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Janus 2003



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Os movimentos de consumidores

Vitor Nogueira e Ana Miranda *

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O movimento cooperativista dos consumidores nasceu do pensamento liberalista de que as escolhas individuais e racionais dos consumidores têm uma influência decisiva sobre o sistema económico. As suas origens remontam também aos movimentos utópicos ou reformistas nascidos no final do séc. XIX, de onde recolheu a ideia do alcance de uma sociedade mais justa através da abolição do lucro e dos intermediários. O movimento cooperativista dos consumidores nasceu da evolução destas correntes de pensamento, apresentando-se actualmente com iniciativas como o consumo ético ou o comércio justo.

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O processo da globalização tem sido associado a uma crescente integração económica, tecnológica, cultural e comunicacional e a alterações significativas do poder dos principais actores económicos e políticos.

As grandes transformações ocorridas, em especial desde a década de 90, trouxeram consigo o fim dos blocos e a vitória do capitalismo neoliberal, a adopção, em muitos países, de democracias multipartidárias e a ratificação de numerosas convenções e regulamentos internacionais (direitos humanos, telecomunicações, limites da emissão de poluentes, etc). Parte destes ordenamentos constitui uma complexa teia legislativa proveniente das organizações intergovernamentais (UN, FAO, OMS; OIT; OCDE; OMC; UE, etc) e estão relacionados com o consumo.

 

Os limites do movimento dos consumidores

No entanto, a globalização frustrou as expectativas de um mundo mais desenvolvido, equilibrado e justo.

A mundialização financeira e dos mercados acentuou disparidades sociais, riscos ambientais e crises financeiras, situações que oferecem ao movimento global dos consumidores oportunidades de intervenção fora do quadro de interesses nacionais ou regionais, guerras comerciais, ou dos poderes instalados. Estará ele à altura do desafio?

Herdeiro tanto do liberalismo individualista como de movimentos de emancipação social, o movimento dos consumidores nunca chegou a consolidar uma identidade, reflectindo tanto as ambiguidades e limites que lhe estão na origem, como a influência dos poderes político e económico. Do liberalismo recebeu a ilusão de que as escolhas individuais e racionais dos consumidores teriam influência decisiva sobre o sistema económico.

A publicação de testes comparativos ou a exigência de transparência comercial (identificação da publicidade, rotulagem compreensiva, rastreabilidade de produtos alimentares) são exemplos de uma intervenção consumerista que privilegia a informação e a intervenção dentro do sistema.

Dos movimentos reivindicativos contra a fome ou a carestia de vida – sobretudo de raiz sindical – decorreu uma perspectiva defensiva, politicamente subsidiária, operando mais sobre as consequências do que sobre as causas dos problemas.

Outros movimentos nascidos no final do século XIX, utópicos ou reformistas, pretendiam vir a chegar a uma sociedade mais justa através da abolição do lucro e dos intermediários.

O movimento cooperativista de consumidores nasceu deste pensamento e prossegue hoje com iniciativas como o consumo ético, ou o comércio justo, numa dimensão relativamente marginal. Os movimentos mais radicais, que no passado organizaram boicotes contra o consumo de produtos provenientes de certos países, por exemplo, da África do Sul durante o apartheid, também constituíram actos relativamente isolados.

O movimento social dos consumidores, em termos globais, mais do que transformar o sistema, preocupou-se em reagir aos problemas e em proteger o consumidor, numa intervenção institucional progressivamente mediatizada. Os Estados reconhecerão esse papel, enquadrando-o progressivamente como parceiro social.

Em países com sociedades civis fortes, as associações de consumidores passaram a integrar estruturas paritárias ou orgãos de consulta, negociação e resolução de conflitos, sem deixarem de actuar como grupo de pressão, a nível nacional ou internacional. Mas, em alguns casos, esta institucionalização implicou também crescente dependência financeira dos Estados e uma discutível representatividade e responsabilização política de algumas dessas associações.

 

Os consumidores e os novos riscos

A crise provocada pela doença das vacas loucas veio alarmar os consumidores sobre a qualidade e os riscos para a saúde pública no consumo alimentar. Tratava-se de um produto considerado essencial, relativamente ao qual operadores económicos, instituições públicas e governos tinham garantido total qualidade e segurança. Esta não era mais uma fraude económica, como a da intoxicação com óleo de colza em Espanha, ou o resultado de um acidente de produção, como os de Seveso, ou Bhopal.

Num curto espaço de tempo, seguiram-se a contaminação de queijo por listéria em França, a contaminação de frangos com dioxinas na Bélgica e a polémica sobre os perigos dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM). As estruturas públicas ou as associações do consumidores não tinham sido capazes de prever estes riscos, nem estavam em condições de dar respostas. Além disso, aos olhos da opinião pública aparecia como factor suplementar de inquietação a ausência de responsáveis, a incapacidade da comunidade científica em definir limiares de risco, a divisão de opiniões dos especialistas, ou até as relações suspeitas de alguns com os interesses dos produtores.

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Os novos riscos resultavam da existência de efeitos a longo prazo não considerados nos estudos prévios dos produtos, da acção de contaminantes laboratorialmente indetermináveis e, ainda, de efeitos não susceptíveis de investigação em ambiente laboratorial.

As prioridades do debate da defesa do consumidor foram, significativamente, alteradas, passando a constituir temas essenciais a forma de produzir alimentos, a segurança dos produtos, a ligação do consumo às questões ambientais e, de modo mais lato, o comportamento das empresas e a necessidade de questionar as estratégias de crescimento económico.

As estruturas dos consumidores, centradas na lógica do estudo do produto e vocacionadas para a resposta às questões imediatas e para a realização de testes comparativos, mostraram os limites e a incapacidade da sua intervenção.

