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- JANUS 2008 -



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A nova confederação sindical internacional

Hermes Costa *

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Em Viena de Áustria, de 1 a 3 de Novembro de 2006, nasceu a Confederação Sindical Internacional (CSI). Trata-se da maior organização sindical internacional, composta por quase 168 milhões de trabalhadores e 305 organizações filiadas provenientes de 153 países e territórios (ITUC, 2007a). Na linha de outras organizações nacionais e internacionais que a precederam, a “Nova Internacional Operária” afirma-se como defensora de condições de trabalho dignas, direitos sociais, igualdade de oportunidades ou, tão simplesmente, paz, liberdade e democracia. O propósito legítimo da sua actuação passa por tentar suster o desmesurado avanço da globalização económica.

 

Romper com o passado ou perpetuá-lo?

Embora a constituição da CSI tenha implicado uma dissolução prévia das principais organizações que viriam a fundá-la – a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL) e a Confederação Mundial do Trabalho (CMT) –, criando, assim, condições para a edificação de um projecto novo, de raiz, há quem defenda que se tratou, na verdade, de uma fusão. Para Peter Waterman (2006: 20), a CSI representa a continuidade com um passado internacionalista de tradição social-reformista conduzido pela CISL e CMT. Por um lado, a CISL (que agrupou durante décadas a maior parte dos sindicatos não alinhados com o Bloco de Leste) rivalizou historicamente com a Federação Sindical Mundial (FSM, cuja consolidação se fizera em torno da defesa das realizações económicas e sociais dos países socialistas), contrapondo a esta formas de sindicalismo reformista de tipo socialista, social-democrata, trabalhista ou mesmo corporativo (associadas ao departamento de Estado norte-americano). Por outro lado, a CMT, descendente da Federação Internacional dos Sindicatos Cristãos, consagrou-se pela sua orientação católica e foi produto de um projecto de democracia cristã originado a partir da Europa Ocidental.

Mas quer se trate de um projecto novo ou de um apelo déjà vu do sindicalismo internacional, não será desajustado falar de uma junção de esforços em resultado de um propósito amplo partilhado: a mobilização de uma solidariedade internacional para com todos/as os/as trabalhadores/as, independentemente do local onde trabalhem e das condições em que o façam (ITUC, 2007b: 5). Mas para a concretização de um projecto sindical renovado, capaz de promover uma ruptura com o passado, é importante que a priori a CSI se consiga distanciar de alguns dos vícios que perpassaram historicamente as principais estruturas sindicais internacionais. Por exemplo, se a Primeira Internacional (1864) foi atravessada por enormes divergências internas entre marxistas, proudhonistas e bakuninistas, na Segunda Internacional (1889) imperou o fervor colectivo e na Terceira Internacional (1919) o dogma partidário. Na segunda metade do século XX, também as principais confederações sindicais mundiais (CISL, CMT e FSM) promoveram o distanciamento entre lideranças e bases sindicais, ficaram demasiado amarradas aos princípios de um sindicalismo do “Norte”, inspiraram-se em estratégias e ideologias europeias e norte-americanas vindas do século XIX e da primeira metade do século XX (social-democracia, comunismo, sindicalismo de negócios e cristianismo social), reforçaram discursos e práticas sindicais do “centro” (brancos, anglo-saxónicos e homens), privilegiaram o debate entre as elites sindicais em vez do debate amplo com o grosso do movimento sindical, etc. Assim, a grande expectativa que se deposita com o nascimento da CSI reside na superação desse conjunto de vícios históricos inerentes ao próprio movimento sindical.

 

