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Julgar os responsáveis pelos acontecimentos de 11 de Setembro

Catarina de Albuquerque *

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Para julgar os responsáveis pelos acontecimentos de 11 de Setembro, os EUA criram as Comissões Militares, ao abrigo do Decreto Militar de 13 /11/2001.

Estas Comissões baseiam-se em princípios jurídicos muito distintos dos princípios aceites internacionalmente, nomeadamente daqueles que orientaram o funcionamento do Tribunal Penal Internacional que julgou os crimes na ex-Jugoslávia, nomeadamente quanto à natureza dos crimes pelos quais os indivíduos podem ser julgados, a base jurídica para a detenção, regras processuais do julgamento, obrigação da acusação revelar a prova, etc..

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A violência que caracterizou os ataques ao Pentágono e ao World Trade Center no dia 11 de Setembro de 2001 tem dado azo a inúmeras discussões de carácter jurídico. A apreensão das pessoas, a utilização dos aviões como armas de destruição maciça, o ataque kamikaze ao Pentágono e o choque contra as duas torres do World Trade Center em Nova Iorque podem ser considerados simultaneamente crimes de direito interno, crimes internacionais e actos de guerra.

Coloca-se-nos assim a questão de saber como lidar com os membros da rede terrorista Al-Qaeda e com os autores materiais e morais deste actos à luz do direito internacional, nomeadamente aqueles que foram detidos pelas forças armadas norte-americanas.

 

Quem pode julgar os responsáveis pelo 11 de Setembro?

Pelo menos em termos teóricos, os crimes cometidos no dia 11 de Setembro de 2001 podem ser julgados por tribunais internacionais, por tribunais americanos, por comissões militares ou por tribunais nacionais de outros Estados.

Os tribunais internacionais têm a vantagem do seu carácter universal. Um tribunal encarregue de julgar os actos praticados a 11 de Setembro de 2001 pode ser criado pelo Conselho de Segurança da ONU ao abrigo do seu poder de fazer face a ameaças contra a paz e a segurança internacionais, à semelhança do que sucedeu na ex-Jugoslávia e Ruanda.

Os juízes internacionais seriam eleitos pelos membros do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral da ONU e seria seleccionado pelo mesmo processo um procurador internacional. Os estatutos dos actuais Tribunais Penais Internacionais ad hoc consagram um conjunto de importantes garantias dos arguidos, excluindo nomeadamente a aplicação da pena de morte. Contudo, o número de possíveis acusados no contexto dos acontecimentos de 11 de Setembro ultrapassaria as capacidades realísticas de um tribunal penal internacional. Por exemplo o Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia só julgou 31 pessoas em 8 anos de actividade, tendo isto acarretado um custo de 400 milhões de dólares. Por outro lado, os EUA alegam que algumas informações obtidas pelos seus serviços secretos e que podem ser cruciais no apuramento da culpa de determinados membros da Al-Qaeda só muito dificilmente poderão ser partilhadas com cidadãos não americanos.

Por outro lado tem sido alegado que os tribunais nacionais – em particular os tribunais federais – julgaram com sucesso os responsáveis por anteriores ataques da Al-Qaeda , nomeadamente o ataque de 1993 ao World Trade Center e os ataques de 1998 a duas embaixadas americanas em África. A legislação americana permite que seja evitada a revelação desnecessária de informações sensíveis. Os julgamentos nos tribunais federais norte-americanos são abertos ao público e permitem desta forma que a comunidade internacional se certifique de que foi efectivamente feita justiça (ou não!). Tem sido no entanto alegado que um julgamento público poderia ser desastroso para os EUA uma vez que no seu decurso teriam de ser revelados os métodos utilizados pelos EUA para seguir as actividades da rede Al-Qaeda .

Uma terceira forma de julgar os responsáveis pelo 11 de Setembro consiste em sujeitá-los à jurisdição das Comissões Militares recentemente criadas pelo Presidente Bush.

Comissões semelhantes a estas já foram utilizadas no passado por alguns presidentes norte-americanos, nomeadamente Franklin D. Roosevelt e Abraham Lincoln.

As Comissões têm a desvantagem de tornarem mais difícil no futuro os EUA tentarem dissuadir outros países de as utilizarem em casos de guerras civis, especialmente em países em que a democracia ainda é instável. Também tem sido alegado que a necessidade de serem reveladas informações secretas de natureza operacional é o preço a pagar para assegurar um processo justo e transparente, que não deixe dúvidas à comunidade internacional de ter sido regido pelas normas básicas de direitos humanos e direito internacional humanitário. Por fim, as Comissões Militares propostas (ver tabela da página anterior) violam regras de direito internacional, tais como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. O Decreto Militar é acusado de ter uma natureza discriminatória por conceder padrões de justiça mais fracos aos estrangeiros do que aos cidadãos americanos. O Decreto ignora regras básicas em matéria de prova e não reconhece a presunção de inocência, nem o direito de recurso.

