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- JANUS 2009 -



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Preços das mercadorias: de máximo em máximo

Henrique Morais *

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Durante os últimos anos, o mundo olhou com perplexidade e, nalguns casos, com desconfiança para a expressiva subida dos preços das principais matérias--primas, casos do petróleo e do aço, e de alguns metais preciosos, com destaque para o ouro. Receavam-se as consequências económicas, mas esperavam-se correcções próximas. Até que os «aprendizes de feiticeiros» se deslocaram para os alimentos e, aí, a perplexidade tornou-se horror face ao que pode estar para vir.

 

Factos e dados

O mundo está a crescer, não só em termos populacionais, como sobretudo pelo advento de novas nações ao palco do comércio internacional e dos padrões de consumo das economias avançadas. Os dados do Fundo Monetário Internacional são, a esse propósito bem expressivos: entre 1990 e 2007, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nas chamadas «economias avançadas» foi, em média anual, de 2,6%, enquanto nas «economias emergentes» se situou em 4,6%, tendo esta zona sido a grande impulsionadora de um crescimento médio mundial se 3,4% ao ano. Além disso, segundo dados de 2007, estas representavam 43,6% do PIB mundial (56,4% para as economias avançadas), dados que seriam inimagináveis há pouco mais de dez anos. Note-se que, ainda segundo o FMI, as economias emergentes correspondem a 84,7% da população mundial, pelo que facilmente se imagina as consequências em termos do consumo mundial de um salto, mesmo que ligeiro, destes países em termos económicos.

Deste modo, países como a China e a Índia, que em conjunto representam 44,8% da população mundial e que têm evidenciado ritmos de crescimento económico assinaláveis (1), passaram a colocar uma pressão adicional da procura em matérias-primas como o petróleo, mas também o cobre, o alumínio, o zinco, enfim, tudo o que um processo de industrialização em larga escala torna necessário, quer para alimentar uma industria florescente, quer ainda para saciar padrões de consumo cada vez mais exigentes.

Por outro lado, nos últimos anos, verificou--se uma tremenda apreciação do euro em relação ao dólar. A título de curiosidade, a cotação destas duas moedas rondava os 0,97, no início do novo milénio, e, no final de Abril de 2008, atingia os 1,56, isto é, o euro apreciou-se cerca de 60% face ao dólar em pouco mais de 8 anos. Acontece que, regra geral, os preços das mercadorias e das matérias-primas são expressos em dólares, pelo que a queda do dólar começou a reflectir-se numa perda relativa de receita para os países exportadores, sobretudo quando estes têm moedas que, de alguma maneira, acompanham a evolução do dólar dos EUA (o chamado «peg»).

Em mercados como o do petróleo, que está longe de ser um exemplo para os modelos de concorrência perfeita e onde existem sinais oligopolísticos (veja-se o caso da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, responsável por mais de um terço das exportações mundiais), esta depreciação do dólar incentivou movimentos de subida dos preços.

O gráfico respectivo mostra a escalada do preço do ouro negro ao longo dos últimos anos e é claro quanto à intensificação deste movimento precisamente na altura em que os ganhos do euro face ao dólar se acentuaram. No entanto, enquanto no período em análise (2000 a 2008) a valorização do euro face ao dólar, apesar de expressiva, atingiu 60%, o preço do petróleo aumentou de 26,9 dólares por barril, no final de Janeiro de 2000, para 110,6 dólares por barril, em Abril de 2008, i.e., um aumento de 311%! Conclusão, a fraqueza do dólar, por si só, não explica o comportamento do preço do petróleo.

É possível identificar comportamentos semelhantes noutros metais industriais e também em metais preciosos, como o ouro, a prata ou a platina, cujos acréscimos foram igualmente superiores a 200% e, no caso da platina, se aproximaram de 300%.

A subida dos preços dos metais preciosos costuma estar associada a fenómenos como o aumento das tensões geopolíticas pelo que, não havendo evidência de que o acréscimo da procura das economias emergentes se tenha propagado igualmente aos metais preciosos e, por outro lado, nada de extraordinariamente grave se tenha verificado, em especial nos últimos anos, a nível geopolítico, a explicação para a recente forte subida dos preços dos metais preciosos teria de ser outra.

Na realidade, o factor principal para o aumento dos preços, e não só dos metais preciosos, era bem diferente...

 

Causas do fenómeno

Há mais de um século, surgiram nos mercados financeiros produtos inovadores para proteger os rendimentos dos produtores de algumas matérias-primas, que ficaram conhecidos, entretanto, como «contratos de futuros». Trata-se de um produto complexo na sua formulação mas cujo objectivo é simples: o produtor de vinho que, por hipótese, em Outubro de 2007, começa a preparar a sua vinha para uma colheita que só terá lugar em Setembro do ano seguinte pode, ainda em 2007, assegurar o preço de venda da produção que há-de vir, fixando assim o preço e ficando portanto imune a uma eventual evolução negativa do mesmo, ao longo de 2008.

