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- JANUS 2008 -



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Economia informal e processos de organização

Carlos M. Lopes *

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Durante os anos 70 e 80 do século XX, a ideia dominante era a de que as actividades informais eram um fenómeno transitório e que o progresso técnico acabaria por permitir ao sector formal absorver os trabalhadores informais. No entanto, a crescente informalização e flexibilização do trabalho e dos trabalhadores, à medida que o processo de globalização se tem acelerado, sugere outras perspectivas: ao contrário do que inicialmente se admitia, a dimensão da economia informal tem crescido, quer nos diferentes sectores de actividade quer em países de níveis de desenvolvimento diferenciados, e o fenómeno não se apresenta nem residual nem temporário.

 

A dimensão da economia informal

A quantificação da extensão da economia informal, quer em termos do número de pessoas envolvidas nas actividades informais quer no que respeita ao seu output económico, é uma tarefa complexa e imprecisa. Várias situações contribuem para tal: não existem registos nem estatísticas em alguns tipos de actividades, os critérios de pertença e de classificação dos operadores informais são muito diversos e não conseguem captar todas as nuances que se manifestam, os métodos de cálculo são diferenciados, a comparação internacional perde eficácia, uma vez que são diferentes os critérios de informalidade adoptados por diferentes países (1). Apesar disso, têm existido alguns esforços no sentido de ter uma ideia aproximada sobre a sua extensão. Um estudo publicado pela OIT (Charmes, J., 2000) (2) refere que 40% do emprego urbano na América Latina e Caraíbas é emprego informal, relação que sobe para 61% em África e que se situa entre os 40% e os 60% na Ásia. Schneider, F. (2005) (3) apresenta uma estimativa da dimensão da economia não oficial em 145 países de diferentes regiões, no período entre 1999 e 2003, a qual permite sustentar a evidência de que o fenómeno é cada vez mais transversal, quer em relação às áreas geográficas quer em relação aos diferentes estádios de desenvolvimento. A relação percentual economia informal/PIB oficial, em 2002/2003, variou entre os 8,4% dos EUA e os 68, 3% da Bolívia. Nos dez países onde a relação economia informal/PIB oficial apresentou os valores mais elevados, sendo superior a 54%, encontramos 3 países em transição do Leste Europeu (Geórgia, Arzebeijão e Ucrânia), 4 países da América Central e do Sul (Bolívia, Haiti, Panamá e Peru) e 3 países africanos (Zimbabué, Tanzânia e Nigéria). Nos dez países onde a relação economia informal/PIB oficial era menor, sendo inferior a 14,5%, encontramos 5 países europeus da OCDE (Suiça, Áustria, Reino Unido, Holanda e França), 3 países da OCDE não europeus (EUA, Nova Zelândia e Austrália) e 2 países asiáticos (Japão e Singapura). O valor estimado para Portugal situou-se nos 21,9%. Em 2002/03, o valor médio obtido para os 145 países analisados situava-se nos 35,2%. Em termos de distribuição regional, e com um valor médio superior à média global, encontravam-se a África com 43,2% (para 37 países observados), a América Central e do Sul com 43,4% (para 21 países observados) e os Países em Transição, da Europa Central e do Leste com 40,1% (para 25 países observados). Abaixo da média global, encontravam-se os países da OCDE, com 16,3% (em 21 países observados), a Ásia com 30,4% (para 28 países observados), as Ilhas do Pacífico com 33,4% (em 10 países observados) e os países comunistas, com 22,3% (em 3 países observados). Registe-se ainda que, por comparação com 2001/02, os valores apurados para 2002/03 foram superiores nas diferentes regiões consideradas, com excepção da OCDE onde se registou um ligeiro decréscimo.

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O debate sobre a economia informal