Os objectivos da CSI

Tal como estão consagrados estatutariamente (ITUC, 2007b: 6-8), os objectivos gerais da CSI passam por: i) defender e promover os interesses e direitos de toda a classe trabalhadora, sem distinção, de modo a obter uma compensação justa pelo seu trabalho em condições de dignidade, justiça e segurança (ex: combate ao trabalho infantil, ao trabalho forçado e a todas as formas de discriminação no trabalho baseadas no sexo, religião, cor, nacionalidade, orientação sexual, opinião política, etc.); ii) promover o crescimento e o reforço do sindicalismo independente e democrático (ex: reforço do recrutamento sindical não só no sector formal, mas também no sector informal da economia, etc.); iii) contrabalançar o peso da economia global, comprometendo-se com: uma distribuição justa da riqueza dentro e entre países, a protecção ambiental, o acesso universal a bens e serviços públicos, uma protecção social completa, uma aprendizagem ao longo da vida e oportunidades de trabalho decente para todos/as (ex: reforçar o papel da OIT, no estabelecimento e aplicação de padrões internacionais de trabalho; coordenar as actividades sindicais no seio das multinacionais, etc.); iv) tornar o movimento sindical mais inclusivo, capaz de responder aos pontos de vista e às necessidades de todos os sectores de uma mão-de-obra global (ex: defesa dos direitos da mulher e igualdade de género; combate ao racismo e xenofobia, defendendo os direitos dos trabalhadores migrantes; integração de jovens no movimento sindical, etc.); v) mobilizar a força, a energia, os recursos, o compromisso e o talento das suas organizações filiadas na consecução dos objectivos anteriores, de molde a converter o internacionalismo sindical numa prática quotidiana (ex: multiplicar campanhas e acções de solidariedade global; sensibilizar outras associações da sociedade para os objectivos da CSI, etc.).

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Os desafios da CSI

O sucesso da CSI vai depender do modo como esta conseguir reforçar o projecto de contrapoder laboral global a caminho do “efectivo internacionalismo” que apregoa. A fim de garantir uma coesa unidade transnacional entre trabalhadores, a CSI não deve descurar os seguintes desafios:

Em primeiro lugar, o desafio da organização , que, por sinal, se encontra previsto no Programa da CSI (ainda que, curiosamente, não apareça à cabeça) é talvez o que melhor se encontra vertido nos objectivos da CSI. Para Kuczkiewicz e Hammerton (2006: 19), o maior desafio da CSI prende-se com a utilização dos mecanismos da OIT. Uma vez que tanto a CISL como a CMT se haviam empenhado nos últimos anos numa melhoria quantitativa e qualitativa dos comentários submetidos pelas organizações sindicais ao Comité de Peritos da OIT sobre a aplicação das convenções e recomendações da OIT por parte dos Estados que as ratificaram, a CSI deve dar continuidade a esse trabalho. Mas neste desafio organizacional deve ainda incluir-se: a) o reforço do número de aderentes ao “projecto CSI”; b) a promoção de uma articulação entre escalas de luta sindical, de modo a que não só se divulguem local e nacionalmente as lutas transnacionais, como também se divulguem transnacionalmente as lutas sindicais nacionais e locais; c) uma pressão sobre as multinacionais de modo a ver celebrados acordos-quadro globais com as Federações Sindicais Globais, destinados à aplicação de padrões de trabalho aceitáveis; d) uma atenção de facto à massa mundial de “desorganizados” que preenchem as modalidades mais dispersas do sector informal.

Em segundo lugar, o desafio da democratização é, pelo menos em teoria, o que mais terá justificado a constituição da CSI e o que mais instigará a uma (auto)vigilância das suas práticas futuras. Justifica, pois, também uma maior problematização. A meu ver, este desafio produz implicações sobre a hierarquia e sobre a ideologia sindicais. Sobre a hierarquia, desde logo, porque compromete não só a CSI mas cada organização nela filiada a fazer o seu próprio “trabalho de casa”, i. e., a descentralizar a discussão dos temas internacionais pela hierarquia organizacional, junto das bases, dos activistas, dos delegados nas empresas e não apenas em diplomacias de gabinete.

Sobre a ideologia, por sua vez, as responsabilidades políticas da CSI aumentam. Por um lado, porque a CSI surgiu para aprofundar o diálogo entre o “Norte” e o “Sul” sindicais, na linha do que a CISL se propusera (com pouco sucesso) realizar. Com efeito, no caso da CISL, apesar de quase metade dos seus filiados ao longo da década passada ser proveniente dos países em desenvolvimento, acabaram por ser essencialmente os representantes do Norte a ocuparem os lugares de liderança nas suas estruturas directivas. Tem por isso razão Kjeld Jakobsen (2005: 66) quando afirma que uma central sindical jamais será mundial se apenas for dirigida por homens brancos dos países industrializados. A composição do Conselho Geral da CSI parece confirmar, no entanto, uma distribuição assimétrica de lugares entre o Norte e o Sul.

