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Janus 2003



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Terrorismo e Direitos Humanos

Patrícia Galvão Teles *

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O combate ao terrorismo vem suscitar dois problemas complexos no que diz respeito à problemática dos direitos humanos: por um lado o direito da população civil em ver reforçada a sua própria segurança, por outro lado o direito à protecção dos direitos humanos fundamentais, que deve ser assegurada mesmo aos alegados terroristas. Há que estabelecer um equilíbrio entre os direitos humanos das vítimas e dos suspeitos de terrorismo e os direitos dos cidadãos em geral, que podem ver as suas liberdades fundamentais afectadas e restringidas pelas medidas tomadas em nome da luta contra o terrorismo.

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O termo e o conceito “terrorismo” datam provavelmente da revolução francesa e do regime de terror dos jacobinos (1793-94), modelo moderno do terrorismo de Estado. Porém, o terrorismo praticado por indivíduos e grupos tem as suas raízes num período muito mais distante. Desde pelo menos a Antiguidade, há notícia de assassinatos políticos, raptos ou tomada de reféns. Mas é a partir do século XIX e sobretudo durante o século XX que ataques terroristas contra o Estado ou governos atingem proporções verdadeiramente preocupantes. Durante a descolonização, o terrorismo aparece também ligado ao fenómeno da autodeterminação.

O aforismo frequentemente repetido de que o terrorista para uns, é um libertador (freedom fighter) para outros, mostra bem a dificuldade em chegar a uma definição jurídica aceitável de terrorismo. Porém, parece hoje aceitar-se que o terrorismo é sempre ilícito, mesmo que o fim político que pretende alcançar seja legítimo.

O Dicionário da Academia das Ciências, por exemplo, consagra as duas acepções da definição da terrorismo. Por um lado trata-se de um “sistema de governo que visa impor a sua autoridade pela violência, pelo terror”, por outro também da “prática de actos de violência, de atentados contra pessoas e bens executados por um movimento clandestino em luta contra o poder estabelecido”. Este dicionário acrescenta que “o terrorismo pretende gerar a insegurança e o medo”.

Não existe hoje, porém, uma definição abrangente de terrorismo geralmente aceite. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional, adoptado em Roma em 1998 e que entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2002, não incluiu o terrorismo como crime internacional.

Desenvolveu-se, no entanto, um consenso quanto à qualificação de determinados actos de terror como crimes, independentemente da sua motivação, o que permitiu enormes avanços na luta internacional contra o terrorismo, embora apenas contra aspectos parcelares, como ilustrado neste Janus em “A ONU e o combate ao terrorismo”.

O direito internacional humanitário proíbe igualmente os actos terroristas contra civis em tempo de guerra, seja ela um conflito internacional ou uma guerra civil.

Este combate contra o terrorismo e a sua proliferação, que atingiu o seu auge no pós-11 de Setembro, vem suscitar dois complexos problemas em sede de direitos humanos:

por um lado, o direito da população civil em ver reforçada a sua protecção contra o terrorismo, pois o terrorismo coloca em perigo os direitos humanos e a democracia; por outro, a necessidade de proteger os direitos fundamentais dos alegados terroristas, pois existem standards que não devem ser afastados mesmo no caso de medidas antiterrorismo.

É assim bem evidente a ligação intrínseca e plural entre terrorismo e direitos humanos. Os actos terroristas são uma ameaça contra os direitos humanos, liberdades fundamentais e democracia. São actos praticados contra a população civil, para criar medo e tentar obter ganhos políticos.

A Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas considerou em 2002 que o terrorismo cria um ambiente que destrói o ideal dos direitos humanos. Mas, por outro lado, há que estabelecer um balanço entre os direitos humanos das vítimas e dos suspeitos de terrorismo e dos cidadãos em geral que podem ver as suas liberdades fundamentais afectadas pelas medidas tomadas em nome da luta contra o terrorismo.

 

Terrorismo constitui uma violação de direitos humanos?

É necessário distinguir, como o fizemos acima, o terrorismo de Estado do terrorismo praticado por indivíduos ou grupos de indivíduos. O primeiro constitui evidentemente uma violação de direitos humanos, sendo proibido pelas próprias disposições normativas que consagram a protecção internacional dos direitos humanos e que impõe determinados padrões de comportamento ao Estado vis-à-vis dos seus nacionais.

Os actos terroristas praticados por indivíduos ou grupos são à partida, pelo contrário, apenas crimes, que podem ter um carácter meramente nacional ou também internacional se proibidos por tratados. Estes actos colocam em causa o direito à vida, liberdade e segurança.

A Declaração e Programa de Acção de Viena (VDPA), adoptada em 1993 na última Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, considera que “os actos, métodos e práticas de terrorismo sob todas as suas formas e manifestações, bem como a sua ligação, em alguns países, ao tráfico de estupefacientes, são actividades que visam a destruição dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia, ameaçando a integridade territorial e a segurança dos Estados e destabilizando Governos legitimamente constituídos.”

A Assembleia Geral, a Comissão dos Direitos do Homem e a Subcomissão para a Promoção e Protecção dos Direitos Humanos das Nações Unidas têm condenado de um modo consistente (ver caixa) o terrorismo em todas as suas formas por visar destruir os direitos humanos, a democracia e as liberdades fundamentais e a sociedade civil e plural.

