Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 1997 > Índice de artigos > dossier Portugal-Espanha > [As Relações Ibero-mediterrânicas e Ibero-americanas]  
- JANUS 1997 -

Janus 1997



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável


As Relações Ibero-mediterrânicas e Ibero-americanas

João Gomes Cravinho e Alexandra de Brito *

separador

O Desafio do Mediterrâneo

Um ano depois da Conferência de Barcelona permanece a esperança de um renovado impulso nas relações Euro-mediterrânicas, esperança que emagrece à medida que nos distanciamos no tempo das promessas e dos desejos nela expressos. Barcelona representou uma tentativa essencialmente da parte de dois países, Espanha e Itália, de equilibrar, com um impulso para sul, a atenção que a União Europeia dedica actualmente aos países do centro e leste europeu. A queda do muro de Berlim e a abertura política e económica dos antigos países socialistas suscitaram as atenções da França e da Alemanha, os dois grandes impulsionadores de uma política externa concertada da UE.

Para os países da Europa do Sul este impulso para Leste trouxe algum medo de marginalização no desenho de uma nova arquitectura para as relações da União com o mundo. Para contrariar esta tendência e reconquistar algum protagonismo, e com o beneplácito da França, país mediterrânico também, a Espanha e a Itália procuraram impor uma nova dinâmica às relações da Europa com os seus vizinhos do Sul. Esta vontade concretizou-se em Barcelona em Novembro de 1995, na grande Conferência que reuniu os chefes das diplomacias dos países da União Europeia e de doze países da orla sul do Mediterrâneo.

A reduzida dimensão política e económica de Portugal, e a postura habitualmente discreta da diplomacia nacional, significam que ninguém espera que Portugal marque decisivamente o rumo de uma eventual política externa e de segurança comum da UE. Pode no entanto contribuir para avolumar tendências impulsionadas por outros países e em relação ao Mediterrâneo existe uma sintonia com as políticas defendidas por Madrid.

A Espanha segue com alguma atenção os desenvolvimentos no Médio Oriente, em consequência do seu empenho no despoletar do processo de paz, mas tanto para Espanha como para Portugal é no Magrebe que se concentram as suas atenções mediterrânicas. A evolução política e económica do Magrebe é um tema recorrente das cimeiras anuais luso-espanholas, especialmente desde a assinatura em 1994 de protocolos de participação conjunta na construção e futura exploração do gasoduto euro-magrebino.

São três as principais preocupações de Portugal e Espanha em relação ao Magrebe. Em primeiro lugar a estabilidade política e a segurança da região é considerada de primeira importância pois o crescimento da violência política no Magrebe pode provocar uma emigração em grande escala em direcção à Península Ibérica. Em segundo lugar, a estabilidade e o crescimento económico representam as únicas possibilidades de responder ao rápido crescimento demográfico. A prazo, será inevitável que jovens magrebinos procurem na Europa, e em primeiro lugar nos países do Sul da Europa, os empregos que lhes faltam nos seus países de origem. E em terceiro lugar há um interesse muito específico que é a segurança do gasoduto euro-magrebino. Este gasoduto, que começa nos poços de gás da Argélia, atravessa Marrocos e entra na Península Ibérica pelo Estreito de Gibraltar, será de enorme importância estratégica para ambos os países ibéricos. Prevê-se que Portugal comece a receber gás natural argelino no segundo semestre de 1997.

As relações de Portugal com o Magrebe, já importantes durante os últimos anos do Governo de Cavaco Silva, assumiram uma importância redobrada no governo de António Guterres. Jaime Gama escolheu Marrocos para a sua primeira visita oficial pouco depois de ter assumido a pasta dos Negócios Estrangeiros. Em Julho de 1996 confirmou-se este interesse com a realização no Porto de uma Cimeira Luso-Marroquina na qual participaram os primeiros-ministros dos dois países e nada menos de cinco ministros de cada lado. Durante a cimeira, Guterres propôs a institucionalização de uma cimeira anual em moldes semelhantes aos da cimeira luso-espanhola, testemunhando de novo o empenho do seu governo nas relações com o Magrebe.

Outro passo importante foi dado por Jaime Gama em Maio de 1996 ao tornar-se o primeiro ministro de um país ocidental a visitar a Argélia desde as eleições que em Novembro de 1995 confirmaram Liamine Zéroual como Presidente. A visita simbólica de Gama reiterou o interesse do novo governo português em desenvolver fortes laços com os seus vizinhos magrebinos, tendo em vista a possibilidade – apenas hipotética por enquanto – de vir a beneficiar da área de comércio livre que está prevista para todo o Mediterrâneo até o ano 2010. A Espanha é, naturalmente, o grande rival de Portugal no comércio com os países do Magrebe, mas a sintonia de interesses políticos é, e será no futuro previsível, bastante mais importante.

