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A Conferência de Helsínquia (1972-1975)

Tiago Moreira de Sá *

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Entre 1973 e 1975 os EUA, a URSS, os Estados europeus e o Canadá reuniram-se em Helsínquia numa Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). O seu resultado de curto prazo mais significativo foi a confirmação do statu quo do pós-Segunda Guerra Mundial no «velho continente»; porém, a longo prazo, o acordo final assinado a 1 de Agosto de 1975 contribuiu para a dinâmica de liberalização no antigo bloco soviético.

 

Uma ideia soviética para separar a Europa dos EUA

A ideia de realizar uma conferência sobre segurança na Europa partiu da URSS, sendo a proposta inicial formulada pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Vyacheslav Molotov, em 1954. O interesse soviético em promover este evento resultou primeiramente do seu histórico sentimento de insegurança, que conduziu à tentativa de obter o reconhecimento de jure do statu quo europeu do pós-Segunda Guerra Mundial, o que nunca havia acontecido, sobretudo quanto à questão de Berlim; todavia, o Kremlin viu igualmente na iniciativa uma forma de destruir a unidade atlântica, ou seja a NATO, propondo aos vizinhos do «velho continente» como alternativa um sistema pan-europeu de segurança colectiva.

Após várias recusas dos europeus ocidentais, cientes de que a sua segurança dependia da aliança com os EUA e não de um entendimento com a URSS, a 17 de Março de 1969, Moscovo apresentou uma proposta renovada para a realização de uma Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa que, desta vez, compreendia a participação norte-americana e era apresentada com os propósitos explícitos de melhoria das relações entre os dois blocos político-militares, de reconhecimento do mapa da Europa como «inviolável» e confirmação inequívoca da divisão da Alemanha em dois Estados independentes e soberanos (Henry Kissinger, 1994). Para além dos interesses tradicionais já mencionados, os soviéticos eram agora motivados por um desenvolvimento sistémico primordial, como seja o conflito sino-soviético; a iminência da abertura de uma nova frente de confronto a Oriente reforçou a necessidade de entendimento a Ocidente e flexibilizou a postura da URSS face às condições de realização da conferência.

Conscientes das motivações soviéticas, os Estados Unidos não mostraram inicialmente grande vontade em viabilizar a CSCE, pois esta não só não servia os seus interesses fundamentais, como podia pôr em risco a coesão da Aliança Atlântica, a sua hegemonia na Europa Ocidental e, logo, o seu sistema de segurança. Por estas razões, Washington recorreu mesmo a diversos expedientes para adiar o máximo possível a realização da conferência, ligando-a ao universo dos vários problemas inscritos no relacionamento Leste-Oeste. Contudo, dadas as alterações ocorridas ao nível do sistema internacional na passagem da década de 1960 para 1970, a equação estratégica alterou-se, passando Helsínquia a ser uma vantagem para a administração norte-americana. Primeiro, porque podia ser apresentada como um ganho da política de détente , cada vez mais criticada no interior do país; depois, porque na lógica da doutrina Linkage de Richard Nixon e Henry Kissinger, ou seja, da ligação dos vários problemas de forma a utilizar as zonas de possível cooperação para resolver as de conflito, a CSCE podia ser relacionada com cedências soviéticas em outras áreas de interesse dos EUA, sobretudo a Indochina e o Médio Oriente. Também porque era necessário enquadrar na estrutura mais vasta das relações Leste-Oeste a nova atitude diplomática da Europa Ocidental, crescentemente apostada em afirmar-se no contexto das superpotências, muito em especial a Ostpolitik de Willy Brandt, impedindo a RFA de ficar sozinha na sua abertura a Leste. Finalmente, porque os oeste-europeus estavam apostados na realização do evento e os decisores políticos de Washington tinham de evitar acções unilaterais dos aliados em relação a Moscovo, o que podia gerar a prazo a marginalização dos Estados Unidos dos assuntos do «Velho Continente».

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A afirmação da Europa no contexto das superpotências

A CSCE era igualmente importante para a RFA, a França e o Reino Unido, apostados desde 1969 em afirmar a Europa no contexto das superpotências, sobretudo através do fortalecimento do projecto da Comunidade Económica Europeia (CEE), enquanto forma de Bona, Paris e Londres ganharem, cada um per se , uma nova capacidade de influência externa e, simultaneamente, de enquadrarem a Ostpoltik.

