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- JANUS 2008 -



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Mercados transicionais ou flexigurança?

José Almeida Silva *

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O tema da flexigurança vai estar em discussão nos próximos anos, com especial relevância na União Europeia, enquanto o problema do desemprego se encontrar a níveis consideráveis. Contudo, tão importante quanto este tema a mobilizar a atenção será o da falta de mão-de-obra disponível para trabalhar em certos sectores ou funções, seja pela sua sofisticação e elevada exigência de competências, seja pela dureza ou penibilidade, desmotivação dos trabalhadores, especialmente das camadas jovens, por serem trabalhos repetitivos ou desagradáveis e com pouca valorização social.

Estas questões não parecem estar devidamente valorizadas no nosso país, face ao impacto dos movimentos decorrentes da globalização, especialmente para as actividades económicas ligadas à nossa especialização produtiva tradicional, parecendo que estamos perante um mundo rígido e estático. Como tal não é verdade, as posições defensivas dos timoratos apenas ajudarão a ver agravados e a agravar os problemas.

A estratégia da flexigurança surgiu nos países nórdicos, especialmente de cultura anglo-saxónica e onde as Igrejas reformistas jogam um papel importante, dado que o conflito anteriormente referido é menos evidente face ao facto de o trabalho ser considerado com outra dimensão qualitativa, não sendo desvalorizadas socialmente as tarefas menos “intelectuais”. Antecipando estas questões, naqueles países ocorreram atempadamente transformações substanciais no modo como é encarado o trabalho e operaram-se profundas mudanças na forma de funcionamento das empresas.

De um modo muito simples pode-se considerar que enquanto em muitos países, nomeadamente nos países mediterrânicos, o “bom” e o “mau” trabalho se reparte entre camadas ou grupos sociais diferentes, nos países nórdicos, por exemplo, o “bom” e o “mau” trabalho é “distribuído” por cada pessoa, que realiza sem qualquer estigma as diferentes tarefas, nomeadamente algumas das que são deixadas entre nós para os grupos mais desfavorecidos ou para os imigrantes.

Provavelmente naqueles países as condições de vida ou climatéricas não permitem que exista um exército de mão-de-obra disponível e mais barata, que se ofereça em grande número para desempenhar essas tarefas menos prestigiadas, mais duras ou com horários mais inconvenientes, como fazer limpezas, servir às mesas dos cafés ou dos restaurantes, trabalhar nas obras públicas ou na construção civil, obrigando, em contrapartida, a que cada cidadão se responsabilize por essas tarefas ou aceite pagar a devida remuneração em termos relativos.

Recordo-me de visitar em tempos a fábrica de cerâmica de mesa e decorativa sobrevivente num país nórdico (Arábia, na Finlândia), que continuava a funcionar apostando na qualidade e no design , apesar de o fazer com um número muito mais reduzido de trabalhadores dos seus tempos áureos, praticando períodos de trabalho flexíveis e desfrutando também de uma flexibilidade funcional muito grande. Segundo os responsáveis na época, era a forma de contar com os trabalhadores nacionais para desempenharem aquelas funções, dado que a maioria se escusava a manter-se nas mesmas tarefas todo o tempo.

Igualmente são conhecidas as experiências da “produção reflexiva” na Volvo em Uddevalla, que contudo, não tiveram um êxito definitivo, mas que influenciaram os processos de “produção magra”, ou seja, com o mínimo de desperdício a todos os níveis, mas com elevados níveis de automatização.

 

A flexigurança é a melhor forma de garantir a segurança no trabalho?

Voltando ao tema caro à União Europeia, cito Vladimír Špidla, comissário europeu responsável pelo Emprego, os Assuntos Sociais e a Igualdade de Oportunidades, que defendeu em Junho de 2007 que a “ flexigurança constitui a melhor forma de garantir aos europeus um elevado grau de segurança profissional, de modo a que possam encontrar um emprego de qualidade em qualquer etapa da sua vida activa e de esperar uma progressão de carreira satisfatória numa envolvente económica em rápida evolução ”.

Quis ainda este responsável europeu acrescentar que a “ flexigurança proporciona um equilíbrio entre direitos e responsabilidades para trabalhadores e empresas, bem como para os poderes públicos: todos têm o dever de contribuir para o emprego, a sociedade e o crescimento sustentável. Com a flexigurança, não se trata de retirar segurança a um grupo para a dar a outro, mas sim de explorar a interacção positiva entre flexibilidade e segurança. É agora necessário que as partes interessadas trabalhem em conjunto para garantir benefícios para as economias, os trabalhadores e as empresas da Europa .”

Certamente que a maioria dos trabalhadores e as suas organizações, especialmente nos países mediterrânicos, com outra tradição cultural e religiosa ou de luta social, duvidam das boas intenções destas medidas, mostrando logo à partida a sua desconfiança por este tipo de experiência social.

