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- JANUS 2009 -



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Ataque a Bombaim e tensão indo-paquistanesa

João Maria Mendes *

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O relançamento da tensão militar entre Índia e Paquistão, e a retirada de parte dos cem mil soldados estacionados, por Islamabad, junto da extensa fronteira com o Afeganistão, para a fronteira com a Índia, podem ser os danos colaterais mais perigosos dos ataques de 26-29 de Novembro de 2008 a Bombaim. Um eventual “alívio” da pressão militar paquistanesa na fronteira com o Afeganistão seria bem vindo para a Al Qaeda, para os taliban (que não desistem da reconquista de Cabul) e para os jihadismos seus associados.

Outro resultado, já atingido, do ataque a Bombaim, é a desestabilização da política interna indiana, a meses de eleições que envolverão cerca de 700 milhões de eleitores.

A Índia está habituada a viver com diversos terrorismos, incluindo o jihadista islâmico, e a carnificina de Novembro em Bombaim está longe de ter sido a mais mortífera dos últimos 15 anos. Mas suscitou atenção particular devido à sua espectacularidade hiper-mediatizada, aos alvos escolhidos e à mudança de paradigma que talvez represente – sobretudo pela tomada de reféns. Confirmada a ligação do comando terrorista que atacou a cidade a uma das organizações islâmicas sediadas em território paquistanês, a “linha dura” de Nova Deli passou a exigir do novo presidente Asif Ali Zardari (viúvo de Benazir Bhutto) a firme repressão dos jihadismos anti-hindus do Paquistão.

Os militares paquistaneses, por seu turno, podem distanciar-se perigosamente do novo poder civilista vindo do “clã Bhutto”, e que sucedeu ao “reinado” de Pervez Musharraf (1999-2008).

 

A estratégia Obama

Índia e Paquistão são duas potências nucleares com ogivas apontadas uma contra a outra, embora ao longo de 2008 se tenha vivido um desanuviamento da desconfiança entre ambas. Se a hostilidade entre os dois países recrudescer em 2009, parte da estratégia de Barack Obama para a região pode estar comprometida: o novo presidente americano aposta forte numa reaproximação indo-paquistanesa que permita articular e concentrar esforços na guerra anti-taliban e anti-Al Qaeda no Afeganistão. Reduzir a conflitualidade entre Nova Deli e Islamabad passou, assim, a contar-se entre as primeiras tarefas que a nova secretária de Estado, Hillary Clinton, herda em início de funções.

A 3 de Dezembro, dia em que a ainda secretária de Estado norte-americana Condoleeza Rice chegava a Nova Deli e exigia ao Paquistão dureza contra os “elementos terroristas” no seu território, um porta-voz do Departamento de Estado informava os aliados da NATO de que nem a Índia nem o Paquistão tinham, para já, alterado as suas posturas nucleares ou efectuado significativos movimentos de tropas depois do ataque a Bombaim. “A temperatura militar não subiu”, disse, “embora Islamabad tenha deslocado alguns aviões e artilharia anti-aérea para a fronteira com a Índia”, depois das primeiras acusações de que a “operação Bombaim” tivera “raízes paquistanesas”. Em Nova Deli, o tom da retórica anti-paquistanesa subiu, mas as autoridades pareciam, no início de Dezembro, manter uma notória contenção militar, privilegiando a pressão política e diplomática (a começar pela dos EUA) para forçar Islamabad a reprimir os “seus” jihadistas.

 

“Exército dos puros”

O comando de dez elementos (segundo as autoridades indianas) que semeou o terror nos hotéis Taj Mahal e Trident Oberoi, no café Leopold, na estação ferroviária Chatrapati Shivaji, nos hospitais Cama e GT, no centro judaico do complexo residencial Nariman House e nas ruas de Bombaim provocou, tanto quanto se sabe, mais de 170 mortos (29 dos quais estrangeiros) e mais de 300 feridos. Se contou com apoios na cidade, – e tudo indica que sim, dada a complexidade da operação e a logística por ela exigida – estes terão “desaparecido” durante ou depois dos dois dias e meio de terror. A 3 de Dezembro, a polícia indiana localizou e desarmou explosivos entre as bagagens perdidas na estação ferroviária, e admitia-se que surgissem novas descobertas do mesmo tipo.

Segundo declarações, sob interrogatório, do único sobrevivente do comando terrorista (um paquistanês de 21 anos que se rendeu no decurso da acção), o grupo foi treinado por elementos ligados à organização jihadista Laskhar-e-Tayyiba (LeT), literalmente “Exército dos Puros”, com bases no Paquistão desde a década de 90. O seu líder, Hafiz Muhammad Sayeed, move-se abertamente a partir de Muridhke, perto de Lahore (junto à fronteira com a Índia). A LeT, originalmente afegã, especializou-se em acções anti-hindus no Caxemira, e defende que, na Índia, se trava “o mesmo combate” que na Palestina, no Iraque ou no Afeganistão.