Na realidade, o início dos anos 1970 coincidiu como uma nova fase da CEE. Como sintetizou Desmond Dinan: «(…) a evolução da Comunidade até 1989 pode ser dividida em duas fases. A primeira, de início da década de 50 até começo da de 70, assistiu a uma Comunidade de baixo perfil político numa “guerra fria” relativamente rígida e numa inquestionável hegemonia dos EUA, timidez diplomática da Alemanha (…). A segunda, daí em diante, viu a Comunidade adquirir gradualmente um alto perfil político nas circunstâncias da relação entre as duas superpotências em mudança radical, declínio dos EUA, crescente afirmação alemã (…)» (Desmond Dinan, 1994).

O ponto de viragem ocorreu em Dezembro de 1969, na Cimeira de Haia, onde foi produzida a directiva que definiu a nova orientação estratégica da CEE – completar, aprofundar, alargar –; dentro desta linha, em 1973, assistiu-se à adesão do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca.

Um desenvolvimento de fundo na política externa da RFA esteve na base da alteração da realidade europeia: a Ostpolitik. Aproveitando as evoluções da guerra fria, Willy Brandt operou uma mudança substancial na estratégia externa de Bona, substituindo a anterior rigidez anti-soviética de Adenauer por uma política de abertura e aproximação a Leste que tinha como objectivo último obter a longo prazo a reunificação da Alemanha. Assim, entre 1970 e 1972, foram assinados três tratados fundamentais e estruturantes da Ostpolitik: com a URSS (Agosto de 1970), com a Polónia (Novembro de 1970) e com a RDA (Dezembro de 1972).

A Ostpolitik foi igualmente o factor primordial do interesse da França, do Reino Unido e da RFA na CSCE. Para os dois primeiros e, recorde-se, para os EUA, a Conferência de Helsínquia era acima de tudo vista como um modo de enquadrar a reemergência da Alemanha na cena internacional num âmbito multilateral, inscrevendo-a no quadro mais vasto das relações Leste-Oeste; além disso ela permitia a franceses e ingleses realizarem dois objectivos diferentes: para Paris, abria novas oportunidades ao seu velho desejo de uma Europa encarregue dos seus próprios destinos e crescentemente liberta da hegemonia americana; para Londres, reforçava o seu papel de eixo central da relação entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental ao mesmo tempo que, paradoxalmente, reduzia a sua dependência da «relação espacial» com Washington. Já para a Alemanha Federal a conferência era um meio de garantir a aceitação da política de abertura a Leste pelos aliados ocidentais, o que era considerado condição sine qua non para o seu sucesso, uma vez que a viabilidade da «frente diplomática a Leste» dependia da coesão da «frente diplomática a Ocidente» na qual se alicerçava a sua segurança de Bona.

 

Helsínquia e a liberalização da Europa de Leste

Os preparativos multilaterais para a CSCE iniciaram-se na capital finlandesa em Novembro de 1972 e, em Julho do ano seguinte, reuniram-se pela primeira vez os representantes diplomáticos de todos os Estados europeus (com a excepção da Albânia), do Canadá, dos EUA e da URSS, num total de 35 países participantes. Os trabalhos estenderam-se até Julho de 1975, culminando na assinatura da Acta Final da Conferência de Helsínquia, a 1 de Agosto de 1975, da qual saiu um texto dividido em três áreas vitais de interesse, ou «pacotes» (Baskets).

O Pacote I, acerca da «Segurança na Europa» resultou numa «Declaração acerca dos Princípios para a Condução das Relações entre os Estados Participantes». Do seu escopo faziam parte 10 princípios básicos para as relações entre os vários países que respondiam às aspirações alemãs e soviéticas: o respeito pela soberania; o não recurso ao uso da força; a inviolabilidade das fronteiras; a integridade territorial; a resolução pacífica das disputas; a não intervenção em questões internas; o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais; e um «Documento acerca das Medidas de Confiança e Certos Aspectos de Segurança e Desarmamento».

O Pacote II, sobre a «Cooperação nos Campos da Economia, Ciência, Tecnologia e Ambiente», procurou regular e integrar as relações comerciais, produtivas e científicas entre os Estados participantes.

O Pacote III, relativo à «Cooperação nos Campos Humanitário e outros», procurou estabelecer provisões acerca das relações humanas, na sua interacção com o Estado, no acesso à informação e à formação, fazendo parte dos seus propósitos incentivar o livre fluxo de pessoas, de ideias e de informação ao longo dos dois blocos europeus (Geoffrey Edwards, 1985).

A chave da CSCE residiu em dois pontos muito particulares. Primeiro, numa provisão do Pacto I, introduzida pela diplomacia de Bona, segundo a qual «as fronteiras» podiam «ser alteradas, de acordo com o direito internacional, por meios pacíficos e por consenso». Segundo, nas disposições acerca dos Direitos Humano, contidas no Pacote III, que podiam significar, no longo prazo, um expediente de corrosão da «Doutrina Brezhnev».

