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- JANUS 2008 -



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Um balanço da guerra do Afeganistão

José Loureiro dos Santos *

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A invasão do Afeganistão, em 7 de Outubro de 2001, na sequência do atentado de 11 de Setembro, derrubou o regime talibã, numa campanha fulgurante conduzida basicamente por forças especiais, agindo como conselheiros tácticos e controladores do apoio aéreo de forças dissidentes internas.

Derrubar os talibãs no Afeganistão, para destruir a al-Qaeda

A operação “Liberdade Duradoura” começou por deslocar uma pequena força para uma antiga base aérea soviética do Uzbequistão, perto da fronteira afegã e de Mazar-e Shahrif, a cidade mais a norte em poder dos talibãs. Daí, partiram equipas de operações especiais (OpEsp), que contactaram diferentes corpos de forças dissidentes, desembarcando de helicóptero nas suas proximidades.

A missão era derrubar os talibãs e desorganizar a Al Qaeda, eliminando ou capturando os respectivos dirigentes (1).

Na região norte, de maioria tajique, foram contactadas forças da Aliança do Norte (AN), também tajiques. Mazar-e Sharif cairia em poder da AN, em 10 de Novembro; Cabul (capital política do Afeganistão), no dia 14. Os defensores de Cabul retiraram desordenadamente para sul, em direcção a Kandaar e aos abrigos das montanhas Tora Bora, perto de Jalalabad, a leste. Taloqan, mais a leste, já caíra, em 11 de Novembro; a 23, seria a vez de Kondoz, o último ponto forte do Norte do Afeganistão.

No Sul, de maioria pashtun , as equipas de OpEsp entram em contacto com Hamida Karzai, líder pashtun de um grupo de resistentes e com Gul Sahrzai, antigo governador de Kandaar, centro político e religioso. No dia 7 de Dezembro, os talibãs evacuavam Kandaar sem um tiro, depois de negociações, e Sharzai era confirmado por Karzai como governador da cidade.

Seguiu-se a operação nas montanhas escarpadas de Tora Bora, onde al-qaedistas e talibãs se tinham refugiado. Na região, uma pequena unidade reforçada com alguns batalhões contactou o comandante do contigente antitalibã local. Com apoio aéreo adequado aos abrigos do inimigo, foi destruída a resistência organizada em Tora Bora, com a eliminação e captura de numerosos militantes. Muitos fugiram para o Paquistão, desconhecendo-se o paradeiro dos mais altos dirigentes al-qaedistas, nomeadamente Bin Laden.

Terminado o assalto a Tora Bora, o Afeganistão foi considerado libertado, passando-se às tarefas de apoio à construção do novo Estado, nomeadamente a preparação e treino das suas novas forças de segurança.

 

Reconstrução incompleta do Estado afegão por falta dos necessários apoios

As reduzidas forças militares americanas no teatro, cerca de 2.000 efectivos, garantiam a segurança do aeroporto de Cabul, formavam uma pequena unidade de reacção rápida em Bagram, efectuavam tarefas de apoio e guiavam as forças afegãs em operações de busca, num país de dimensão quase dupla da Alemanha, com 25 milhões de habitantes e um terreno particularmente montanhoso. Uma operação de limpeza de terroristas refugiados num vale de difícil acesso, a sul de Cabul, que terminou em 19 de Março, mostrou a situação em que se encontravam a Al Qaeda e a estrutura talibã: desmanteladas, desmoralizadas, em fuga.

Tal como iria acontecer no Iraque, Rumsfeld não considerou necessário um esforço militar extensivo no terreno, para consolidar a pacificação do país e apoiar a reconstrução do Estado. A vitória teria sido tão completa, que bastaria a caça a elementos da Al Qaeda em fuga, embora Colin Powell, então secretário de Estado, apoiado por Condoleeza Rice e reforçado por Hamid Karzai, tivesse avançado a proposta de reforçar a pequena força de manutenção de paz internacional que patrulhava Cabul, para que Karzai pudesse alargar a sua autoridade além da capital, com um potencial de 20.000 a 40.000 militares, metade europeu, metade norte-americano.

