaram de 10,3% do total dos financiamentos para 13,8%. Por outro lado, a percentagem de contratos encerrados em definitivo face ao total dos financiamentos aumentou de 3,3% para 5,1%. Em ambos os casos, está-se ainda longe dos valores de 2001/2002 (na sequência dos atentados às torres gémeas de Nova Iorque) mas, tendo em conta os últimos desenvolvimentos, tudo indica que para lá se caminha aceleradamente.

Por um lado, era então mais evidente a forte correcção a que se estava (e está) a assistir no mercado da habitação. O sector manteve--se anos a fio numa espécie de “exuberância irracional” (comum, aliás, a outros activos), perante o forte crescimento das vendas, o que permitiu aos construtores manterem uma oferta de novas habitações muito incisiva: as vendas de novas habitações aumentaram, entre 2000 e 2005, a uma taxa média anual de 6,5%; as licenças de construção cresceram, no mesmo período, 4,5% ao ano e os preços das habitações valorizaram-se, em termos médios, 7% ao ano.

Ora, quando as condições de crédito começaram a deteriorar-se, a reversão foi muito rápida e incisiva: em 2006, as vendas desceram 18%, as licenças de construção caíram 12,9% e o crescimento do preço médio das habitações recuou para 4,7% (7). Até ao momento são conhecidos os dados do 2.º trimestre de 2007, que confirmam a continuação deste cenário de forte correcção do mercado.

É evidente que a economia norte-americana não se esgota no sector da habitação, o que aliás é visível na continuação do forte crescimento do PIB ainda em 2007, mesmo tendo em conta que o investimento residencial caiu 4,6% em 2006 e nos dois primeiros trimestres de 2007 observou uma variação em cadeia anualizada negativa superior a 10%. Além disso, embora as implicações de um colapso eventual no mercado do crédito sejam bastante mais preocupantes (pela sua incidência directa no sector financeiro), os sinais negativos que foram expressos para o mercado do sub-prime estão longe de ser comuns aos segmentos de menor risco, que representam aliás a maioria do crédito, estimando-se que o sub-prime não ultrapasse os 20% do total.

Por outro lado, no resto do mundo a situação nos sectores da habitação e do crédito está muito longe do que se passa nos EUA. Embora nalguns países europeus, designadamente em Espanha e França, se observem também sinais de alguma sobreavaliação de preços e excesso de oferta, nada indica que se esteja a assistir a qualquer correcção forte e de incidência global.

Deste modo, na hipótese de que estes desenvolvimentos negativos nos mercados do crédito/habitação não se intensifiquem demasiadamente, tudo pareceria indicar que a nossa “sombra” não passará disso mesmo: uma incidência temporária, logo abafada pela força da economia norte-americana. E no entanto, uma outra “sombra” parece emergir...

 

...e eis que surge novamente a China...

Como é sabido, a globalização a que se assistiu ao longo da parte final do século XX e nos primeiros anos deste novo século tem tido como características principais a emergência de novos actores à cena económica e financeira mundial, acompanhada por um fenómeno de descida dos preços dos produtos da indústria transformadora nos mercados internacionais (8) – que gerou uma desinflação importada na maioria das economias avançadas.

Muitos julgaram que esta característica era intrínseca à própria globalização e que, portanto, países como a China e a Índia permaneceriam eternamente como fornecedores de produtos a baixo preço nos mercados internacionais. Enganaram-se!

Na verdade, em especial a China, rapidamente conseguiu desenvolver áreas industriais de elevado valor acrescentado, ao mesmo tempo que se começaram a sentir os efeitos da pressão compradora vinda de Oriente nos preços das principais matérias-primas. Para além disso, o mercado interno chinês foi ganhando dimensão, a procura interna por parte de uma camada da população com manifesto poder de compra começou gradualmente a pressionar a oferta, o que se traduziu, como se pode observar pelo gráfico respectivo, num aumento dos preços no consumidor – entre 1998 e 2002 o crescimento do índice de preços no consumidor chinês não foi além de 1,5%, no final de Junho de 2007 rondava os 4,4%.

