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- JANUS 2008 -



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Os tratados de Utrecht e a nova ordem europeia

José Subtil *

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Do abade de Saint-Pierre, publicado em 1713, o Projet pour rendre la paix perpétuelle en Europe tinha por objectivo criar uma sociedade das nações, com sede em Utrecht, apoiada por uma força militar internacional capaz de assegurar a paz. Tratava-se de transferir para os novos tratados o imaginário da estabilidade política para a Europa depois de marcada por inúmeros conflitos ao longo do século XVII, apesar do pessimismo do Te Deum d'Utrecht , composto por Haendel, na cidade de Londres (1).

A utopia da paz não se realizaria mas a reordenação geopolítica do espaço europeu, decorrente de Utrecht-Radstadt, teve enormes consequências: uma nova definição de fronteiras entre os Estados europeus, a afirmação do poder da Inglaterra, a reorientação da política externa espanhola, novas alianças, reformulação das relações de força no eixo atlântico e mediterrânico e o aparecimento de duas novas e importantes monarquias (Prússia e Piemonte-Sicília). E, no âmbito diplomático, operou-se uma revolução. As estratégias que passaram a dominar as chancelarias deixaram de prosseguir interesses fundados na captação do prestígio (ampliação de territórios para grandeza das Casas nobiliárquicas, negociações para casamentos entre os Grandes, cerimónias de nascimentos e coroações, manifestações de esplendor e luxo) para se centrarem no pragmatismo económico e político.

 

A sucessão ao trono de Espanha e a guerra na Europa

A disputa pelo trono de Espanha (1701-1714), que envolveu as principais potências europeias, começou muito antes do falecimento de Carlos II (1700) sem sucessão directa. O pacto estabelecido entre Luís XIV e Leopoldo (1668), dois anos antes de começar o reinado de Carlos II, já previa a repartição dos territórios de Espanha no caso de não haver sucessor: o imperador ficaria com a Espanha, as Índias e os territórios de Itália, e a França com o resto dos Habsburgos espanhóis. Em 1696 foi acordado que o príncipe da Baviera seria o futuro rei de Espanha. Mas, passados dois anos (1698), por pressão política de Luís XIV, o príncipe da Baviera renunciaria à soberania sobre o ducado de Milão, que passaria para o arquiduque Carlos, e a França ficaria com o resto da Itália e a Viscaia, isto é, uma nova repartição a beneficiar a França.

Todavia, com a morte, no ano seguinte (1699), de Fernando da Baviera, o cenário político e estratégico mudaria por completo, tanto para as potências europeias como para os interesses espanhóis.

Em Espanha, o partido encabeçado pelo arcebispo Portocarrero desencadeou uma onda de apoio ao pretendente francês contra a facção que optou pelo arquiduque Carlos, liderada pelo monarca e pela rainha. O partido francês, que reagia à crescente influência dos Habsburgos alemães na política interna da Espanha, contava com o apoio da maioria da nobreza, do Conselho de Estado, da hierarquia da Igreja e do próprio papa. No rescaldo desta disputa, Carlos II acabaria por testamentar a favor de Filipe de Anjou. O neto de Luís XIV partiria, então, para Espanha, nomeando o seu irmão (duque de Borgonha) vigário geral dos Países Baixos Espanhóis, enquanto as tropas francesas ocupavam as principais praças-fortes de Flandres. A Catalunha, devido aos receios da política centralista francesa, manteve a oposição a esta solução.

No resto da Europa, consumado o testamento carolino (2 de Outubro de 1700), teve início uma enorme ofensiva diplomática, seguida de uma guerra que alteraria as regras do jogo político francês e alemão. O conflito começou em 7 de Setembro de 1701. A Grande Aliança (Grã-Bretanha, Holanda e o Império, com Portugal e Sabóia a aderirem em 1703) tinha por objectivo colocar no trono espanhol o filho de Leopoldo I, o arquiduque Carlos, que ficaria, também, soberano dos territórios italianos pertencentes aos Habsburgos espanhóis. Do outro lado do conflito estava a França, com o apoio da Suécia (1707), que pretendia impor Filipe de Anjou no trono de Espanha e, deste modo, consolidar o domínio político no continente.