A solução limitou-se a manter no Afeganistão cerca de 8.000 efectivos norte-americanos, reforçando-os apenas em momentos críticos (como em actos eleitorais) e uma força internacional de 4.000 em Cabul. Continuar a busca de terroristas escondidos, eventualmente também no Paquistão, seria o objectivo. Simultaneamente, os americanos treinariam um exército afegão de 700.000 efectivos, o Japão desarmaria 100.000 combatentes das milícias, a Grã-
-Bretanha desenvolveria um programa anti-narcóticos e a Alemanha treinaria 62.000 agentes de uma força de polícia, actividades sem uma direcção que as coordenasse e impulsionasse.

A invasão do Iraque reduziu ainda mais os meios de state-building . Para lá se desviaram os especialistas de intelligence com mais experiência, deixando os mais novatos no Afeganistão, assim como a maioria dos Predator e as unidades especiais para operações secretas. Aliás, o empenhamento no Iraque iria impedir sempre o desejável reforço do teatro de operações (TO) com forças terrestres (FT).

Embora o presidente Bush anunciasse, em 17 de Abril, um “Plano Marshall” para o Afeganistão, como apoio para promover o seu desenvolvimento, em 2002 o país recebeu menos ajuda per capita do que tinham recebido a Bósnia e o Kosovo no período pós-conflito. Num país agrícola, foram poucos os peritos em agricultura para lá enviados (ainda hoje são insuficientes). Não apareceu qualquer plano de reconstrução e era risível o número de funcionários afectos ao apoio ao desenvolvimento.

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Em Maio de 2003, três semanas depois de Rumsfeld, ao lado de Karzai, afirmar que o país estava seguro e num período de “actividades de estabilização e reconstrução”, os funcionários do governo afegão manifestaram-se em Cabul, por não serem pagos havia meses, e Karzai ameaçava publicamente demitir-se, se a situação continuasse. Estavam vazios os cofres governamentais, por falta de autoridade sobre os senhores de guerra, que se apoderavam dos impostos que cobravam. À data, o novo exército afegão não ultrapassava os 2.000 efectivos, a Alemanha mal tinha começado a treinar a polícia, e o programa britânico antinarcóticos sucumbira perante uma explosão do cultivo do ópio, ainda hoje a crescer (máximo em 2007), dando força aos líderes locais. E “pequenos grupos de combatentes talibãs atravessavam de volta a fronteira do Paquistão e matavam funcionários da assistência internacional, paralisando a exígua reconstrução que se fazia no Sul” (2).

Só em Junho de 2003, Rumsfeld reconheceu a necessidade de modificar a estratégia em curso, propondo-se desenvolver esforços para controlar os senhores de guerra e empenhar-se em acções de “ state-building ”. Apenas em Novembro, com a chegada de Khalilzad (de origem afegã, neoconservador da confiança de Cheney e Rumsfeld) ao Afeganistão, como embaixador, se inicia uma estratégia de estabilização consistente, mais de um ano e meio depois da expulsão dos talibãs.

A manobra económico-social passa a dispor de 2 mil milhões de dólares para 2004, o dobro do ano anterior, e o comandante militar das forças dos EUA aumenta o número de grupos provinciais de reconstrução (PRT na designação inglesa), que têm capacidade para conduzir actividades de reconstrução, em segurança.

Ao longo de 2004, a manobra militar expande-se, com membros da NATO a responderem ao pedido de envio de forças para o TO, reforçando as escassas FT dos EUA disponíveis. Rumsfeld propõe mesmo que a NATO assuma a responsabilidade pela segurança do Afeganistão.

Com a manobra político-psicológica, os senhores de guerra vão-se submetendo à autoridade central; é aprovada uma nova Constituição para o país e Karzai é eleito presidente em Outubro de 2004; enfim, desenvolvem-se acções visando a conquista dos “corações e das mentes” dos afegãos.

Na Primavera de 2005, as FT no TO eram insuficientes, mas, aparentemente, o ambiente estava a mudar favoravelmente, quando Kalilzad foi requisitado para embaixador no Iraque, que estava a ficar fora de controlo.

