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Taxa Tobin: os ajustes num mundo injusto

Raquel Ferreira e Sérgio Nunes *

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A Taxa Tobin proposta inicialmente em 1972, visa reduzir a vulnerabilidade das economias aos movimentos especulativos de capitais, originada pelo fim do sistema de câmbios fixos de Bretton Woods. Consiste na cobrança de uma taxa que varia entre 0,1 e 0,5% sobre todas as transacções cambiais, com o objectivo de reduzir os movimentos especulativos, normalmente de curto prazo. A menor volatilidade do mercado monetário resultante da aplicação da taxa teria como consequência a recuperação da capacidade de protecção das moedas ao nível nacional, face à desvalorização e crises financeiras.

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James Tobin, quando em 1992 referiu que a sua proposta de uma taxa sobre todas as operações cambiais se tinha afundado “como um calhau”, certamente não esperava as inúmeras manifestações de apoio que se seguiram nos debates antiglobalização. Nestes, muito comuns quando se reúnem os G7, é corrente ouvir-se defender a implementação da taxa para assim acabar com os nossos “males”.

A polémica em redor da taxa Tobin é grande. Muitos consideram que nela se encontra um importante contributo para a resolução de problemas de estabilidade gerados pela globalização e liberalização financeira e para o combate à pobreza e à fome. Outros, mais cépticos, apesar de terem uma noção clara das fragilidades que ameaçam os vários países, consideram que a solução não se encontra na implementação de uma medida bastante controversa.

 

Objectivos da taxa Tobin

A taxa, conhecida pelo nome do economista que inicialmente a propôs em 1972, James Tobin, visa reduzir a situação de vulnerabilidade aos movimentos especulativos que o fim do Sistema de câmbios fixos de Bretton Woods deixou às economias (ver caixa). A proposta, que tem sofrido algumas alterações, consiste na cobrança de uma taxa, que varia entre 0,1% e 0,5%, sobre todas as transacções cambiais, prevendo-se, desta forma, a redução dos movimentos especulativos, que são essencialmente de curto prazo. A menor volatilidade verificada no mercado monetário, resultado da aplicação da taxa, teria como consequência a recuperação da capacidade dos países, através da política monetária, protegerem as suas moedas face a desvalorizações e a crises financeiras (1).

Segundo Tobin, este regime, aliado à perfeita mobilidade de capitais, gera enormes movimentos de fundos, daí a necessidade de “lançar areia nas rodas bem oleadas” do mercado financeiro. Os que defendem a taxa estão convictos de que muitas das crises que caracterizaram o século XX, como as crises asiáticas e da América Latina, seriam evitadas se tivesse sido introduzida atempadamente uma barreira à especulação financeira.

Actualmente, a discussão em torno da taxa Tobin, recuperada por algumas organizações internacionais, das quais se destaca a organização francesa ATTAC (Associação por uma Taxação das Transacções Financeiras para Apoio aos Cidadãos) (2), centra-se na necessidade de combater a fome e a pobreza, através da transferência das receitas obtidas (3).

Mas como poderia a taxa Tobin resolver os problemas que surgem com a liberalização financeira e que afectam muitos países? A aplicação de um mecanismo que garanta aos governos a recuperação da política monetária para fazer face ao ciclo económico é uma solução apontada. Este mecanismo, a taxa Tobin, tenderia a reduzir as transacções feitas na moeda doméstica, a entrada e saída de moeda estrangeira e os desgastes que a convertibilidade da sua moeda, através da variação das relações de troca, gera em toda a economia. A própria existência de uma taxa, mesmo que pequena, serviria como elemento dissuasor para quem pretenda recorrer regularmente ao mercado para as suas aplicações especulativas, pois estas, como implicam a realização de várias operações, tornariam (com o pagamento da taxa) os custos significativos.

 

Dificuldades na implementação da taxa

Dadas as vantagens decorrentes da aplicação da taxa, um país teria todas as vantagens em adoptá-la. No entanto, reúne algum consenso a ideia de que a taxa Tobin não deva ser aplicada unilateralmente. Considera-se que, sendo o mercado cambial descentralizado, não regulamentado e bastante volátil, o país que proceda desta forma sofrerá uma grande saída de capitais do seu território. A alternativa muitas vezes apontada seria de aplicar a taxa a nível mundial. No entanto, esta não é muito praticável porque teria de reunir o consenso entre todos os países, o que é difícil, e porque existiria um grande incentivo de desvio, pois, por forma a atrair capitais, alguns países estariam interessados em não adoptar a taxa.

Face ao exposto, visiona-se difícil a implementação da taxa Tobin. Heikki Patomäki, num paper intitulado “The Tobin Tax: A New Phase in the Politics of Globalisation”, apresenta uma forma de ultrapassar estas dificuldades. Sugere a introdução da taxa em duas fases. Uma primeira, caracterizada pela adopção da referida taxa por apenas um grupo de países, e, uma segunda, caracterizada pela sua generalização por todos os países.