Na essência, o objectivo e a filosofia destes contratos eram económica e socialmente louváveis, designadamente porque permitiam assegurar o rendimento dos produtores e, além disso, contribuíam para alguma estabilização dos preços.

Acontece que os especuladores (a quem alguém chamou, com alguma propriedade, a propósito do que se está a passar neste momento com os bens alimentares, «os aprendizes de feiticeiros») começaram a intervir neste mercado. Ou seja, o mercado deixou de estar confinado ao produtor, que tentava fixar o preço da sua colheita adiantadamente, e ao comprador/retalhista, que assim também se assegurava contra um eventual aumento dos preços. Surgiam novos intervenientes que porventura não estavam minimamente interessados no produto mas apenas na capacidade que este lhes poderia proporcionar de comprar por um preço e vender por outro com lucro.

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Este fenómeno começou por ser evidente no caso do petróleo. Anteriormente referimos que a fraqueza do dólar foi «responsável» por uma boa parte da subida do preço do petróleo ao longo dos últimos anos. A juntar a este fenómeno, haverá a manutenção de ritmos de crescimento económico sólidos a nível mundial que, portanto, se reflectiram em maiores pressões do lado da procura. Além disso, também é verdade que se assistiu a algumas perturbações na oferta, nomeadamente via acidentes em plataformas, sabotagens na Nigéria, interrupções de produção no Iraque, entre outros.

Todavia, numa óptica puramente de oferta e procura, dificilmente o somatório de todos estes factores explica o acréscimo vertiginoso do preço do crude e muito menos as previsões que começam a aparecer paulatinamente no mercado e que apontam para valores absolutamente inimagináveis (2). De outra forma, como explicar que o preço não tenha sido corrigido em baixa aos sucessivos indícios de que a economia dos Estados Unidos estará a abrandar e aos receios de muitos de que pode mesmo enfrentar, ainda em 2008, uma recessão? E como também não reagiu em queda às fantásticas descobertas de petróleo no litoral do Brasil, designadamente no Tupi, consideradas como das mais importantes das últimas décadas (com impacto na oferta global de petróleo) e cuja exploração colocará o país entre os 10 maiores produtores mundiais?

Pois bem, o que de facto aconteceu de mais relevante no mercado do petróleo foi a intensificação dos movimentos especulativos e foram precisamente eles os responsáveis pela trajectória imparável do preço desde meados de 2003. Inicialmente, a especulação era baseada na convicção de que o crescimento económico mundial e a procura acrescida oriunda da Ásia (em especial da China) fariam com que os preços tivessem forçosamente de subir. Mais recentemente, quando a queda do dólar se intensificou (em meados de 2006), o ouro negro, entre outras mercadorias/matérias-primas, passou a ser utilizado pelos especuladores como instrumento de cobertura contra a inflação.

A lógica é simples: perante receios inflacionistas acrescidos, acentuados para os mercados do dólar pelo seu enfraquecimento em termos efectivos e, em especial, face ao euro, os investimentos em activos que se prevê venham a valorizar funciona como um elemento de equilíbrio face às perdas resultantes da evolução da inflação.

Acontece que a intensificação destas estratégias acabou por induzir um efeito desproporcionado, isto é, os ganhos do petróleo foram incomparavelmente superiores aos supostos efeitos inflacionistas contra os quais se quereriam proteger os especuladores. Os gráficos que se apresentam são absolutamente claros a este respeito: a partir dos dados do FMI sobre a evolução da inflação média nas economias avançadas e nos mercados emergentes, construiu-se uma trajectória do que seriam os preços no consumidor entre 2000 (base=100) e Abril de 2008. Ora, mesmo no caso dos mercados emergentes, onde a inflação é consideravelmente mais elevada, o referido cabaz apontaria, em Abril de 2008, para valores na ordem de 170,8 (116,7 nas economias avançadas), ou seja, seria admissível, por este critério, uma subida do preço do petróleo na ordem dos 70%. Acontece que o mesmo aumentou 300%! (3)

Quem lucrou com esta evolução? Obviamente os especuladores! (4)

Mas o pior ainda estaria para vir…

 

E eis que o processo se alastra aos alimentos

Os investidores mais atentos ter-se-ão certamente apercebido de que, pelo menos, desde meados de 2006, começaram a surgir com particular intensidade aos balcões das instituições financeiras produtos de investimento que, directa ou indirectamente, total ou parcialmente, proporcionariam rendimentos indexados à evolução dos preços de alguns bens alimentares – designadamente os cereais.