 

O regresso dos talibãs

A Força Internacional de Apoio à Segurança do Afeganistão (ISAF, no acrónimo inglês), estabelecida pela ONU em 20 de Dezembro de 2002, assumiu inicialmente a segurança de Cabul, com forças de 18 nações. A sua progressiva expansão para fora da capital foi sendo acompanhada pelo envolvimento da NATO nas operações, primeiro em apoio, depois comandando-as, o que aconteceu em 11 de Agosto de 2003, data a partir da qual a NATO assumiu responsabilidades na região mais estabilizada do TO – no Norte. As forças americanas operavam no Sul, no combate aos terroristas, cujo número ia aumentando, dada a insuficiência dos meios de pacificação. A área de responsabilidade da NATO alargou-se, através da colocação de sucessivos PRT sob o seu comando. Em 10 de Fevereiro de 2005 expande-se para oeste do país, em 31 de Julho de 2006 absorve seis províncias do Sul, e em 5 de Outubro responsabiliza-se pelo Leste, assumindo o comando do TO.

Esta expansão da NATO no Afeganistão foi promovida pelos EUA, que tentavam colmatar a sua carência de FT resultante do empenhamento no Iraque, à custa dos membros da NATO e de outros países. Sem êxito completo, porque só os americanos têm certos equipamentos de combate e de apoio, e esses países não dispõem de suficientes tropas de combate com as capacidades militares exigidas pelas características do teatro.

Mas, principalmente, por existirem duas concepções divergentes quanto à NATO: uma, dos americanos e de alguns países europeus, que consideram a Aliança um instrumento de intervenção a nível planetário, para confrontar as ameaças de natureza global à sua segurança; outra, dos restantes membros europeus, que vêem a NATO destinada primariamente à segurança imediata e próxima da sua área, podendo agir em qualquer crise “fora de área”, mas contribuindo ou não cada um de acordo com a sua vontade, apenas após uma avaliação caso a caso. Esta segunda concepção provém das fracturas provocadas pela intervenção dos EUA no Iraque. Muitos Estados-membros da NATO ainda não têm confiança suficiente nos EUA, e temem ser envolvidos em combate, exclusivamente pelos interesses americanos.

Esta concepção “caso a caso” da Aliança vê-se nas restrições por alguns países de emprego ( caveats ) das suas unidades no Afeganistão, o que corresponde à redução prática das forças que o comandante do TO pode accionar.

Também existem divergências quanto à conduta da contra-insurreição. A NATO (cerca de 35.000 efectivos de 48 países, 37 da Aliança), que visa a estabilização do Afeganistão, aposta em operações de segurança e em actividades de assistência e reconstrução através dos PRT (existem actualmente 25), para conquistar “os corações e as mentes” dos afegãos, apoiando actividades governamentais, instruindo e treinando as forças de segurança afegãs, e procurando resolver o problema da cultura extensiva do ópio, para os talibãs perderem a sua principal fonte de financiamento.

As forças norte-americanas, basicamente forças especiais ou com preparação especial em número variável, em ligação com a NATO, prosseguem a operação Liberdade Duradoura, levando a cabo operações agressivas de contraterrorismo. São acusadas (particularmente por britânicos) de prejudicar as operações de estabilização da NATO, especialmente por causa dos danos colaterais exagerados em termos de baixas civis, provocados por bombardeamentos aéreos, que empurram as populações para os braços do inimigo.

O regresso em força dos talibãs na Primavera de 2006, a partir de santuários no vizinho Paquistão, a tendência para a iraquização do conflito, o crescimento dos atentados suicidas (1,5/mês em 2005, 10,0 em 2006, 11,3 em 2007, até Setembro, com tendência para subir), o aumento em 20% das baixas da NATO e EUA, e a actual impossibilidade de evitar que os talibãs retomem o controlo de vastas áreas rurais que foram sujeitas a operações de limpeza (pela incapacidade de as forças afegãs as manterem), tudo isto exige o reforço urgente dos recursos existentes. A possibilidade dele se concretizar depende de serem retiradas do Iraque forças bastantes. Há indícios de que a retirada completa do contingente britânico do Iraque se processará a curto prazo, antes da saída dos americanos, o que permitirá disponibilizar meios para o TO afegão. Provavelmente, acontecerá o mesmo, mais tarde, com forças dos EUA.