A Declaração de Barcelona assinada durante a Conferência de Novembro de 1995 representou um processo de negociação entre os países da UE, e entre estes e doze países mediterrânicos, cada um com as suas preocupações e os seus interesses específicos. Os Quinze da UE estavam todos representados. Os outros países presentes (por vezes chamados países terceiros do Mediterrâneo, ou PTM) eram doze: Argélia, Chipre, Egipto, Israel, Jordânia, Líbano, Malta, Marrocos, Síria, Tunísia, Turquia e a Autoridade Palestina. O único país da região que não foi convidado foi a Líbia.

A Declaração contém três áreas de acordo: cooperação política e de segurança; cooperação económica e financeira; e cooperação social, cultural e humana. A cooperação política e de segurança compromete os signatários a trabalhar para o desenvolvimento da democracia e dos direitos humanos, salvaguardando o direito de cada país escolher a sua própria forma de organização política. Esta secção contém uma grande dose de ambiguidade, com referência por exemplo à Declaração Universal dos Direitos Humanos mas também a "instrumentos regionais", entre os quais se inclui a Declaração do Cairo sobre Direitos Humanos no Islão. Este instrumento contém uma visão dos direitos humanos que é claramente diversa daquela que aparece na Declaração Universal, pelo que cada parte pode fazer a interpretação que mais lhe convém quanto a esta componente.

Há também uma referência à necessidade de colaboração internacional para combater o terrorismo, uma cláusula controversa que só mereceu o apoio da Síria nas últimas horas da negociação. A cooperação económica e financeira é sem dúvida a parte mais importante da Declaração do ponto de vista dos países terceiros e de alguns países europeus. Nela, os signatários se comprometem a criar uma zona de comércio livre no Mediterrâneo gradualmente até o ano 2010, e a criar um clima favorável ao investimento estrangeiro. Para os países da margem sul este acordo oferece a esperança de partilharem o dinamismo e, a prazo, aproximarem-se das condições de vida da UE. Para os países europeus a esperança é que um tal acordo ofereça aos países do sul condições para aguentar os índices de desemprego que ameaçam levar vagas de emigrantes clandestinos para a Europa.

A cooperação social, cultural e humana é uma forma de responder ao problema da falta de conhecimento mútuo que marca o relacionamento secular entre a Europa e os seus vizinhos mediterrânicos. Esta área é aquela que merece menos empenho por parte dos signatários, pois tem resultados pouco palpáveis e nunca imediatos, se bem que todos a reconhecem como importante no desenvolvimento de melhores relações trans-mediterrânicas a longo prazo. (João Gomes Cravinho)

Topo Seta de topo

 

Portugal e Espanha perante a América Latina

As relações entre a América Latina e os países da Península Ibérica foram reforçadas dentro do quadro da Comunidade Europeia. Por outro lado, a entrada de Portugal e Espanha na Comunidade reforçou a ligação entre a Europa e a América Latina. No que diz respeito ao âmbito político, Portugal e Espanha desempenharam um papel importante no envolvimento da Comunidade Europeia no processo de paz na América Central nos anos 80. Destaca-se a importância das internacionais partidárias – no caso português e espanhol da internacional socialista – na contribuição de uma visão alternativa à da Guerra Fria adoptada então pela administração americana.

Tanto Portugal como Espanha participam numa série de diálogos políticos e/ou culturais com os países da América Latina. São os únicos países europeus que fazem parte das Cimeiras Ibero-Americanas, um fórum para o diálogo político-cultural que inclui Cuba. Participam com os restantes países da União Europeia no diálogo com o Grupo do Rio com os países da América do Sul, no diálogo de São José com os países da América Central e também no diálogo interparlamentar entre o Parlamento Europeu e o Parlamento Latino-Americano (Parlatino).

Hoje em dia, Espanha desempenha um papel destacado nas relações da União Europeia com Cuba, tendo com este país uma ligação pós-colonial particularmente forte. Espanha teve um papel importante na decisão da União de insistir no diálogo político com Cuba apesar da atitude negativa dos Estados Unidos face àquele país. As relações políticas portuguesas com a América Latina limitam-se essencialmente às suas ligações politico-culturais com o Brasil. Embora existam comunidades de portugueses imigrantes noutros países da região, tal como na Venezuela, Portugal por si só não tem relações muito fortes com os restantes países da região.