Por outro lado, se a CSI veio para unir e não para dividir, é imperativo que rompa com a unipolaridade ideológica que, após a queda do Bloco de Leste, se acentuou em redor daquela que viria a ser a principal organização sindical internacional e, por sinal, a principal fundadora da CSI, a CISL. Dar sinais claros de abertura ideológica é um meio de captar mais actores nacionais de referência para a CSI. E aqui vale a pena questionarmo-nos sobre o que sucederá com as organizações de tradicional orientação comunista (mais identificadas com a FSM) que não dispõem de filiação sindical internacional, embora estejam filiadas na maior estrutura sindical europeia – a Confederação Europeia de Sindicatos (CES) – como é o caso da CGTP. Afinal, a proximidade ideológica desta central sindical com a FSM sempre a distanciou da CISL. Para a maioria dos responsáveis da CGTP a CSI ainda funcionará mesmo como uma espécie de reencarnação do sindicalismo “pró-imperialista” da CISL. Assim, no que ao sindicalismo português diz respeito, a CSI não produziu grandes alterações, antes confirmando uma postura dual perante os desafios transnacionais (Costa, 2006). Como tal, também não surpreendeu a imediata integração da UGT na CSI, com a eleição de João Proença para o Conselho Geral da CSI (órgão de direcção entre congressos).

Em terceiro lugar, o desafio da repolitização equaciona a possibilidade de construção de alianças com organizações da sociedade civil que, tal como os sindicatos, combatam a globalização. No Programa da CSI (ITUC, 2006) essa abertura à sociedade civil não é esquecida (cf. pontos 27 e 54), ainda que pareça algo temerária, como de resto se atesta no facto de o compromisso final com um “novo internacionalismo sindical” visar sobretudo beneficiar toda a classe trabalhadora. Este esforço de construção de alianças sociais globais obriga, com efeito, a uma nova “arte de governar” do sindicalismo, i. e., a um repensar dos seus objectivos e orientações centrados exclusivamente no papel e nas funções do sindicato. Assim como é desejável que o movimento sindical transnacional se organize e democratize “para dentro” (como de certo modo sugerem os dois primeiros desafios), o desafio da repolitização reclama igualmente uma urgente (re)orientação da acção colectiva “para fora” do movimento sindical. O sucesso do combate ao projecto de integração regional hemisférica nas Américas (a Área de Livre Comércio das Américas), que reuniu organizações sindicais, movimentos sociais e ONGs, constitui, a este respeito, uma referência útil que também a CSI deverá ter presente nas suas iniciativas quotidianas.

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Informação Complementar

Estretágias e estruturas da Confederação Sindical Internacional

A estratégia política da CSI assenta resumidamente nos seguintes pontos:

1) Mudar a globalização; 2) Proceder a uma outra regulação das empresas multinacionais; 3) Defender e promover os direitos sindicais; 4) Combater a discriminação, rumo à igualdade; 5) Pôr fim ao trabalho infantil; 6) Assegurar um futuro decente para os jovens trabalhadores; 7) Defender locais de trabalho saudáveis e seguros; 8) Ter a OIT como ponto de referência global; 9) Lutar pela paz, segurança e reforço do papel das Nações Unidas; 10) Organizar campanhas de sindicalização; 11) Concretizar um novo internacionalismo para a classe trabalhadora.

Em reforço das suas estratégias, a CSI coordena várias campanhas em favor dos direitos laborais. Em Outubro de 2007 era conferido um destaque especial a duas delas:

• “Trabalho decente para uma vida decente”. Campanha conjunta com o Global Progressive Forum (http://www.globalprogressiveforum.org), a Social Alert (http://www.socialalert.org/k/) e a Solidar (http://www.solidar.org). Objectivos: sensibilizar cidadãos, representantes políticos e instituições para o tema do trabalho decente; mostrar que o trabalho decente constitui a única estratégia sustentável para sair da pobreza; colocar o trabalho decente no centro das políticas económicas, comerciais, financeiras e sociais de nível europeu e internacional.