O Afeganistão continua em risco. Uma derrota da NATO será uma catástrofe para o mundo, mas principalmente para o Ocidente. Seriam desastrosos os efeitos de estímulo para o jihadismo global. Enfraqueceria, num grau demolidor, o poder norte-americano e ocidental. (3)

Em conclusão: foi positivo o desmantelamento da direcção da Al Qaeda no território, e do regime talibã. A situação actual é negativa, mas parece reversível.

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Informação Complementar

Paquistão: santuários talibãs e recuperação da Al Qaeda

Enquanto houver santuários para os talibãs e a Al Qaeda, no território paquistanês, será impossível a vitória no Afeganistão.

No Paquistão, desde a islamização decretada pelo general Zia-ul-Haq (1978), que implantou no país uma sociedade islâmica, sempre existiu cumplicidade entre o complexo de segurança e os protagonistas do extremismo violento. A criação dos talibãs pelos serviços secretos paquistaneses, com o financiamento dos EUA, a fim de combater a União Soviética, e o apoio dado ao regime do mulá Omar, para equilibrar o apoio da Índia à Aliança do Norte e garantir a frente de Caxemira, reforçaram essa cumplicidade e alargaram-na aos radicais afegãos no poder.

O apoio de Musharraf à invasão do Afeganistão verificou-se, por estar em causa a sobrevivência do Estado paquistanês. Poderia ser varrido do mapa por uma aliança EUA/Índia, se o Paquistão se lhe opusesse. Embora fossem saneados os elementos do aparelho de segurança mais comprometidos com os talibãs e a Al Qaeda e proibidas 5 organizações islamistas radicais, a atitude de Musharraf com os talibãs e membros da Al Qaeda, refugiados no Waziristão e na província da Fronteira Noroeste, sempre se manifestou titubeante.

Estas áreas santuarizaram-se e, simultaneamente, reforçou-se o islamismo radical no país, já que, para garantir apoio parlamentar, Musharraf se aliou com a coligação dos partidos religiosos afegãos, Muttaida Majlis e-Amal (MMA), da qual fazem parte movimentos próximos dos extremistas. Foram tímidas as operações do exército paquistanês contra os militantes na região de fronteira, tendo até o Estado paquistanês assinado um acordo no Waziristão, pelo qual os talibãs aí instalados deixariam de atacar alvos no Afeganistão, parando o exército do Paquistão as suas acções de combate na região. O Waziristão talibãnizou-se, constituindo, de facto, um “emirato islâmico”. Durante 18 meses, até ao recente assalto à Mesquita Vermelha pelo exército paquistanês, em Islamabad, não foram detidos quaisquer talibãs nem al-qaedistas, do que resultou a reorganização consolidada da direcção da Al Qaeda. Além de conglomerado operacional, a marca Al Qaeda transformou-se numa ideologia em ascensão. Os talibãs, recuperados, partem à reconquista do Afeganistão.

Aparentemente, depois do confronto na Mesquita Vermelha, Mushararaf decidiu pôr fim à influência extremista, o que poderá acabar com santuários talibãs e desmantelar novamente a Al Qaeda. Esta orientação do poder político paquistanês, a manter-se e a ter êxito, será um passo decisivo para o futuro do Afeganistão e, particularmente, para o êxito da luta contra o extremismo violento.

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1 - A descrição das operações que derrubaram o regime talibã no Afeganistão baseou-se em “The United States Army in Afganistan – Operation Enduring Freedom do US Army Center of Military History, actualizado em Março de 2006”. Disponível em http://www.army.mil/cmh/brochures/Afganistan

2 - Rohde, David e Sanger, David E. – “How a «Good War» in Afghanistan Went Bad”. The New York Times , 13/08/2007.

3 - Para a organização e operações da NATO no Afeganistão, consultar a informação sobre a Força Internacional de Apoio à Segurança (ISAF): http://www.nato.int/isaf

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* José Loureiro dos Santos

General reformado. Autor de livros sobre assuntos de Estratégia, História Militar, Segurança e Defesa e Relações Internacionais. Analista destes assuntos na comunicação social. Foi Professor do IAEM, do IAEFA e do ISCSP. Foi Director do IAEM, assim como Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Chefe do Estado-Maior do Exército e Ministro da Defesa Nacional.

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