Em 1711, devido ao falecimento do delfim da França, pai de Filipe de Anjou, e do Imperador José I, a quem devia suceder o arquiduque Carlos, começou um nova fase do conflito na medida em que um imperador, ao mesmo tempo rei de Espanha, também não interessava aos membros da Grande Aliança. Tanto Filipe como Carlos deviam ser apenas monarcas de Espanha e, em circunstância alguma, agregarem ao trono de Espanha outros reinos ou territórios que pusessem em causa o poder emergente da Inglaterra e da Holanda.

 

O pêndulo da paz

O caminho para a paz começou no Congresso de Utrecht (1712), que foi marcado pelas relações bilaterais e não pelas negociações multilaterais porque o que se procurou, em primeiro lugar, foi obter o acerto entre as grandes potências. Neste sentido, pode afirmar-se que o Congresso de Utrecht marca o início de uma nova etapa na política europeia na medida em que um directório, formado pela Grã-Bretanha e pela França, avançou sozinho para a paz, impondo as condições acordadas aos restantes membros do congresso. Esta estratégia de factos consumados, verdadeiramente inovadora, seria rejeitada pela Áustria e pela Holanda mas, apesar de tudo, só foi possível assinar tratados bilaterais que fragilizariam os restantes aliados. Assim, em 1713, foi acordada a paz entre a Grã-Bretanha, a Prússia e o ducado de Sabóia com a França para, nos meses de Junho e Julho, ser celebrado um tratado entre a Espanha e a Inglaterra através do qual esta receberia Minorca e Gibraltar, bem como excepcionais privilégios comerciais nas colónias espanholas. A paz com os holandeses seria concluída em Junho de 1714 e, com os portugueses, em Fevereiro de 1715 (tratados de Utrecht e Rastatt, Baden e Amberes). Filipe II foi reconhecido rei de Espanha depois de ter renunciado ao trono de França e a todos os domínios europeus da monarquia espanhola.

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Da Europa dos grandes para a Europa dos fortes

A política externa na Europa, a partir da Guerra de Sucessão de Espanha, marca a passagem do modelo pelo controlo das reproduções dinásticas para o modelo político fundado no domínio económico e comercial.

O problema posto pela não existência de herdeiro à Coroa de Espanha, na transição do século XVII para o século XVIII, constituiu, assim, o epílogo da luta entre as duas maiores Casas – a dos Bourbons e a dos Habsburgos – pelo controlo da Europa. Os Habsburgos do centro da Europa estavam ligados aos Áustrias de Espanha pelo casamento de Leopoldo I com a irmã de Carlos II. O filho do casal, José Fernando, príncipe da Baviera, era naturalmente o primeiro pretendente ao trono de Espanha, seguido do filho segundo do casamento entre Leopoldo I e Leonor de Neuburgo (irmã da segunda esposa de Carlos II), o arquiduque Carlos. Por sua vez, na Casa dos Bourbons, Luís XIV estava casado com a filha de Filipe IV, pai de Carlos II, que, por contrato de casamento, tinha renunciado ao trono de Espanha. Mas o não cumprimento do dote de casamento proporcionaria a Luís XIV invocar o anulamento desta cláusula para que o seu neto, Filipe de Anjou, fosse, igualmente, pretendente ao trono espanhol.

A Europa tinha dependido do equilíbrio de poderes entre estas duas Grandes Casas às quais se associavam outras, de menor proeminência. Se o século XVII foi marcado pela Casa dos Bourbons, o século XVI foi dominado pelos Habsburgos. Mas com a Guerra de Sucessão de Espanha, tanto borbónicos como austracistas perderiam, de facto, o controlo da Europa. Enquanto o ramo espanhol dos Habsburgos se extinguiria, os Habsburgos alemães ficariam confinados ao governo da Áustria e da Alemanha, por pouco tempo, e a Casa dos Bourbons passaria a governar a França e a Espanha, mas com entronização separada.