 

A desproporção dos números

No que diz respeito às relações económicas e comerciais, verifica-se o menor peso de Portugal relativamente a Espanha. Constata-se ainda que, apesar de um aumento progressivo no comércio e na cooperação, as relações de Portugal com a região são praticamente insignificantes em termos globais, tanto para Portugal como para os seus parceiros económicos Latino-americanos. 62.1% do investimento directo estrangeiro português entre 1992 e 1993 destinou-se aos países em desenvolvimento, embora apenas 0.9% tenha sido destinado à América Latina. Durante o mesmo período, a Espanha dirigiu 13.9% do seu investimento directo estrangeiro para a América Latina. De todo o investimento directo dos Estados Membros da União Europeia dedicada à América Latina, os investimentos portugueses são praticamente nulos; em contraste, o investimento espanhol representa 16.3% do investimento directo estrangeiro da União Europeia na América Latina. Entre 1983 e 1993 o Brasil recebeu 96.3% do investimento directo de Portugal na América Latina; o investimento espanhol está mais igualmente distribuído, entre a Argentina, o Brasil, o Chile, o Uruguai e a Venezuela.

Em 1992-93, a América Latina recebeu apenas 0.2% da ajuda pública para o desenvolvimento (APD) de Portugal; a Espanha contribuiu com 47.0% da sua APD durante o mesmo período. Apesar de quase insignificante, a ajuda tem aumentado. Em 1990, a APD portuguesa para a América Latina representava 0% do total da APD; em 1993, já representava 0.2%. A APD portuguesa para América Latina destina-se em 69.4% ao Brasil; segue-se o México com 30.6%. A tendência foi para a concentração da ajuda no Brasil, já que entre 1983 e 1993, a distribuição era de 78.0% e 22.0% respectivamente; a distribuição espanhola é mais equitativa.

As exportações de Portugal para a América Latina em 1994 concentraram-se nos produtos manufacturados, nomeadamente nas indústrias básicas (14.5%), e nas máquinas e equipamentos transportadores (42.7%). Em segundo lugar estão os produtos alimentares (6.45%), as matérias-primas (7.3%), e os azeites (8.1%). A Espanha tem um perfil similar, embora sejam mais altos os valores das exportações manufacturadas e inferiores as alimentares. Relativamente ao total exportado pela União Europeia para a América Latina, as exportações portuguesas em 1994 representavam apenas 0.6% do total, enquanto que as espanholas representavam 12.0%.

No que diz respeito às importações da América Latina dos países da União Europeia no mesmo ano, a percentagem de Portugal foi apenas 2.3% enquanto que para a Espanha a percentagem foi 9.9%. Finalmente, no que diz respeito à evolução do comércio com a América Latina, este tem vindo a aumentar. Entre 1983 e 1993, as importações portuguesas aumentaram 13.7%. Em 1991 aumentaram em 1.8%. Houve uma queda bastante drástica em 1992 de 18.6% e um novo aumento de 7.3% em 1994.

O crescimento das importações espanholas da América Latina tem sido menor, embora os valores sejam bastante mais altos que os portugueses. No que diz respeito às exportações de Portugal para a América Latina, estas têm vindo a aumentar progressivamente, dando um salto nos últimos anos, com aumentos de 28.7% em 1993 e de 86.9% em 1994. A tendência espanhola tem sido também para o crescimento, embora mais regular e com valores muito superiores aos portugueses. (Informação estatística, IRELA, 1995).

 

Brasil

Não há dúvida de que o parceiro preferencial de Portugal na América Latina é o Brasil. Entre 1990 e 1995 as exportações portuguesas para o Brasil aumentaram uma média anual de 20%. No entanto, os números são ínfimos. Em 1994, o ano "auge" de comércio com o Brasil, apenas 0.5% das exportações de Portugal e 1.5% das suas importações eram com o Brasil. Portugal tem um déficit comercial com o Brasil. Durante os primeiros nove meses de 1995, Portugal exportou 27 milhões de contos para o Brasil e importou no valor de 50 milhões de contos. O projecto mais importante que existe entre Portugal e Brasil é uma joint-venture entre a Portugal Telecom e a Telebras para instalar um cabo de fibra óptica, o "Cabo Cabral" entre a Europa e América Latina e que passará por Cabo Verde. (Alexandra de Brito)

separador

* João Gomes Cravinho

Doutorado em Ciências Políticas pela Universidade de Oxford. Professor Auxiliar na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

* Alexandra de Brito

Doutorada em Ciência Política. Investigadora associada IERLA, Madrid.

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2004)
_____________

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores