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Janus 1997



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Justiça e Criminalidade

Stela Barbas *

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Portugal é o país da União Europeia com índices de criminalidade mais baixos, segundo as estatísticas. Entre os países com quem somos comparados, contam-se a Alemanha, a Suécia e a Holanda, muito industrializados e com um nível de vida mais alto que o português; mas também países como a Grécia e a Irlanda, que podem ser equiparados a Portugal e registam índices de criminalidade superiores.

De acordo com os dados da Interpol relativos a 1993, a nossa taxa de 884 crimes por 100.000 habitantes não permite comparações com os 8.337 por 100.000 habitantes na Alemanha, 13.622 na Suécia, 10.205 na Holanda, 10.557 na Dinamarca, 6.748 em França, ou mesmo 2.447 em Espanha, 3.493 na Grécia, 2.812 na Irlanda (ver Infografia). Existe também grande disparidade relativamente a países não pertencentes à UE. Nos Estados Unidos da América, o índice de criminalidade é de 5.483 crimes por 100.000 habitantes; e de 1.510 no Japão, 1.879 na Federação Russa, 3.869 na República Checa, 2.743 na República da Eslováquia, 2.242 na Eslovénia, 5.402 na Suíça, 5.548 em Israel, 10.955 no Canadá, 5.774 na Noruega, 2.217 na Polónia, 3.889 na Hungria, 1.395 em Hong-Kong, 2.912 na Bulgária, 1.076 no Chile, 964 na Roménia, 1.276 na Venezuela.

Apesar de Portugal gozar de uma posição privilegiada no que concerne a este índice, o crime é uma realidade preocupante. Para tal muito contribui o facto de Portugal se ter tornado uma das portas de entrada da droga (ficando, desde logo, no país uma relevante quantidade para consumo interno). No nosso país a partir dos anos 80 os crimes de droga vieram derrubar os marcos de criminalidade judicializada. Com efeito, a criminalidade judicial foi abalada por três modificações estruturais, tendo lugar cada uma delas em décadas sucessivas: nos anos 60, Portugal assistiu ao surto dos crimes de viação; nos anos 70, ao crime de cheques sem provisão; e na década seguinte à dos crimes relacionados com a droga.

A danosidade social resultante destes crimes, a sua incidência geográfica, o incremento e gravidade de comportamentos, não só conexos mas também marginais, implicam a tomada urgente de medidas. A experiência de litigiosidade do cidadão português é muito superior à da litigiosidade judicial e abrange os mais variados campos de interacção social. A nossa sociedade é "auto-compositiva": de um modo geral, o cidadão prefere recorrer a mecanismos alternativos e informais de resolução dos conflitos, de tal forma que na maior parte dos casos os tribunais de primeira instância são, do ponto de vista sociológico, tribunais de recurso. Os meios informais de resolução permitem colmatar em grande parte as deficiências do garantismo jurídico e da tutela judicial.

Assim, se é certo que a nossa cultura jurídica está ferida de algumas deficiências, ela é, simultaneamente, uma cultura que assenta numa enorme capacidade de organização informal para mediar, negociar e arbitrar, no plano das relações de interconhecimento e de interacção colectiva ao nível da família, amigos, vizinhos, etc. (embora, sendo certo que, por vezes, quando o sentimento de desprotecção se estende para lá de determinados limites, eclodem movimentos incontrolados de autodefesa). Para aferir a relação existente entre a conflitualidade existente e a judicializada é possível recorrer à chamada pirâmide de litigiosidade cuja base é constituída pelos casos de conflitualidade, a parte intermédia composta pelas várias instâncias e soluções extrajudiciais (na maioria informais) e o topo pelos litígios judiciais. A base das pirâmides de litigiosidade portuguesas é sempre muito grande quando comparada com o seu vértice.

Sem esquecer a problemática inerente a comparações sistemáticas internacionais das pirâmides de litigiosidade, é possível afirmar que em relação aos países europeus mais desenvolvidos as pirâmides portuguesas, embora tenham uma base menor em termos absolutos, têm relativamente uma base maior face ao seu vértice. Ou seja, a litigiosidade judicializada que ocupa sempre o vértice das pirâmides (em Portugal e na União Europeia) é no nosso país mais pequena. Segundo um inquérito de vitimação levado a cabo pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça, a taxa de denúncias em Portugal é de apenas 26 por cento o que implica, desde logo, que 74 por cento da base da pirâmide nunca possa alcançar o topo.

Com efeito, apesar duma explosão de litigiosidade que teve lugar em Portugal uma década mais tarde que nos países centrais (ou seja, nos anos 80 e com particular agudização nos seus finais), só uma pequena parte da conflitualidade real existente em Portugal chega aos tribunais. Há uma enorme selectividade e concentração no tipo de acções e de litigantes, quer no processo civil quer no penal. O sistema judicial encontra-se "absorvido" por acções de cobrança de dívidas e de cheques sem cobertura postas por poucos litigantes — as grandes empresas (bancos, seguradoras, empresas de crédito ao consumo). A procura da tutela judicial pelo cidadão é baixa e selectiva concentrando-se nas acções de divórcio, de despejo, de responsabilidade civil por acidente de viação e nas relativas ao direito de propriedade. O que constitui, desde logo, um importante indicador da distância existente entre o cidadão e a justiça.

Coloca-se a questão de saber como judicializar a conflitualidade existente que não chega a tribunal e, também, como desjudicializar alguma "falsa" conflitualidade. Por outras palavras, em que termos é possível lutar por uma convergência entre os sistemas informais e formais, permitindo uma maior aproximação do cidadão à justiça.

A mediação, muito utilizada em vários países europeus, pode possibilitar, em casos de pequena e média gravidade, a resolução de litígios através de soluções de equidade evitando uma sobrecarga dos tribunais. Este instituto abre novas vias realistas e concretas de promoção do acesso à Justiça e ao Direito por parte dos cidadãos (mesmo dos mais "desfavorecidos" económica, cultural e socialmente). Esta Justiça "informal" constitui uma alternativa eficaz — rápida, simples, económica — à Justiça "tradicional", lenta, dispendiosa, complexa e extremamente formalista.

Segundo o inquérito de âmbito nacional sobre "as percepções e avaliações dos cidadãos sobre o sistema judicial" realizado pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, as pessoas quando colocadas perante hipotéticos conflitos quase sempre preferem o acordo ou a inacção aos "incómodos" de um relacionamento quotidiano decorrente de um litígio judicial, chegando mesmo a defender que "mais vale uma má transacção que uma boa sentença". A lógica da sentença é inversa à da conciliação, na medida em que na primeira se equipara o litígio a um duelo do qual tem que resultar um vencedor e um vencido, o que é muitas vezes inadequado à resolução dos conflitos existentes.

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Informação Complementar

As difíceis estatísticas sobre criminalidade

São vários e delicadíssimos os problemas que o criminólogo tem de ultrapassar na leitura das estatísticas. O primeiro consiste, desde logo, na dificuldade inerente à escolha de uma unidade estatística que seja simultaneamente representativa e universalmente aceite. Regra geral cada estatística usa unidades distintas e diferentes critérios de estimativa. Deste jeito, não só o conceito de crime varia no tempo e no espaço como também o seu próprio registo.

Há ainda que sublinhar que as estatísticas registam, frequentemente, as condenações e não os crimes. Nas estatísticas criminais falta, por vezes, o que se denomina "cifra negra". Ou seja, o número de crimes que nunca chegaram a ser descobertos ou que não foram punidos por falta de provas. Nesta linha, torna-se imperioso distinguir a criminalidade real da criminalidade aparente. Não é raro que se descubram os crimes e não os criminosos: algumas vezes não se encontram reunidos indícios suficientes contra estes e não chegam a ser julgados, ou são julgados e indevidamente absolvidos.

A falta de coincidência entre a criminalidade real e a aparente pode resultar também de outros factores e circunstancialismos que façam avolumar a segunda sem que a primeira, na verdade, tenha sofrido um acréscimo. É o que acontece, por exemplo, quando são qualificados novos factos como crimes, ou quando se aperfeiçoam e intensificam os meios de investigação policial e se passa, por isso, a descobrir mais crimes e a prender mais criminosos. O mesmo pode resultar de um aperfeiçoamento da investigação judicial ou do aumento ou diminuição do rigor repressivo dos tribunais. Por estas razões não se pode afirmar com segurança que as oscilações da criminalidade aparente coincidam com as da criminalidade real; ou que a um aumento ou diminuição da primeira corresponda um movimento da segunda no mesmo sentido e com idêntica amplitude.

 

Novas formas de criminalidade

Nas sociedades contemporâneas, surgem novas formas de crime e agudizam-se outras mais antigas: tráfico e consumo de estupefacientes, rapto de pessoas com fins políticos ou puramente económicos, branqueamento de capitais, fraude, corrupção, burla, facturas falsas, pirataria aérea, outros tipos de delinquência juvenil, crimes contra o ambiente, movimentos de contestação de certos grupos sociais, terrorismo, crime organizado, corrupção política, delitos praticados por funcionários superiores que se servem das suas funções para obterem lucros ilícitos chegando por vezes a desviar o próprio erário público, crimes fiscais, crimes económicos internacionalmente organizados, etc.

A internacionalização da nova criminalidade é mesmo uma das suas principais características. Os criminosos são favorecidos pela liberalização progressiva da regulamentação de circulação de pessoas e bens nas fronteiras e pelas melhorias técnicas dos meios de transporte e telecomunicações. Concomitantemente o desenvolvimento e "sofisticação"de actividades económicas e sociais, quer nacionais quer internacionais, criam cada vez mais situações propícias à prática de actos ilícitos.

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* Stela Barbas

Licenciada em Direito pela UAL. Docente na UAL.

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Dados adicionais
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