Contu do, parece-me inevitável e até indispensável, perante a permanência ou mesmo agravamento das dificuldades com que as economias ocidentais (e não só) se debatem, bem como com as transformações profundas em curso, fruto da globalização dos mercados e das transformações tecnológicas e mesmo dos gostos e hábitos dos consumidores finais, encarar de frente estas tentativas de dar novas oportunidades à mão-de-obra que corre o risco de exclusão.

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Objectivos da flexigurança

Vejamos então o que se pretende com a flexigurança. Segundo os trabalhos desenvolvidos pela UE, nomeadamente por um grupo de especialistas especialmente convidados para o efeito (1), trata-se de desenvolver uma politica estratégica para melhorar, simultaneamente e no mesmo sentido, a flexibilidade e organização do mercado de trabalho e das relações laborais, por um lado, e a segurança no emprego e da própria segurança social, por outro lado.

Mas para estes especialistas esta estratégia engloba tanto a flexigurança interna como externa, ou seja, as transições ou ajustamentos dentro das empresas, como as transições de empregos entre empresas e entre emprego e auto-emprego.

Tudo isto exige uma melhoria da qualidade do trabalho com lideranças capazes, uma boa organização do trabalho, estruturas eficientes de informação e consulta e uma contínua melhoria das competências e da empregabilidade das pessoas, através da aprendizagem ao longo da vida, bem como de uma utilização forte das políticas activas no mercado de trabalho, incentivadas pela Estratégia de Lisboa.

Apesar de problemática esta nova visão das relações laborais e do modelo de vida, a UE recomenda (2) aos países membros alguns princípios de referência, para potenciar os seus efeitos, nomeadamente para:

• intensificar a aplicação da estratégia da UE para o crescimento e o emprego e reforçar o modelo social europeu;

• encontrar um equilíbrio entre direitos e responsabilidades;

• adaptar a flexigurança à diversidade de circunstâncias, necessidades e desafios dos Estados-membros;

• reduzir as disparidades entre os trabalhadores em situações contratuais atípicas e por vezes precárias e os que têm empregos permanentes a tempo inteiro;

• desenvolver a flexigurança interna e externa, ajudando os trabalhadores a progredir na carreira e no mercado de trabalho;

• fomentar a igualdade entre homens e mulheres e promover a igualdade de oportunidades para todos;

• elaborar propostas políticas equilibradas que promovam um clima de confiança entre os parceiros sociais, os poderes públicos e outros intervenientes;

• garantir uma distribuição equitativa dos custos e benefícios das políticas de flexigurança e contribuir para políticas orçamentais sólidas e financeiramente sustentáveis.

 

Mercados transicionais versus flexigurança

Muitos autores atribuem o aparecimento da noção da flexigurança ao primeiro-mi-nistro conservador, Anders Rasmussen, que pretendia dar aos empregadores uma grande flexibilidade para empregar e para despedir, com a contrapartida, de os desempregados beneficiarem de um alto nível de protecção e de enquadramentos que lhes permitissem voltar ao mercado do trabalho.

Mas já antes deste político dinamarquês, no início dos anos 90, Gunther Schmid na Alemanha havia lançado uma proposta dum novo conceito de mercados de trabalho transicionais, onde provavelmente os defensores da flexigurança foram beber alguns dos conceitos. Este especialista alemão propôs a criação de um mecanismo institucional que reunificasse as situações intermédias entre o trabalho, a formação e a inactividade, assim como de outras situações atípicas, como o trabalho parcial, as pré-reformas parciais com ocupação parcial em tempo de trabalho, etc.

Esta proposta de Schmid visava uma nova forma de regulação dos mercado de trabalho, com vista a racionalizar e dinamizar as políticas de emprego, conjugando a acção das empresas com os poderes locais.

Segundo esta óptica criavam-se pontes entre diversas formas de trabalho, mais ou menos monetarizadas, associando actividades desenvolvidas em organizações com fins lucrativos e outras com fins sociais (combinando financiamentos diversos, públicos ou não), harmonizando formas de trabalho remunerado e actividades socialmente úteis, com estatutos muito diferenciados e mesmo fiscalmente discriminados.

A análise das novas modalidades de emprego poderiam ser testadas à luz de uma tipologia desenvolvida por Schmid, a qual distingue cinco tipos de mercados transicionais:

• O mercado referente às transições entre o trabalho a tempo reduzido e o trabalho a tempo inteiro ou entre o trabalho e a formação contínua;

• O mercado referente às transições entre o desemprego e o emprego;

• O mercado referente às transições entre a formação inicial e o emprego;

• O mercado referente às transições entre o trabalho doméstico privado e o emprego;

• O mercado referente às transições entre o emprego e a reforma.

A proposta de Gunther Schmid infere, como objectivo a médio prazo, que uma “ organização mais racional das transições poderia favorecer um crescimento económico qualitativo ” fundado no incremento dos bens e serviços realmente úteis nos domínios como a saúde, a educação, as infra-estruturas públicas, a protecção da natureza e do ambiente.