O “Hindustan Times” noticiou, a 1 de Dezembro, que os serviços de segurança indianos sabiam, pelo menos desde Fevereiro de 2008, que a LeT – que nega responsabilidades no ataque – estava a preparar a operação de Bombaim. Um operacional da LeT, Fahim Ansari, então preso, confessou ter estudado, três meses antes, o Taj Mahal e o Trident Oberoi, bem com a estação Chatrapati Shivaji, a Bolsa de Bombaim e o Comissariado da Polícia local, entregando o relatório ao seu superior Mohammed Muzzamil. O sobrevivente do comando de Bombaim também designou Muzzamil como responsável pela operação. Quando foi preso, Fahim era detentor de passaporte paquistanês. Mas também é possível que a LeT tenha agido como peça principal de uma rede que se estende pelo interior da Índia.

Formalmente interdita por Islamabad, a LeT continuou a actuar sob o nome de Jama'at al-Dawa, e o seu líder tem incitado a ataques contra alvos indianos e ocidentais; num comício recente, classificou “cristãos, judeus e hindus” como “inimigos do Islão” e garantiu que a sua organização ajudará a hastear “a bandeira islâmica em Washington, Tel Aviv e Nova Deli”. A Índia passou, assim, a ser descrita como aliada dos “cruzados” ocidentais. O acordo de cooperação nuclear entre Washington e Nova Deli, assinado em 2008, e a consolidação de Israel como segundo parceiro na cooperação militar com a Índia, são usados para cimentar tal argumentário. Sayeed também tem defendido que há zonas indianas do antigo principado de Hyderabad, no Decão, que fazem parte do Paquistão e lhe devem ser entregues; ora, o grupo desconhecido que reivindicou os ataques a Bombaim auto-designou-se “Mudjahedines do Decão”.

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“Mesmo combate”

O sobrevivente do comando terá confirmado que a preparação do ataque a Bombaim envolveu períodos de treino físico e militar, aprendizagem de “técnicas náuticas” (eles vieram de Karachi por mar, tomando de assalto um pesqueiro indiano ao largo do seu destino e desembarcando finalmente em insufláveis), e três meses de visitas à cidade, sob falsas identidades, para conhecer em detalhe os hotéis e demais alvos visados. Aparentemente, os dez membros do comando, seleccionados num grupo de mais de 20 voluntários, nada tinham em comum com jovens aldeões pobres, educados por “mullahs” em madrassas: diversos sobreviventes das chacinas descreveram-nos como “chikna” (ricos), limpos, barbeados, em boa forma, muito determinados, um ou outro falando inglês com sotaque de Caxemira.

Seriam, assim, jovens islamistas que estudaram em escolas “normais”, e que se tornaram militantes no clima de furor vingativo com que os muçulmanos de Caxemira olham a agressão indiana e a longa complacência ocidental para com essa agressão. Furor que se enquadra no “puzzle” mais vasto do ódio jihadista a Israel, aos EUA e ao Reino Unido (nascido da questão palestiniana e das guerras no Afeganistão e no Iraque), e que se estendeu à Índia. A luta de Caxemira – um dos territórios mais militarizados do mundo – passou a representar, para os muçulmanos do Sul da Ásia, o que a luta pela Palestina representa no Próximo e Médio Oriente.

O objectivo dos terroristas era matar indiscriminadamente, ocupar edifícios emblemáticos da cidade de 14 milhões de habitantes e fazer reféns (sobretudo americanos, britânicos e judeus). Teriam ainda por missão final destruir o Taj Mahal e o Trident Oberoi, dois ícones do mundo dos negócios e do lazer de Bombaim, e talvez a estação ferroviária. Bombaim é, simultaneamente, o maior símbolo do desenvolvimento rápido e da nova opulência no país – capital financeira, cultural e liberal da nova Índia do Partido do Congresso – bem como da “depravação ocidentalizante” que tal opulência representa aos olhos da maioria de pobres... e das jihads: uma “Big Apple” indiana.

Certo é que este comando não tinha como modelo o “mártir suicida” que se faz explodir entre as suas vítimas como um “míssil dos pobres”: antes evoca o grupo de guerrilheiros disposto a morrer de armas na mão, e que tenta provocar os maiores danos até ser eliminado. Se assim é, o ataque a Bombaim representa a fusão de tácticas vindas, tanto do recente jihadismo inspirado pela Al Qaeda, como de guerrilhas mais clássicas.

 

Zardari no fio da navalha

Ninguém acredita que o novo poder civil paquistanês esteja hoje associado a organizações como a LeT (surge mais facilmente como seu refém), e parece crível o seu desejo de se associar à Índia numa frente comum “anti-terrorista”. Mas o governo de Zardari perdeu o controlo do Norte e Noroeste do país e das áreas de administração tribal fronteiriças com o Afeganistão – zonas onde o extremismo jihadista tem imparavelmente florescido. Além disso, são conhecidas as relações da ISI paquistanesa (Inter-Services Intelligence) com as organizações jihadistas, que os serviços secretos de Islamabad usaram para alcançar os seus próprios fins nos últimos 25 anos – incluindo o lançamento de operaçãos islamistas em território indiano. O resultado desta situação simbiótica é que Islamabad tem mantido uma condescendência tolerante para com numerosos jihadismos anti-indianos; a própria LeT é uma das organizações que recebeu, em tempos, treino e apoio logístico da ISI.