O debate em torno da economia informal, em curso há quase quatro décadas, tem-se concentrado essencialmente na conceptualização e definição do fenómeno, na delimitação dos respectivos critérios de pertença, na análise do seu processo evolutivo e, em particular, das causas do seu crescimento nas mais diversas latitudes. A sua evolução não tem deixado de reflectir as profundas transformações na realidade mais complexa em que o fenómeno da informalidade se insere e, simultaneamente, as também significativas transformações na própria natureza, características e extensão do objecto que o referido debate tem procurado conhecer e explicar. Na segunda metade dos anos 90 do século XXI gerou-se um novo élan nos termos do debate, que se passou a centrar na reavaliação do próprio conceito e na sua consideração em articulação com o conceito de trabalho decente, no quadro de um novo consenso sobre a protecção social. A partir de 1999, a problemática do trabalho decente passou a integrar a agenda da OIT, que se assumiu como ponto focal do debate, tendo em 2001 sido estabelecidos os contornos de um Novo Consenso sobre a Segurança Social, estruturado, entre outras, sobre as ideias de que a segurança social deveria ser assumida como um direito universal, independentemente dos diferentes sistemas laborais existentes, e que a extensão da cobertura da protecção social aos trabalhadores não protegidos deveria ser um objectivo central. A 90ª Conferência da OIT (2002) centrou a sua atenção na economia informal no contexto do défice de trabalho decente. No Relatório sobre o Trabalho Decente e Economia Informal, apresentado na Conferência Geral da OIT (90ª sessão, 2002:25), o conceito de economia informal contempla todas as actividades económicas de trabalhadores e unidades económicas que não estão cobertas – pela legislação ou pela prática – pelas disposições oficiais que as enquadram, regulamentam e disciplinam; estão excluídas do seu campo as actividades ilícitas, delituosas e criminosas (tráfico de armas e droga, contrabando, etc.). O conceito passou a abranger uma dupla dimensão, empresarial e laboral, e focaliza a economia informal na perspectiva das características do posto de trabalho, metodologia que permite identificar diferentes segmentos que a constituem: trabalhadores não assalariados, onde se incluem os empregadores (quer se trate dos proprietários das empresas informais quer dos proprietários-operadores das empresas informais) e os trabalhadores em situação de auto-emprego (para além dos trabalhadores por conta própria, esta categoria integra os chefes de negócios familiares e os familiares que prestam trabalho não remunerado); trabalhadores assalariados de diferentes proveniências (empregados das empresas informais, trabalhadores domésticos, trabalhadores casuais sem emprego fixo, trabalhadores temporários e em part-time , trabalhadores que exercem actividade na própria residência e trabalhadores não registados das empresas formais). O défice de trabalho decente na economia informal, segundo o Relatório sobre o Trabalho Decente e Economia Informal, concentra-se em quatro áreas específicas: Emprego , em particular a ausência de emprego formal que impele os trabalhadores informais para actividades menos remuneradoras e menos produtivas, inúmeras vezes realizadas por conta própria; Direitos , já que a economia informal é o mercado de trabalho onde se regista o maior défice em termos de liberdade de associação, de poder de negociação, de trabalho forçado e de discriminação no trabalho, como consequência da quase total falta de aplicação da legislação e regulamentação laboral; Representação , porque se constata a inexistência ou a fragilidade organizativa das instituições de representação dos trabalhadores informais, o que determina a sua exclusão ou sub-representação no diálogo social com as instituições formais e com os decisores; Protecção social , uma vez que os trabalhadores informais se confrontam, quotidianamente, com múltiplos riscos em relação aos quais não dispõem de mecanismos de protecção, com a agravante de, muitas vezes, não se encontrarem também contemplados pelos benefícios da protecção social pública. Comparativamente aos trabalhadores que exercem a sua actividade na economia formal, os trabalhadores informais operam maioritariamente em condições deficientes em termos de higiene e segurança, no quadro de contratos de trabalho verbais, com padrões de ocupação irregulares, rendimentos incertos, jornadas de trabalho longas e de duração não fixada e com níveis muito reduzidos – ou até mesmo ausentes – de quaisquer mecanismos de protecção social, formal ou informal, face a situações de doença, acidentes de trabalho ou a outras circunstâncias de risco, o que afecta a sua capacidade de obter rendimentos (perda ou redução). Sujeitos quotidianamente a um elevado grau de vulnerabilidade, os operadores informais constituem um universo maioritariamente constituído por mulheres, migrantes, minorias étnicas, jovens e crianças com fracos níveis de escolarização. Em paralelo com o debate, foram-se igualmente desenvolvendo, em diferentes regiões, iniciativas diversas no sentido de fortalecer a capacidade de organização e representação dos operadores da economia informal.

 

Processos de organização na economia informal

Parece consensual a ideia de que se têm vindo a gerar, com uma tendência crescente, diferentes tipos de iniciativas no sentido da organização e representação dos operadores da economia informal. A par dos processos desencadeados no campo do movimento sindical, outras iniciativas, com carácter associativo ou cooperativo, baseadas na actuação das ONGs ou nas parcerias e redes regionais ou internacionais têm vindo a ocorrer. A percepção de que os sindicatos poderiam constituir parceiros relevantes no processo de organização e de representação dos operadores informais começou a tomar forma no projecto “Sindicatos e sector informal”, um projecto promovido entre 1998 e 2001 pelo ACTRAV-BIT (4) e pela Danida (5), orientado para o fortalecimento da capacidade institucional dos sindicatos do Burkina Faso, do Mali, do Níger e do Senegal e para a extensão da sua actividade a segmentos específicos da economia informal. O balanço desta experiência piloto revelou alguns sucessos no plano da aproximação aos objectivos estabelecidos, nomeadamente no reforço das capacidades e competências das organizações sindicais existentes, no impulso à criação de novas organizações focalizadas na defesa dos direitos dos operadores informais e numa crescente consciencialização dos operadores informais. Por outro lado, sublinhou os limites e constrangimentos que o processo de organização dos operadores da economia informal enfrenta, particularmente a insuficiência de meios materiais e humanos de que dispõem as novas estruturas sindicais constituídas para representar os interesses dos activos informais (6). A literatura consultada enfatiza as duas opções em que se tem corporizado a extensão do movimento sindical à economia informal: a primeira tem estado associada à extensão, por parte dos sindicatos formais, do seu campo tradicional de actuação, no sentido de incluírem trabalhadores da economia informal, como por exemplo a Textile, Clothing and Footwear Union of Australia (TCFUA); a segunda tem estado associada à criação de novas organizações sindicais, especificamente constituídas para organizar os operadores da economia informal, como sucede com a Self Employed Women's Association (SEWA) na Índia. Este processo de organização dos operadores informais através do movimento sindical tem ocorrido em diferentes regiões do planeta (7), nomeadamente em África (África do Sul, Gana, Zâmbia, entre outros), na América Latina (Argentina, Brasil, Colômbia, por exemplo) e na Ásia (Índia). Finalmente, a literatura sobre o tema coincide no sublinhar da inexistência de soluções universais e na virtualidade resultante das sinergias que é possível potenciar a partir das alianças e combinações entre diferentes estratégias e modelos institucionais de organização: parcerias entre sindicatos e associações (8), entre sindicatos e cooperativas (9), entre sindicatos e ONGs (10), ou através da constituição de redes regionais ou internacionais. (11)