Ainda antes disso, começaram a intensificar-se os sinais de que a cruzada em prole dos combustíveis vegetais estaria a deslocalizar para este tipo de produções terras férteis outrora destinadas à agricultura, de que o Brasil é talvez um dos exemplos mais flagrantes.

Alicerçada num horizonte mais longínquo, ficava a ideia de que certas economias avançadas estariam a cometer um pecado mortal em relação à agricultura, ao darem demasiada importância ao «lobby» agrícola, preocupado quiçá em demasia com a manutenção do seu rendimento, em detrimento dos interesses das populações consumidoras – neste aspecto, a Política Agrícola Comum das União Europeia é um autêntico «case study».

Por último, dois maus anos agrícolas num dos celeiros do mundo, a Austrália, ajudaram ao inevitável perante o enquadramento descrito: a escalada dos preços dos bens alimentares, em especial dos cereais.

Os gráficos são exemplificativos: o preço do arroz mais do que triplicou em 8 anos e, só em 2008 (até final de Abril), já aumentou cerca de 75%; o preço do milho aumentou nos mesmos 8 anos 2,6 vezes e, em 2008, sofreu um acréscimo de 19%; o trigo está agora 170% mais caro do que no início de 2000, embora em 2008 o movimento esteja a ser de alguma correcção (em Abril, -16% face a Dezembro de 2007).

É ainda cedo para se avaliar do peso relativo de cada um dos fenómenos enunciados como causas próximas para este comportamento do preço dos alimentos. Seja como for, são visíveis sinais de que, mais uma vez, os movimentos especulativos, particularmente visíveis nos mercados de futuros, terão tido a sua quota-parte de responsabilidade.

Infelizmente, independentemente do interesse académico em analisar o fenómeno, as suas consequências são agora demasiadamente penosas para hesitações ou contemplações perante o cenário que se avizinha a nível alimentar caso persistam ou se intensifiquem os movimentos recentes dos preços.

 

Consequências e conclusões

Não é de todo intenção do autor destas linhas transformá-las numa tribuna de acusação à actividade de especulação nos mercados financeiros. Reconhecidamente, o especulador, quando não adquire um poder de dominância no mercado, aporta para o mesmo vantagens, como por exemplo, a nível de uma maior liquidez e no seu papel contra-cíclico nos movimentos de preços.

Acontece que a actividade especulativa parecia no passado confinada a mercados especializados (mercados accionistas, obrigacionistas, de câmbios, entre outros), especialmente dirigidos a investidores também eles especializados. Mesmo quando outros investidores menos especializados estavam presentes num determinado mercado (por exemplo, no accionista), esperava-se deles uma perspectiva de mais longo prazo, pelo que ficavam menos expostos às consequências dos movimentos especulativos.

Tudo se complicou quando os especuladores se focalizaram em activos como o petróleo, contribuindo grandemente para o avolumar de receios quanto a uma espiral inflacionista de todo indesejável, especialmente quando se teme um abrandamento económico do outro lado do Atlântico.

O acréscimo recente dos preços dos bens alimentares (ilustrado nos gráficos) cria um cenário dantesco a nível dos conflitos sociais que poderão eclodir e da mortandade que poderá provocar.

A confirmar-se que a actividade especuladora é a grande responsável pelo aumento dos preços dos alimentos, então o cenário, além de dantesco, é intolerável.

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1 - No mesmo período de 18 anos (entre 1990 e 2007), o crescimento médio anual na China foi de 9,8% e na Índia atingiu 6,3%, em ambos os casos muito acima da média dos próprios mercados emergentes e, sobretudo no caso da Índia, revelando uma intensificação muito expressiva nos últimos 5 anos (na China manteve-se sempre mais estabilizado e próximo de 10%).

2 - Muitos referem os 200 dólares por barril ainda em 2008, enquanto outros, mais cautelosos (!) se ficam por valores em torno dos 150 dólares por barril.

3 - Note-se que o efeito inflação conjugado com o efeito enfraquecimento do dólar significaria um aumento do preço do petróleo na ordem dos 130%, muito aquém do que se verificou na prática.

4 - Pode argumentar-se que também os produtores e as refinarias beneficiam com a subida do preço do petróleo o que, sendo uma evidência, é, sobretudo no caso dos primeiros, incomparavelmente inferior aos ganhos dos especuladores.

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* Henrique Morais

Licenciado em Economia. Mestre em Economia Internacional pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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Dados adicionais
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Evolução dos preços:

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Link em nova janela Metais preciosos (base: 31/01/00)

Link em nova janela Cereais (base: 31/01/00)

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Link em nova janela Frutos e derivados (base: 31/01/00)

Link em nova janela Outros produtos de base (base: 31/01/00)

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