Por outro lado, a questão de Caxemira tem dividido o poder paquistanês mais do que qualquer outra, e a liberdade de movimentos concedida a líderes como Sayeed é um dos sintomas dessa divisão (Islamabad terá, por exemplo, autorizado a aquisição de um “Land Cruiser” blindado pelo mesmo Sayeed, para sua segurança pessoal, já depois da tomada de posse de Zardari). E qualquer muçulmano indiano ou paquistanês tem presente os massacres de 2002 no Gujarate, que fizeram mais de 2000 mortos entre insurgentes e civis, e ganharam contornos de genocídio.

Apesar da sua nova retórica pró-indiana, o “establishment” paquistanês sabe bem que a Índia pouco ou nada fez para evitar ser vista como “cúmplice” da “conspiração ocidental contra os muçulmanos”. Os 150 milhões de indianos islâmicos têm sido menosprezados pelo desenvolvimentismo de Nova Deli, e a “colonização” brutal de Caxemira, ferida aberta entre os dois países desde a partição de 1947, comprova, mesmo aos olhos do Islão moderado, a arrogância dos sucessivos poderes hindus (que por vezes encontram a sua “vanguarda” no extremismo hinduísta anti-muçulmano).

 

Novo pano de fundo

Desde que, na sua campanha presidencial, Barack Obama prometeu a retirada militar americana do Iraque em troca de maior envolvimento no Afeganistão, a situação evoluiu, quer em Bagdad quer em Cabul: no Iraque, um acordo com os EUA, ainda assinado por G. W. Bush, garante a retirada americana até 2011; no Afeganistão, o presidente Karzai aceitou a mediação saudita com vista a negociações com os taliban.

Em Islamabad, o governo do presidente Zardari sabe que será um dos alvos preferidos da Al Qaeda, e é pouco popular entre as cúpulas militares e na ISI. Depois do ataque a Bombaim, tenderá a facilitar a “terceira guerra americana” – que a CIA conduz discretamente contra os jihadistas próximos da Al Qaeda no Paquistão. A reacção dos militares e da ISI a tal abertura é uma incógnita. Quer entre os conselheiros de Obama quer nos círculos próximos de David Petraeus (o general que veio do Iraque para dirigir o Comando Central das operações americanas entre o Corno de África e a Ásia Central), domina a convicção de que o verdadeiro santuário da Al Qaeda é o Paquistão – e que será ali que as guerras herdadas de G. W. Bush serão ganhas ou perdidas. Mas a Al Qaeda também está atenta à crise financeira internacional e à recessão económica americana – efectiva desde Dezembro de 2007 mas só anunciada um ano depois – e espera que uns EUA assustados pelo declínio da sua economia se voltem para si próprios, perdendo a força anímica necessária para ganhar guerras em frentes longínquas.

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Informação Complementar

Alguns factos em destaque

• Entre os 29 estrangeiros mortos nos diversos cenários da “batalha”: contam-se nove israelitas, cinco americanos, dois canadianos, dois franceses, um britânico, um alemão, um italiano, um japonês, um tailandês, um natural das Ilhas Maurícias e outro de Singapura.

• A retoma de controlo do Taj Mahal durou 62 horas. As autoridades indianas foram severamente criticadas pela resposta tardia à acção do comando terrorista. Só cinco horas depois do ataque ao hotel uma primeira força especial indiana de oito homens chegou ali, desconhecendo o número de atacantes, e sem um mapa do interior do edifício.

• No rescaldo dos ataques, o ministro do Interior indiano, Shivraj Patil, e o governador do Estado de Maharastra ocidental (de que Bombaim é capital), V. Deshmukh, demitiram-se, e o conselheiro para a Segurança Nacional, M. K. Naryanan, pôs o seu lugar à disposição.

• 15 membros das forças de segurança indianas morreram no contra-ataque ou nas operações de resgate, entre eles o chefe da brigada anti-terrorista de Bombaim.

• As forças especiais indianas resgataram 250 pessoas no hotel Trident Oberoi, 300 no Taj Mahal e cerca de 60 na Nariman House.

• Um dos atacantes exigiu o “fim das perseguições aos muçulmanos da Índia” e a libertação de islamistas detidos. A organização “Mudjahedines do Decão”, que reivindicou os ataques, parece mais um nome da “Lashkar-e-Tayyiba”, de raiz afegã-paquistanesa.

• Documentos mauritanos de identidade foram encontrados num dos atacantes mortos, segundo as forças de segurança de Bombaim.

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* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola Superior de Cinema e Teatro e na Universidade Autónoma de Lisboa. Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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