Neste contexto, o exemplo da União Europeia é muitas vezes apontado, visto que estaria em condições de implementar a taxa Tobin sem que isso afectasse os investimentos estrangeiros, pois esses são movidos essencialmente por motivos relacionados com as características específicas deste espaço, capazes de concorrer com as vantagens oferecidas pelos paraísos fiscais.

Contudo, com a entrada em circulação de uma moeda única, o euro, resultado da crise do Sistema Monetário Europeu de 1992, a importância que teria a introdução de uma taxa sobre os movimentos de capitais, num espaço mais seguro de movimentos especulativos, seria reduzida. Este assunto tem sido debatido, com algumas reservas, no seio da União Europeia.

A não adopção de taxa Tobin por um grande espaço económico, como é o caso da União Europeia, tem grandes implicações no debate que medeia em torno desta questão. Por um lado, afecta claramente os actuais objectivos de lutar contra a pobreza e a exclusão sociais, visto que não seriam recolhidos fundos necessários para esse fim e, por outro lado, levaria outros países a tomar a mesma decisão.

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Dificuldades na prossecução dos objectivos da taxa

Analisados os dilemas com que se deparam os países para a adopção da Taxa Tobin, importa também analisar os seus efeitos, admitindo que fosse reunido consenso para a sua aplicação.

De facto, muitas condicionantes podem influenciar os resultados da aplicação da taxa Tobin. Uma delas deriva do facto de esta ser colectada pelos governos nacionais. Basta olhar para a forma de organização do sistema fiscal português para entender que a fuga ao pagamento da taxa seria elevada. É certo que os países ditos ricos têm um sistema organizativo diferente e mais eficiente na colecta dos seus impostos, mas a existência de países que não consigam ou que não cumpram as suas obrigações traz um elemento distorcivo a todo o processo, levando a que parte do capital fosse desviado para esses locais, resultando assim numa discrepância entre o montante devido e o colectado. Poder-se-ia admitir a existência de um organismo internacional regulador, mas esse em nada poderia ajudar a problemas crónicos de desorganização e não poderia substituir-se aos governos na sua função de controlo e implementação da taxa.

A redução do montante colectado seria ainda agravada com o aparecimento de novos produtos financeiros, capazes de fugir ao pagamento da taxa e com a dificuldade em controlar todas as transacções efectuadas no mercado cambial. Perante estas dificuldades a ATTAC aponta uma solução: aproveitar a infra-estrutura de pagamentos interbancários. Esta, por ser organizada, centralizada e regulada e tendo como principal finalidade controlar o volume de troca de moeda estrangeira, enquanto protege a integridade e estabilidade do sistema financeiro internacional, permitiria implementar a taxa de uma forma transparente e barata, uma vez que estar-se-ia a aproveitar a tecnologia de processamento de pagamentos já existente. A forma como se processaria a aplicação da taxa seria simples.

A existência da Sociedade das Telecomunicações Financeiras Interbancárias no Mundo (SWIFT), que actualmente funciona como um sistema de pagamentos virtual em moeda estrangeira, permitiria obter informações acerca de todos os pagamentos efectuados. Assim, e evitando qualquer possibilidade de fuga, os bancos centrais teriam oportunidade de recolher o montante do imposto devido, visto serem a entidade reguladora de todo o sistema bancário.

Um outro problema que se coloca diz respeito ao organismo regulador. Alguns defendem, seguindo a linha proposta pelo próprio Tobin, que as instituições criadas em Bretton Woods, o Banco Mundial e o FMI, seriam as mais indicadas. Contudo, é mais ou menos consensual que estas instituições sofrem de várias lacunas. O FMI, desgastado após a sucessão de crises da década de 90, está completamente descredibilizado (4) e não tem propriamente competências na área da fiscalidade. Estas dificuldades não deveriam ser um impedimento para a aplicação da taxa, na medida em que poderia ser criado de raiz um novo organismo internacional, unicamente vocacionado para a aplicação e regulação da taxa Tobin. Este teria como finalidade estipular as taxas, os regimes de isenção e as formas de colecta do imposto. Entende-se que, por ser difícil a reunião de consenso em torno destas questões, não seria fácil a criação de tal organismo.

Finalmente, existe ainda um outro entrave para que a taxa tenha de facto os efeitos na redução da pobreza que muitas organizações pretendem. Admitindo que fosse possível colectar os montantes devidos de imposto, resultado de todas as transacções financeiras, não existem garantias de que a parte que caberia aos países pobres fosse aplicada de forma produtiva e de acordo com os interesses das populações. É do conhecimento geral que estes países são caracterizados por casos de corrupção dos seus dirigentes políticos e pela guerra e que os interesses económicos são controlados por empresas com sede em países mais ricos. Por estas razões é que os mais cépticos na aplicação da taxa Tobin, consideram que ela não é nenhum remédio milagroso e que a resolução dos problemas que assolam os países pobres passa por outras alternativas.