A partir de Utrecht, a estratégia seguida pela Grã-Bretanha e pela Holanda, secundada por alianças de oportunidade, desequilibrava, assim, os poderes europeus vigentes desde os finais do século XV. Para a Holanda, o acesso da França aos Países Baixos espanhóis poderia repor a situação vivida no tempo de Filipe II. À Inglaterra interessava uma fragmentação dos poderes que lhe permitisse um melhor acesso aos mercados europeus e coloniais, como foi o caso da Espanha que perderia, de facto, o fabuloso domínio que usufruía sobre o território europeu (Países Baixos, Ducado de Milão, Reino de Nápoles, Sicília e Sardenha).

 

Nós e a Europa dos outros

Depois da Guerra da Restauração, um dos objectivos da política externa portuguesa foi promover a Casa de Bragança nos círculos políticos europeus e aprofundar as relações diplomáticas que pudessem consolidar a independência. Por isso, até ao ano de 1668 (celebração da paz com a Espanha), foram mantidas relações diplomáticas privilegiadas com a França, a Inglaterra, a Santa Sé e a Holanda, justamente as instâncias de referência na Europa que garantiam a protecção contra uma nova anexação pela monarquia hispânica e a preservação dos territórios coloniais que interessavam, sobretudo, a estas potências económicas emergentes. É nesta linha de alianças que se pode perceber o casamento da irmã de D. Pedro II, Catarina de Bragança, com Carlos II, da dinastia dos Stuart, e as negociações do casamento do próprio monarca com Maria Sofia de Neuburgo.

Mas, tal como em Espanha, as elites portuguesas dividiram-se quanto à escolha das melhores alianças para atingir os objectivos acima propostos, embora as razões que separavam os portugueses não fossem as mesmas que dividiam os espanhóis.

O partido francês foi liderado pelo duque do Cadaval, poderoso membro do Conselho de Estado, enquanto o partido inglês contava com o conde de Castelo Melhor e D. Luís da Cunha, prestigiado embaixador português nas cortes europeias. Estes últimos defendiam a aliança com a Inglaterra porque o que estava em causa era, essencialmente, o poder sobre as rotas marítimas. Um terceiro partido, liderado pelo marquês do Alegrete, defenderia a neutralidade de Portugal até às vésperas da assinatura do tratado com a Inglaterra (27 de Dezembro de 1703) e já depois do alinhamento ao lado da França (18 de Junho de 1701).

Mas a adesão de Portugal à Grande Aliança esteve, também, ligada ao receio de a França estender a sua influência à Espanha e, de alguma forma, foi cimentada com o casamento entre o monarca inglês e a infanta portuguesa (23 de Junho de 1661). Nestes acordos, o papel mais importante seria desempenhado pelo embaixador inglês John Methuen, autor do famoso tratado conhecido pelo seu nome e que tem dividido os historiadores portugueses na análise dos seus dividendos. Portugal garantia o cancelamento da dívida à Inglaterra e aos Países Baixos, a posse da colónia do Sacramento e as praças de Badajoz, Alcântara, Valência, Tui e Vigo.

A entrada de Portugal na Grande Aliança teve lugar a 16 de Maio de 1703 (2), aventando-se, na altura, a hipótese de o arquiduque Carlos vir a casar com a infanta Maria Teresa, filha de D. Pedro II, o que não veio a acontecer por, entretanto, a infanta ter falecido (1703). Nas cláusulas da adesão previa-se o desembarque do arquiduque em Lisboa, o que veio a suceder (1704), para comandar, com o monarca português, um exército para invadir a Espanha.

A regência de D. Catarina de Bragança, devida à ausência do rei (7 de Maio de 1704), viria, contudo, a reacender o conflito político sobre o envolvimento de Portugal na guerra. Partidária da facção inglesa, teve que enfrentar a forte oposição dos partidários franceses, levando-a, inclusive, a renunciar à regência devido ao aumento da influência do grupo francófono onde pontificava, agora, o marquês do Alegrete, o marquês de Marialva e o conde de Viana.