Ao fim e ao cabo, integra-se na actividade normal dum ser humano “ toda a ocupação julgada socialmente desejável, do emprego assalariado às férias sabáticas, passando pela “descoberta da própria pessoa” (estágios, experiências profissionais e familiares diversificadas) e a gestão das sequências sucessivas da existência ”, com vista a formar um “ jogo combinado de actividades produtivas com fins lucrativos e transições socialmente validadas ” (3).

Uma visão mais pró-activa dos mercados transicionais, numa aposta nas políticas activas do emprego, em desfavor das políticas passivas de emprego que visam fomentar os reformas antecipadas, a simples redução do tempo de trabalho dos activos, a concessão de subsídios de desemprego ou a criação de seguros de desemprego, etc. Estas políticas passivas criam a ilusão de beneficiar directamente o trabalhador atingido e contentam muitas vezes as suas organizações, quando têm um efeito muito nocivo à sociedade em geral.

Em síntese, trata-se de criar formas para combater um flagelo social com medidas e políticas de responsabilidade social individual e empresarial, que valorizem o exercício da cidadania e o diálogo social.

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Informação Complementar

A "realidade social europeia" (1) no EuroBarómetro

Em abono da tese favorável à flexigurança e reforçando a perspectiva que nos move, vamos analisar alguns dos resultados constantes no estudo europeu recente sobre a “Realidade Social Europeia” (2), feita para o EuroBarómetro:

• Os dinamarqueses são o povo em geral mais feliz da Europa dos 27 com uma taça de concordância de 97%, seguidos pelos holandeses, belgas, irlandeses, suecos, luxemburgueses e finlandeses com taxas próximas. Também é nos países nórdicos, bem como no Luxemburgo, que se registam as maiores taxas de satisfação com o trabalho, situando-se a valorização entre 3,93 e 3,89 (numa escala entre um e cinco) enquanto nos países mediterrânicos, bem como nalguns do Leste Europeu (recentemente integrados na União Europeia) são as menores (entre 3,32 e 3,53), estando Portugal e Espanha próximos, com valores respectivamente de 3,45 e 3,47.

• Comparando os mesmos valores com os dados médios europeus por profissão, podemos constatar que o nível de apreciação dos quadros directores tem uma apreciação de quatro (em cinco), estando os operários europeus com o valor 3,42 (em cinco também), muito próximo da média de Portugal e Espanha do conjunto de todos os trabalhadores.

• A pergunta constante do mesmo estudo se o “trabalho realizado implica continuar a aprender novas coisas”, nos países nórdicos (Finlândia e Dinamarca e Suécia, juntamente com a França e a Holanda), mais de 80% dos inquiridos estão de acordo, baixando esse valor drasticamente em Portugal, Espanha e Grécia, além de países do Leste Europeu para os 63% ou menos.

• Igualmente a uma afirmação se o seu trabalho é muito exigente e muito stressante, os inquiridos de Portugal, Grécia, Malta, Chipre e Lituânia consideram-no assim com uma taxa superior a 55%, enquanto os respondentes da Holanda, Finlândia e Bélgica, baixam esta apreciação para os 24 a 33%. Surpreendente (ou talvez não!), a Suécia nesta tema tem um resultado muito próximo do português, o que pode significar que o grau de exigência do trabalhador sueco, mesmo com condições de trabalho fortemente mais agradáveis, não se conforma com elas.

• Outro resultado interessante deste estudo refere-se à avaliação do grau de confiança na capacidade dos inquiridos em manter o emprego nos próximos meses, mostrando que é nos países da flexigurança que essa confiança é maior, na ordem dos 94% na Dinamarca, 92% na Irlanda, no Luxemburgo e na Suécia e 91% na Bélgica, enquanto em Portugal e França esses valores baixam para os 84 e 82% respectivamente, e ainda com menores graus de confiança na Polónia, Lituânia, Hungria e Eslováquia.

• Outro dado a destacar neste estudo refere-se à avaliação da probabilidade de encontrar um novo trabalho implicando as mesmas competências e experiência, apresentando também a Dinamarca um grau de 7,7 em dez, seguido da Irlanda com 7,5, bem como um pouco mais abaixo a Suécia e a Finlândia com 6,9, enquanto Portugal e Grécia estão num dos últimos lugares com 5,3, bem como a Itália com 5,4. O pior neste índice é estranhamente a Alemanha com 4,8, quando simultaneamente 86% consideram forte a possibilidade de manterem o mesmo emprego.

1 - Estudo realizado no terreno entre Novembro e Dezembro de 2006 e divulgado em Fevereiro de 2007.

2 - Idem.

Fonte: EuroBarómetro, União Europeia.

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1 - “Flexicurity Pathways – Turning huldles into stepping stones”, Report by the European Expert Group on Flexicurity, Junho de 2007.

2 - Documento UE IP/07/919 de 27 de Junho de 2007.

3 - Idem (pg. 350).

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* José Almeida Silva

Mestre em Economia e Gestão de Ciência e Tecnologia e Doutor em Economia pelo ISEG/UTL.

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