• “ Playfair 2008”. Campanha conjunta com a Federação Internacional dos Sindicatos Têxteis, Vestuário e Peles (http://www.itglwf.org/Default.aspx?langue=2) e com a “Campanha Roupas Limpas” (http://www.cleanclothes.org/) (aliança internacional de ONGs e sindicatos que trabalham em prol da melhoria dos direitos e condições de trabalho nessa indústria). Objectivos: comprometer o Comité Olímpico Internacional e as principais marcas de artigos desportivos a respeitar os direitos dos trabalhadores da indústria que produz os respectivos artigos; criar mecanismos de recepção da informação e das queixas sobre os casos de exploração.

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Da estrutura da CSI merecem ser destacados os seguintes órgãos:

• Congresso . É a autoridade suprema da CSI, que determina o seu programa e políticas. Entre outros pontos, decide sobre: relatórios de actividades e de finanças; adesão de novos membros; propostas de emendas aos estatutos; eleição do Conselho Geral e do Secretário-Geral.

• Conselho Geral . É a autoridade suprema entre congressos. Dirige as actividades da CSI e faz aplicar as decisões e recomendações do Congresso. É composto por 70 membros (11 de África, 18 das Américas, 15 da Ásia-Pacífico, 24 da Europa, 2 em aberto), estando reservados 8 lugares adicionais (6 para um Comité de Mulheres e 2 para um Comité de Jovens). Propõe-se assegurar uma quota mínima de 30% de mulheres. Reúne não menos do que uma vez por ano. Elege o Comité Executivo (que trata das questões mais urgentes entre as reuniões do Conselho Geral e prepara as decisões deste quanto a finanças e orçamento anual) e é responsável pela constituição de outros Comités (de mulheres, de jovens e de direitos humanos e sindicais).

• Estruturas e Organizações Regionais . São os “braços” da CSI por continente. Cada organização regional promove as prioridades e as políticas da CSI, ainda que o faça com autonomia. O secretário-geral de cada organização regional é simultaneamente secretário-geral adjunto da CSI. Na Europa, a 19 de Março de 2007, foi criada o Conselho Regional Pan-Europeu, composto por 87 organizações filiadas na CSI, representando 85 milhões de membros.

• Secretário-geral . É eleito pelo Congresso, é membro ex officio do Conselho Geral e do Comité Executivo (com direito de voto) e é quem fala em nome da CSI. É ainda responsável pela implementação das decisões do Congresso e do Conselho Geral.

• Presidente . Eleito pelo Conselho Geral, é quem preside a todas as reuniões do Conselho Geral e do Congresso, tendo direito a assistir a todas as demais reuniões da CSI e direito de voto nos órgãos de gestão da CSI. A figura do presidente é rotativa em cada congresso, sendo proveniente da cada organização regional da CSI constituída.

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* Hermes Costa

Sociólogo. Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais (membro do Núcleo de Estudos do Trabalho e Sindicalismo). Tem publicados vários artigos e livros sobre as relações laborais e o sindicalismo numa perspectiva transnacional, bem como sobre Conselhos de Empresa Europeus.

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Referências bibliográficas

COSTA, Hermes Augusto (2006) – “Portuguese Trade Unions and European Integration: lessons from a dual vision”. Revue Lusotopie, XIII (1), 7-35.

ITUC (2006) – Programme of the ITUC. Bruxelas: ITUC (disponível em http://www.ituc-csi.org./spip.php?rubrique58).

ITUC (2007a) – List of affiliated organisations. Bruxelas: ITUC (disponível em http://www.ituc-csi.org/spip.php?rubrique57).

ITUC (2007b) – Constitution & Standing Orders: Congress, General Council, Executive Bureau. Bruxelas: ITUC (disponível em http://www.ituc-csi.org/spip.php?rubrique58).

ITUC (2007c) – Governing Bodies. Bruxelas: ITUC (disponível em http://www.ituc-csi.org/spip.php?rubrique58).

JAKOBSEN, Kjeld (2005) – “La nueva central mundial. Pan y rosas?”. Cuadernos de Integración Andina, 14, 64-69 (http://www.ccla.org.pe/publicaciones/cuadernos-integracion/index.php).

KUCZKIEWICZ, Janek; HAMMERTON, Sara (2006) – “Challenges for the new international”. International Union Rights, 13 (3), 18-19.

WATERMAN, Peter (2006) – “Virtually invisible: the international union merger”. International Union Rights, 13 (3), 20-21.

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