D. Pedro faleceria em 9 de Dezembro de 1706, altura em que o desfecho da guerra não estava ainda clarificado, mas para o qual as elites nobiliárquicas portuguesas pareciam cobrir qualquer cenário possível. O novo reinado não trouxe alterações à política seguida, tanto mais que o principal secretário de Estado, Diogo de Mendonça Corte Real, era um partidário convicto da Grande Aliança. E D. João V nomearia, para as negociações de Utrecht, como embaixadores plenipotenciários, o conde de Tarouca e D. Luís da Cunha, que procuraram garantir os limites da soberania portuguesa no Norte do Brasil, em ambas as margens do Amazonas com a fronteira da Guiana francesa (1713) e, a Sul, a posse da colónia do Sacramento (1715). Os ganhos de Portugal limitaram-se, assim, às fronteiras do Brasil e ao tráfico mercantil, evitando os ataques dos holandeses e ingleses.

 

Gibraltar — um símbolo da nova ordem europeia

Em 14 de Agosto de 1704, a Inglaterra apoderar-se-ia de Gibraltar, ponto estratégico para ataques à Península Ibérica e para o controlo do mar Mediterrânico, mas a conquista tinha sido realizada por ingleses e holandeses, em nome do arquiduque Carlos, tomando parte o último governador da Catalunha, no tempo de Carlos II, Jorge de Darmstadt, um defensor ao trono de Espanha do arquiduque. Contudo, o almirante inglês que integrava a frota assumiu a conquista em nome da rainha Ana de Inglaterra e depressa substituiu a bandeira dos Áustrias pela inglesa. Mais tarde, nos tratados de Utrecht, Filipe V cederia a praça aos ingleses para estes não apoiarem a Catalunha contra as pretensões bourbónicas de controlo da província, ou seja, mais uma vez a alternativa austracista estava dependente dos interesses ingleses.

A Espanha tem procurado recuperar Gibraltar, tanto pela via militar como política, mas não o tem conseguido, enquanto a Inglaterra ampliou os seus direitos, desde a conquista, com a construção (1908) de uma linha de separação a 850 metros dos limites fixados no tratado de Utrecht, aumentando os limites jurisdicionais até à ponta de Mala. A construção do aeroporto, projectado entre 1938-1941, culminaria a política de ocupação inglesa do estreito, consolidando a posição geoestratégica obtida desde os tratados de Utrecht.

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1 - Bély, Lucien – Les relations internacionales en Europe, XVII e -XVIII e siècles . Paris: PUF, 1992, p. 433-434.

2 - D. Pedro II só justificaria a nova posição de Portugal na guerra em 9 de Março de 1704, isto é, dez meses depois, numa altura em que a França começava a sofrer alguns desaires militares.

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* José Subtil

Doutor em História Política e Institucional Moderna e Agregado no Grupo de História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Professor Coordenador com Agregação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo onde faz parte do Conselho Geral como membro eleito. Professor Associado com Agregação convidado da UAL.

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Referências bibliográficas

ENCISO RECIO, Luís Miguel – Los Borbones en el Siglo XVIII (1700-1808). Madrid: Editorial Gredos, 1991.

ARTOLA, Miguel (direcção) – Enciclopédia de Historia de España. Madrid: Alianza Editorial, 1991 (5 volumes).

BÉLY , Lucien – Les relations internacionales en Europe, XVII e -XVIII e siècles. Paris: PUF, 1992, pp.433-434.

LOURENÇO , Maria Paula Marçal – D. Pedro II. Lisboa: Círculo de Leitores, 2007.

DOMÍNGUEZ ORTIZ, António – El Antiguo Régimen: Los Reyes Católicos y los Austrias. In Historia de España (direcção de Miguel Artola). Madrid: Alianza Editorial, 1988.

DOMÍNGUEZ ORTIZ, António – Historia Universal, Edad Moderna. Barcelona: Planeta, 1989.

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