 

Conclusão

A taxa Tobin é por alguns apresentada como um instrumento que poderia resolver não só os problemas que a volatilidade dos mercados financeiros geram nos países, como a sua maior susceptibilidade a crises financeiras e a sua incapacidade de utilizar instrumentos de política monetária para fazer face a essas mesmas crises, mas também o problema do crescente fosso entre ricos e pobres. São notórias as dificuldades de encontrar um consenso entre todos os países não só em termos políticos, mas também em termos técnicos.

Verifica-se alguma abertura por parte de alguns países, nomeadamente a França e o Canadá, visto terem já encomendado estudos em torno desta questão, e dos seus políticos, maioritariamente de esquerda.

Aqueles que a defendem têm desenvolvido um esforço claro para melhorar a proposta inicial de Tobin, por um lado, para eliminar os problemas que os países têm na sua aplicação e, por outro, para garantir uma maior eficiência na prossecução dos seus objectivos.

Actualmente, impõe-se uma tomada de consciência de que a economia mundial, com os fenómenos da globalização e do cibercapitalismo, não está a funcionar de forma equilibrada e que isto a todos diz respeito. Apesar das fragilidades que podem advir da sua aplicação, a taxa Tobin permite, não só garantir um ambiente mais estável, aspecto fulcral para um desenvolvimento sustentável, como também os recursos necessários para iniciar o combate às desigualdades que caracterizam os vários países. Apesar dos fortes argumentos contra a taxa discutidos neste artigo serem válidos, negar a sua importância implica adiar a resolução de um problema que se agrava.

O debate em torno desta questão sugere que existem algumas preocupações, mas tudo indica que a proposta de Tobin vai de facto “afundar-se como um calhau”. Contudo, há calhaus que insistem em não se afundar.

 

Informação complementar

A Proposta de Tobin

James Tobin, com o Prémio Nobel da Economia em 1980, apresentou pela primeira vez a sua proposta em 1972, num artigo intitulado “The New Economics One Decade Older”. Contudo, só após os problemas verificados com o fim do sistema de Bretton-Woods, as crises petrolíferas, a queda do dólar e a intensa especulação em várias moedas, é que a ideia passou a ter maior protagonismo.

De inspiração keynesiana, Tobin sugeriu, no seu trabalho original, duas alternativas para solucionar os problemas com que se deparavam as economias. A primeira consistia na criação de uma unidade monetária única. Para justificar esta proposta, que o próprio considera, apesar de melhor, inviável, usa o exemplo americano. Argumenta que todos os movimentos de capitais com fins especulativos que se desenrolam em território norte-americano não geram distúrbios ou qualquer tipo de necessidade de ajustamento interregional.

A solução second best, em que ele aposta para solucionar a crise internacional, consiste na maior segmentação dos países e das suas moedas, através da cobrança de uma taxa sobre todas as transacções feitas em moeda estrangeira. Teria de ter concordância internacional e seria aplicada pelos governos nacionais. Esta medida, enquadrada em organizações internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, teria como intuito limitar as variações da taxa de câmbio às quais não são indiferentes todos os sectores das economias nacionais. Defensor de um regime de câmbios flexíveis, visto considerar que desta forma os preços reflectem os fundamentos da economia, Tobin não pretende introduzir barreiras ao comércio, nem prejudicar os investimentos de médio e longo prazos.

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1 De acordo com o modelo Mundell-Fleming, num regime de câmbios flexíveis, com mobilidade de capitais, a política monetária é eficaz no objectivo de aumento do produto. Assim, para fazer face a grandes movimentos especulativos na moeda, com efeitos óbvios na taxa de câmbio e logo no produto, a política monetária era usada unicamente para esse fim. Daí referir-se que com a taxa Tobin, e a consequente menor volatilidade da taxa de câmbio, os governos nacionais recuperam a política monetária.
2 A ATTAC foi fundada em França a 3 de Junho de 1998, na sequência de um artigo de Ignacio Ramonet publicado no jornal “Le Monde Diplomatique”, intitulado “Desarmar os Mercados”.
3 Segundo um estudo elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), a aplicação de uma taxa de 1% originaria receitas na ordem dos 720 mil milhões de dólares, a serem repartidos pelos governos que cobram a taxa e pelos países pobres.
4 A recusa dos governos da Malásia e da China dos conselhos do FMI, aquando da crise que assolou todo o Sudeste Asiático, foi um dos factos mais marcantes da perda de credibilidade desta organização.

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* Raquel Ferreira

Licenciada em Economia. Investigadora do CIRIUS.

* Sérgio Nunes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Economia e Gestão do Território pelo ISEG. Docente no Instituto Politécnico de Tomar.

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