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Informação Complementar

SEWA - Self Employed Women's Association

A SEWA é uma organização criada na Índia em 1972. Funciona simultaneamente como um sindicato, um movimento cooperativo e uma associação feminina com o objectivo de apoiar as mulheres da economia informal e de lhes fornecer diversos tipos de serviços, numa lógica de descentralização, de participação na sua administração e de co-participação nos custos por parte dos beneficiários: poupança e crédito, cuidados de saúde, cuidados infantis, seguros, habitação, serviços de comunicação, apoio jurídico, entre outros. Em 2002, a SEWA abrangia mais de 400.000 filiados em diferentes estados indianos. Actualmente, engloba cooperativas, federações, organizações de segurança social, grupos de poupança e crédito, associações de produtores rurais e de comerciantes informais, estando na origem da criação de organizações similares na África do Sul, Iémen e Turquia e fazendo parte de várias redes e parcerias internacionais. A intervenção da SEWA inclui: o Swashrayi Mahila Sewa Sahakari Bank , um banco cooperativo que financia a aquisição de habitação, a actividade das produtoras agrícolas, o aumento da escala dos negócios e que oferece esquemas de poupança para eventos especiais e esquemas de mitigação de situações de crise; um sistema de seguros , de base contributiva, financeiramente viável, construído em parceria com as companhias de seguros nacionais, para prevenir uma ampla gama de riscos a que está sujeita a população mais carenciada; um sistema de cuidados de saúde , posto em acção pelas próprias mulheres em coordenação com os centros de saúde primária, dispensários e hospitais públicos em áreas como a imunização, o planeamento familiar, o controlo da tuberculose, entre outros; um sistema de cuidados dirigidos à infância , concretizado através da criação de creches e de outras instituições de suporte à criança; um sistema de apoio jurídico e de educação para a legalidade , com intervenção em situações de arresto e confisco de bens de vendedores por parte das autoridades ou de trabalhadores afectados pelo não pagamento de salários por parte das entidades contratantes; a SEWA Academy, uma instituição de ensino focalizada na educação dos trabalhadores e na construção e reforço de competências e capacidades (endereço electrónico do sítio: http://www.sewa.org).

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1 - Uma análise detalhada sobre as limitações das estatísticas sobre a economia informal pode ser encontrada em STAT Working Paper n.º 1-2002, ILO compendium of official statistics on employment in the informal sector.

2 - CHARMES, J., 2000 – Informal Sector, Poverty and Gender: a review of empirical evidence. Paper commissioned for World Development Report 200/2001.

3 - SCHNEIDER, F., 2005 – Shadow economies around world: what do we really know. In Journal of Political Economy 23/1, pp. 598-642.

4 - Bureau des Activités pour les Travailleurs, Bureau International du Travail.

5 - Cooperação dinamarquesa.

6 - DELVAUX, Emile – Le défi de l' économie informelle, Education Ouvrière, 2002/2, n.º 127.

7 - “Colloque international sur l' organization des travailleurs du secteur non structuré”, BIT, Genève, 1999.

8 - CASTILLO, G. et alias – Education syndicale et travail informel en Amérique Latine, Education Ouvrière, 2002/2, n.º 127.

9 - LEVIN, Marl – Coopératives et syndicats – une action commune pour les travailleurs informels, Education Ouvrière, 2002/2, n.º 127.

10 - GALLIN, Dan – L'organization dans l' économie informelle”, Education Ouvrière, 2002/2, n.º 127.

11 - GALLIN, Dan – L'organization dans l' économie informelle”, Education Ouvrière, 2002/2, n.º 127.

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* Carlos M. Lopes

Economista. Docente do Mestrado de Estudos Africanos do ISCTE e da Licenciatura de Desenvolvimento Comunitário e Saúde Mental do ISPA. Investigador do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, desenvolvendo linhas de pesquisa focalizadas na economia informal e nas economias urbanas dos PALOP, nomeadamente de Angola e de Moçambique.

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Dados adicionais
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