A relação entre o terrorismo e os direitos humanos tem, no entanto, sido um tema muito polémico e muito discutido nestes órgãos das Nações Unidas, sobretudo após a VDPA ter estabelecido pela primeira vez a ligação entre terrorismo e direitos humanos, no seu parágrafo 17 nos termos acima referidos. A maior divergência prende-se com a qualificação dos actos de terrorismo praticados por entidades não-estatais como violações de direitos humanos, que tem sido consagrada nas resoluções da Comissão dos Direitos do Homem, embora com a oposição de vários Estados, designadamente dos membros da União Europeia.

Para além deste aspecto mais polémico, a Comissão dos Direitos do Homem e os outros órgãos da Organização têm adoptado resoluções em que se referem ao impacte negativo ou destrutivo do terrorismo relativamente aos direitos humanos, designadamente no que diz respeito ao direito à vida e ao direito de viver em liberdade e sem medo. Estas resoluções condenam o terrorismo e consideram que este fenómeno nunca pode ser justificado. Referem, por outro lado, que o combate ao terrorismo – através de medidas antiterroristas – deve ser levado a cabo no respeito pelo direito internacional e pelos standards de direitos humanos, enfatizando a necessidade de fortalecer o papel das Nações Unidas a este respeito.

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Quem pode violar os direitos humanos: o Estado ou grupos de indivíduos?

A grande controvérsia gira em torno da questão de saber se os grupos terroristas podem violar direitos humanos. Segundo uma abordagem tradicional, os direitos humanos são protegidos e violados pelo Estado, porque os direitos humanos envolvem obrigações do Estado para com os seus nacionais, e não de grupos de indivíduos para com esses mesmos cidadãos. Por outro lado, o terrorismo deve distinguir-se do conceito de conflito armado, que despoleta a aplicação de uma série de regras que podem ter por destinatários grupos infra-estaduais. Mas de há uns anos a esta parte tem-se verificado uma evolução (cf. o próprio direito internacional humanitário, que proíbe actos terroristas contra população civil em tempo de conflito armado) no sentido de se considerar que grupos de indivíduos podem violar direitos humanos, como por exemplo, as organizações terroristas, os movimentos de libertação nacional ou até mesmo as empresas multinacionais.

Tem-se verificado também, como acima referido, uma tendência no sentido da criminalização internacional (e não apenas interna) dos actos terroristas, conferindo os tratados internacionais em matéria de terrorismo uma jurisdição universal relativamente aos crimes aí previstos. Trata-se sempre, em todo o caso, pelo menos de um fenómeno criminoso e, por isso, as convenções internacionais na matéria criminalizam os actos e consagram o princípio segundo o qual o Estado deve extraditar ou punir (aut dedere aut judicare) os suspeitos de terrorismo em seu poder. Porém, o terrorismo não se encontra incluído no estatuto do Tribunal Penal Internacional, nem autonomamente (como chegou a ser proposto pela Alta Comissária para os Direitos Humanos), nem como integrando a noção de crimes contra a humanidade, embora se possa admitir que quando determinados actos terroristas alcancem a magnitude dos praticados no dia 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, existem fortes argumentos no sentido de os considerar como integrando este tipo penal.

 

Informação complementar

Balanço entre direitos humanos e segurança

A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e várias ONG’s de Direitos Humanos, como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, demonstraram veementemente a sua preocupação sobre o balanço entre direitos humanos e segurança, em virtude de medidas excessivas – afectando, por exemplo, a liberdade de expressão e reunião e o direito à privacidade – tomadas por determinados países na sequência do 11 de Setembro (ver título seguinte e mapa). A Amnistia Internacional refere, no seu relatório de 2002, que foram tomadas várias medidas de segurança e imigração que na prática foram aplicadas de uma forma racista e discriminatória contra pessoas muçulmanas e originárias de países do Médio Oriente ou contra não-nacionais.

Para além dos órgãos das Nações Unidas, a União Europeia tem repetidamente afirmado que a luta contra o terrorismo se deve efectuar em respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pelo Estado de Direito. A União Europeia não considera que os actos de terrorismo constituem violações de direitos humanos, mas sim crimes injustificados e ameaças à paz e segurança, que no entanto é preciso combater no respeito pela Carta das Nações Unidas.

As medidas anti-terroristas devem assim ser tomadas em conformidade com o direito internacional, nomeadamente com os standards existentes de direitos humanos, sendo de assinalar que os direitos humanos só podem ser derrogados em casos muito precisos e limitados (estado de sítio e de emergência) e alguns deles são mesmo inderrogáveis em qualquer circunstância.

 

“Zonas de risco” no confronto direitos humanos vs. segurança

Formas e condições de detenção.

Aplicação da pena de morte.

Processos de extradição.

Processos judiciais: presunção de inocência, acesso a advogado, acesso a tribunais, prisão preventiva.

Direito de asilo e estatuto de refugiado.

Liberdades de associação, expressão, pensamento, etc.

Privacidade.

Tortura.

Não-discriminação.

 

Resoluções sobre Terrorismo e Direitos Humanos

Da Assembleia Geral

3034 (XXVII-1972)

48/122 (1993)

49/185 (1994)

50/186 (1995)

52/133 (1997)

54/164 (1999)

56/160 (2001)

Da Comissão dos Direitos do Homem

1990/75

1991/29

1992/42

1993/48

1994/46

1995/43

1996/47

1997/42

1998/47

1999/27

2000/30

2001/37

2002/35

Da Subcomissão para a Promoção e Protecção dos Direitos Humanos

1993/13

1994/18

1996/20

1997/39

1998/29

1999/26

2001/18

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* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutorada em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Países em que as medidas de segurança e antiterroristas impostas após o 11 de Setembro podem ter afectado os direitos humanos

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