Por outro lado, os crimes contra a humanidade, crimes de guerra e outros crimes cometidos no contexto dos ataques de 11 de Setembro dão origem à jurisdição universal, isto é, à possibilidade de qualquer Estado poder julgar os suspeitos da prática de um destes actos, independentemente da nacionalidade do suspeito ou do local da prática do crime.

A questão de saber se um determinado Estado pode utilizar a jurisdição universal, depende dos poderes que sejam concedidos pela sua legislação interna aos seus tribunais. Contudo, se um Estado não julgar um suspeito pela prática de um dos actos acima enunciados, é obrigado a extraditá-lo para outro Estado que tenha vontade e capacidade de fazê-lo.

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As garantias processuais concedidas aos responsáveis pelo 11 de Setembro

O Presidente George Bush afirmou que os responsáveis pelo 11 de Setembro não vão ser julgados nem por tribunais federais americanos, nem por tribunais internacionais, mas sim por Comissões Militares, as quais foram criadas ao abrigo de um Decreto Militar de 13 de Novembro de 2001.

Têm sido inúmeras as críticas de ONGs de direitos humanos a estas Comissões e às fracas garantias que as mesmas oferecem de que os julgamentos por elas realizados respeitem regras universalmente aceites (incluindo pelos EUA) na matéria.

A tabela intitulada “Garantias que podem ser concedidas aos taliban em julgamento” pretende mostrar de forma simplificada as principais diferenças existentes entre um julgamento efectuado por um Tribunal Penal Internacional (utilizámos a título de exemplo o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia, o qual foi adoptado pelos membros do Conselho de Segurança da ONU) e pelas Comissões Militares criadas pelo Presidente Bush, no seguimento da adopção de um Decreto Militar a 13 de Novembro de 2001.

 

Informação complementar

Os crimes de 11 de Setembro

Como foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação social, o Presidente George W. Bush classificou de forma inequívoca os ataques terroristas de 11 de Setembro como um acto de guerra contra os EUA. O Conselho de Segurança da ONU classificou-os como ameaças à paz e segurança internacionais (vide resoluções 1368 (2001) de 12 de Setembro e 1373 (2001) de 28 de Setembro), enquanto a NATO os considera como um ataque armado vindo do exterior, o que possibilita a legítima defesa (bem como a que seja invocado o artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte). Por outro lado, e no que concerne os diversos actos praticados no dia 11 de Setembro, são diversos os tipos de crimes que terão então sido cometidos. Por exemplo, a apreensão inicial dos aviões poderá consistir numa violação da legislação e tratados internacionais em matéria de sequestro de aviões (incluindo a Convenção de Montreal para a Eliminação de Actos Ilegais contra a Segurança da Aviação Civil e a Convenção da Haia para a Eliminação da Apreensão Ilegal de Aeronaves). A manutenção de pessoas naqueles aviões equivale ao crime de tomada de reféns e viola a Convenção contra a Tomada de Reféns. Finalmente o acto de projectar os aviões contra alvos civis constitui um crime de guerra.

Os actos praticados no dia 11 de Setembro de 2002 violam igualmente a legislação americana, tal como a Lei Antiterrorismo de 1990, a legislação norte-americana de aplicação da Convenção de Montreal acima mencionada e a Lei de Crimes de Guerra de 1996.

 

O Tribunal Penal Internacional e o 11 de Setembro

O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional entrou em vigor no passado dia 1 de Julho de 2002 e o seu artigo 11.º determina que o Tribunal só terá competência relativamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto. Desta forma a competência o TPI para julgar os crimes cometidos em Setembro de 2001 deve ser liminarmente excluída.

O mesmo se passa com os dois Tribunais Penais Internacionais ad hoc destinados a julgar as violações de direitos humanos e do direito internacional humanitário cometidas na ex-Jugoslávia e no Ruanda. Com efeito, estes tribunais têm uma competência territorial circunscrita aos crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade cometidos naqueles territórios.

Contudo, pelo menos em termos teóricos, nada impede que as Nações Unidas (eventualmente também através da adopção de uma resolução do Conselho de Segurança, à semelhança do que se passou com os dois tribunais penais internacionais ad hoc) de instituírem um novo tribunal penal internacional destinado exclusivamente a julgar os crimes cometidos no dia 11 de Setembro de 2001 e no seu contexto.

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* Catarina de Albuquerque

Mestre em Direito Internacional Público pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales. Assessora do Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça. Professora Auxiliar da UAL.

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Dados adicionais
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