Ora, a nosso ver, esta eventual nova fase da globalização, no momento em que surge, pode induzir consequências arrasadoras para as economias avançadas, à cabeça das quais surge naturalmente os EUA. Não temos dúvidas de que a intensificação do fenómeno de ascensão da China (entre outros) na escala económica internacional deixará lugar para o aparecimento de novos países emergentes e capazes de “inundarem” os mercados de produtos a baixo preço. Acontece que estes fenómenos demoram tempo, pelo que, no futuro imediato, esta nova fase da globalização pode reflectir-se em “exportação” de inflação para as economias mais avançadas – de que, aliás, já é possível observar alguns sinais, quando se analisa a evolução dos preços no consumidor.

É neste ponto que a situação económica se pode complicar, especialmente para os EUA. Um acréscimo eventual dos preços retirará às autoridades monetárias margem de manobra para políticas monetárias mais acomodatícias, isto é, para a descida das taxas de juro, podendo, ao invés, tornar necessários novos acréscimos dos juros.

Na situação em que se encontra o mercado da habitação nos EUA este cenário é, no mínimo, arrepiante. Para os norte-americanos, mas também para a economia mundial.

 

Conclusões

O crescimento mundial está sólido mas, nos últimos tempos, têm pairado algumas nuvens carregadas, em especial sobre a economia norte-americana. Nestas linhas tentaram-se destacar alguns factores de risco, com destaque para a evolução do mercado da habitação e dos preços, demonstrar como estes factores estão interligados e evidenciar de que forma a evolução da globalização (e da China) podem ser determinantes no futuro próximo.

O tempo dirá se a economia mundial será capaz de ultrapassar estas sombras que se perfilam no horizonte.

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1 - O crescimento médio mundial no período de 1999 a 2008 rondará os 4,4%, com as economias avançadas a crescerem, em média, 2,6% e os mercados emergentes e países em desenvolvimento cerca de 6,4%. No mesmo período, a China e a Índia deverão registar crescimentos do PIB de 9,4% e 7%, respectivamente.

2 - O produto potencial corresponde ao que se supõe poder ser gerado por uma determinada economia, num contexto de plena utilização dos recursos produtivos.

3 - No momento em que este texto está a ser ultimado (Agosto de 2007) apenas está disponível informação sobre as contas nacionais do 2.º trimestre de 2007 nos EUA, existindo todavia dados muito seguros sobre o desempenho económico no 2.º trimestre na generalidade das economias mais avançadas, designadamente a área do euro, Reino Unido e Japão.

4 - Os índices de preços das matérias-primas apontam para uma queda de 12% entre os máximos de meados de Março de 2006 e o final de Julho de 2007.

5 - Nos EUA, a grande maioria dos empréstimos hipotecários são indexados a taxas de juro de médio e longo prazo, que reflectem não só a evolução das expectativas em matéria de política monetária mas também face à evolução da inflação. No gráfico respectivo é visível a trajectória de subida das taxas de juro a 10 anos nos EUA, desde 2003 até meados de 2006, mesmo tendo em conta que as mesmas se mantêm em níveis historicamente baixos.

6 - Esta informação tem uma periodicidade trimestral e, embora ainda não estejam disponíveis os dados de Junho, tudo indica que a situação se deteriorou.

7 - Também no outro lado do Atlântico se observa uma forte resistência dos promotores imobiliários/construtores à descida dos preços, embora a história nos mostre que, a dada altura, esse movimento se torna abrupto – veja-se a crise imobiliária japonesa dos anos 80.

8 - E pela subida dos preços das matérias-primas, face sobretudo à forte procura destes novos actores internacionais.

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* Manuel Farto

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão. Doutor em Economia pela Universidade de Paris-X. Docente no ISEG. Docente visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil). Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

 

** Henrique Morais

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão. Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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Dados adicionais
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