Não questionando os modos de produção, a análise das interacções de riscos, a admissão da possibilidade de ligações não previstas, os efeitos do sistema sobre os fenómenos, as consequências a longo prazo dos consumos, ficaram presos ao passado.

 

Novos desafios

A realidade mostrou-se muito mais complexa do que os modelos de estudo, até aí utilizados, sugeriam. Consumos comuns e essenciais, como a alimentação, revelaram insuficiências do processo produtivo, de investigação científica, de enquadramento legislativo, de capacidade de fiscalização, bem como défices de responsabilização que ultrapassaram largamente as visões mais pessimistas.

A globalização dos mercados também veio pôr a nu as circunstâncias em que, muitas vezes, se obtêm acréscimos de competitividade – a ausência de direitos laborais, o trabalho forçado, a exploração de trabalho infantil. Empresas e instituições internacionais (como as UN e a UE) têm dado uma atenção crescente à responsabilidade social das empresas e grande número de consumidores passou a considerar como critérios de compra aquilo que se convencionou chamar consumos éticos.

Em resposta a estas novas questões, os movimentos dos consumidores têm vindo a reforçar internacionalmente a sua influência institucional, com a participação nos processos legislativos, a denúncia de situações, a sensibilização e informação pública.

Em muitos países, a sua intervenção favorece o desenvolvimento de novas formas de cidadania, acesso e alargamento da justiça (acções colectivas, protecção de interesses difusos, por exemplo), de protecção dos direitos, desenvolvimento de deveres de solidariedade social e ambiental. A sua agenda reflecte, de certa maneira, as principais preocupações dos meios em que operam, sejam a realização de campanhas públicas de higiene, o acesso a necessidades básicas ou a luta contra as patentes – como no caso dos medicamentos para a SIDA, seja a resolução de conflitos de consumo transfronteiriços, a protecção da privacidade ou de acções comerciais agressivas.

No entanto, num momento em que as preocupações económicas, sociais, ambientais, laborais, tecnológicas, de saúde ou de segurança se cruzam na perspectivação de um desenvolvimento sustentável para a Humanidade, poucas são as associações de consumidores que têm uma perspectivação estratégica e organizativa sobre a matéria. Em situações em que os Estados e as organizações internacionais, respondendo às opiniões públicas, já incluem cláusulas sociais em acordos comerciais, as organizações de consumidores parecem continuar a seguir e não a liderar esses movimentos.

Poucas utilizam criativamente os novos media, os recursos tecnológicos actuais e as capacidades de intervenção em rede, parecendo privilegiar o quadro institucional e aceitando os processos de mudança que a realidade mundial impõe. É uma acção que procura gerar equilíbrios e definir limites dentro da lógica do mercado sem criar dinâmicas autónomas.

 

Informação complementar

BREVE SÍNTESE HISTÓRICA DO MOVIMENTO DOS CONSUMIDORES

1929 – Nos EUA, é criada a Consumers Research, associação com o objectivo de avaliar os produtos à venda e apresentar os resultados.

1936 – Nos EUA, é fundada a Consumers Union. Pela primeira vez, uma associação divulga ensaios comparativos realizados em laboratórios próprios.

!947 – Na Dinamarca, é criado o Conselho Dinamarquês dos Consumidores a partir de várias organizações femininas.

1953 – Na Alemanha, surge a Federação das Uniões dos Consumidores que agrega associações de natureza diversa.

1953 – Na Noruega, é criado o Conselho dos Consumidores, instituição oficial.

1956 – Na Suécia, é criado o Conselho Nacional de Consumo, organismo público.

A União Central das Cooperativas de Consumo selecciona os produtos em função dos interesses dos consumidores.

1957 – Em Inglaterra, surge a Consumers Association. Esta associação publica a Revista “Witch”.

Anos 50, em França, é constituída a Union Féderale des Consommateurs e começa a ser publicada a Revista “Que Choisir”. Esta federação inclui associações e serviços governamentais.

1960 – É constituída a IC.

1962 – É fundado o BEUC.

1974 - É criada a Deco – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor.

 

BEUC

Bureau Européen des Unions des Consommateurs

consumers@beuc.org

O BEUC foi constituído por sugestão da Comissão da UE e agrupa a generalidade das associações de consumidores europeias.

Produz informação própria (“ Euro-Test” ) e coordena as proposta legislativas a nível comunitário, funcionando como lobby junto das instituições comunitárias.

Considera temas prioritários: Integração da política dos consumidores em todas as políticas da EU, Segurança Alimentar, Comércio Electrónico.

 

CONSUMERS INTERNATIONAL

http://www.consumersinternational.org

Fundada em 1960 por cinco associações, agrupa, actualmente, 273 membros de 121 países diferentes.

Promove, a nível mundial, a cooperação para a protecção, informação e educação dos consumidores.

Mantém representação permanente na ONU.

Aceita como membros organizações independentes ou financiadas pelos Estados.

Considera prioritários os seguintes temas: Alimentação, Trocas Comerciais, Ambiente, Comércio Electrónico, Legislação, Publicidade, Saúde e Normalização.

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* Vitor Nogueira

Licenciado em Economia pelo ISEG. Pós-graduado em Ciência Política pelo ISCTE. Membro da Comissão de Peritos em Educação do Consumidor da DG SanCo da Comissão Europeia. Assessor principal do Instituto do Consumidor.

* Ana Miranda

Licenciada em Sociologia. Pós-graduada em Sociologia do Consumo pelo ISCTE. Directora da Unidade Técnica do Observatório do Comércio. Assessora principal do Instituto do Consumidor.

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