Na realidade, o primeiro ponto contribuiu posteriormente para legitimar a reunificação alemã e a menção aos direitos humanos, aos direitos de acesso à informação e ao movimento populacional foi utilizada para forçar a liberalização da Europa Central e de Leste. Como afirmou Henry Kissinger, «a Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa veio, assim, a desempenhar um duplo papel importante: na fase de planeamento moderou a conduta da União Soviética na Europa; depois acelerou o colapso do império soviético» (Henry Kissinger, 1994).

Independentemente das divergências que ainda existem entre os investigadores acerca do real alcance da Conferência de Helsínquia, é indiscutível o seu contributo para a promoção de dissidências dentro do espaço comunista e para as salvaguardar da repressão directa da «Doutrina Brezhnev». Na Checoslováquia, o movimento dissidente «Carta 77» foi peremptório em usar a Acta Final da CSCE para provar publicamente que o regime estava em incumprimento das suas próprias disposições legais, ao restringir as liberdades políticas e civis dos seus cidadãos. Da mesma forma, na reunião de acompanhamento da CSCE em Madrid, em 1982, o Secretário de Estado americano, Alexander Haig, recorreu às disposições de Helsínquia para condenar a repressão polaca do movimento Solidariedade de Lech Walesa (Geoffrey Edwards, 1985).

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Informação Complementar

Portugal em Helsínquia

A assinatura da Acta Final da Conferência de Helsínquia coincidiu com um período crítico da revolução portuguesa iniciada pelo golpe de Estado militar de 25 de Abril de 1974, o chamado «Verão Quente», acabando Portugal por ocupar um lugar de destaque na agenda dos encontros diplomáticos ocorridos nos bastidores da capital finlandesa.

De facto, a Europa Ocidental, em especial, mas também os EUA, aproveitaram a CSCE para procurar influenciar o processo de mudança de regime conduzido em Lisboa, fazendo-o através de uma dupla pressão: sobre Costa Gomes, a quem competia determinar a composição do Governo Provisório português liderado por Vasco Gonçalves, um aliado do Partido Comunista (PCP); sobre a URSS, de cujo apoio político e financeiro dependia o PCP.

A pressão sobre o presidente português foi sobretudo exercida por Harold Wilson, primeiro-ministro do Reino Unido, e por Helmut Schmidt, chanceler da RFA. Foi o próprio Costa Gomes quem confessou o sucedido em Helsínquia: «Foram o sr. Harold Wilson e o sr. Helmut Schmidt os principais elementos que fizeram pressão política e me disseram: ‘Ou os senhores entram, enfim, num certo campo, ou os senhores perdem todas as facilidades prometidas, sob o ponto de vista económico e financeiro'. O Schmidt dizia sempre da mesma forma: ‘Os senhores têm de ter ordem, porque sem ordem não há economia e sem economia não há governo. E o seu país está muito desordenado; é preciso meter na ordem este, aquele, aquele outro'» (Costa Gomes, 1995).

Já a pressão sobre a URSS começou, em rigor, mesmo antes do dia 1 de Agosto. Nas vésperas da assinatura da Acta Final da conferência, os líderes da Internacional Socialista (IS) ameaçaram Moscovo de não participarem no encontro caso o Kremlin não cessasse por completo o apoio que estava a dar ao Partido de Álvaro Cunhal. E durante as conversas mantidas com Brejnev na capital finlandesa, os socialistas europeus avisaram o dirigente soviético de que «Portugal era um teste prático à détente na Europa» (Juliet Antunes Sablosky, 2000). Pelo lado norte-americano, o secretário de Estado Henry Kissinger afirmou na conferência de imprensa realizada na Finlândia a 30 de Julho: «Uma actividade substancial levada a cabo por um país estrangeiro em Portugal será considerada inconsistente com o espírito, e mesmo com a letra, da declaração da CSCE» (Department of State Bulletin, 1975).

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* Tiago Moreira de Sá

Licenciado em Ciências da Comunicação pela UAL. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada de Lisboa. Doutorando em História das Relações Internacionais no Período Contemporâneo no ISCTE. É Investigador no Instituto Português de Relações Internacionais – Universidade Nova de Lisboa (IPRI - UNL).

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Referências bibliográficas

DINAN, Desmond – Ever Closer Union? Londres: MacMillan, 1994.

EDWARDS, Geoffrey – «Human Rights and Basket III Issues: Areas of Change and Continuity». International Affairs, vol. 61, n.º 4, Outono de 1985, p., 632.

KISSINGER, Henry – Diplomacy. Nova Iorque: Simon & Schuster, 1994.

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Dados adicionais
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Link em nova janela Urho Kekkonen, Presidente da Finlândia, assina a Acta Final (01/08/1975)

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