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- JANUS 2003 -

Janus 2003



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A nova “guerra preventiva” contra o Iraque de Sadam Hussein

João Maria Mendes *

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A justificação para a “guerra preventiva” contra o Iraque basear-se-ia, de acordo com as declarações de Dick Cheney, vice-presidente norte-americano, na ameaça representada pelo programa armamentista iraquiano, que coloca em risco Israel, por um lado, a Arábia Saudita e o Irão, por outro, sob ameaça de se tornar na potência dominante no Próximo e Médio Oriente.

Os EUA sublinharam a sua postura unilateralista, dois dias após o discurso do presidente George W.Bush na Assembleira Geral da ONU a 12/09/01, em Camp David, questionando abertamente a razão de ser actual desta instituição.

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Setembro de 2002 – mês em que fechávamos esta edição do Janus – foi o mês do tudo-por-tudo dos EUA a favor de nova guerra contra o Iraque de Saddam Hussein: A 12, na 57ª Assembleia Geral da ONU, o presidente George W. Bush confirmou a sua intenção de levar por diante uma “guerra preventiva” (conceito condenado a não recolher o consenso internacional) contra o renitente derrotado de 1991. Os EUA receberam então o apoio da Espanha, Itália, Portugal e... Hungria (que se juntaram à Grã-Bretanha e a Israel) à sua iniciativa.

A 16, avaliada a ameaça, Bagdad aceitou o que recusava há quatro anos: o “regresso, sem condições”, dos inspectores da ONU ao Iraque. Os EUA ignoraram a cedência iraquiana. Dias antes, o vice-presidente Dick Cheney expusera as razões que levavam a Casa Branca a querer “ver-se livre” de Saddam – e assim respondera à pergunta que a administração ignorava há meses: “Porquê o Iraque?”

Afinal, segundo Cheney, não se trataria de agir no âmbito da guerra global contra o terrorismo iniciada com o derrube dos taliban no Afeganistão (estava insuficientemente provada a ligação de Bagdad à Al-Qaeda ou a outras organizações terroristas anti-americanas) nem de destruir um dos vértices do “eixo do mal” (os outros dois seriam o Irão e a Coreia do Norte, denunciados por Bush em Janeiro). Tratava-se, sim, de aniquilar as pretensões regionais do Iraque: Saddam nunca abdicara de produzir armas químicas e biológicas nem abdicaria de tentar produzir a arma atómica, para ameaçar Israel, por um lado, a Arábia Saudita e o Irão, por outro, tentando tornar-se potência líder no Próximo e Médio Oriente, para desafiar o mundo com a arma do petróleo.

A Rússia de Vladimir Putin (maior parceiro comercial do Iraque; segundo Bagdad, os dois países preparavam-se para assinar um acordo económico quinquenal no valor de 40 mil milhões de dólares) deu como boa a garantia de cedência de Bagdad. A China também: “A decisão iraquiana corresponde ao que a comunidade internacional esperava”, fez saber Pequim. A França entendeu que era preciso interpretar a cedência iraquiana “à letra”, e enviar os inspectores para Bagdad. E a 22, a coligação SPD-Verdes era reconduzida, à tangente, na Alemanha; ora, o chanceler Gerhard Schröder afirmara, em campanha, que não se juntaria à “aventura militar” americana no Iraque “nem mesmo se a ONU a aprovasse”.

O governo britânico, aliado da administração americana, acolheu a cedência iraquiana com cepticismo, mas dois ministros de Tony Blair (Clare Short e Robin Cook) declararam a sua oposição à guerra também a 22, véspera da divulgação, pelo primeiro-ministro, do relatório britânico sobre a ameaça representada por Saddam.

A administração norte-americana prosseguiu a sua campanha unilateral a favor da guerra, ao mesmo tempo que pedia ao Conselho de Segurança da ONU nova resolução contra o Iraque, mais efectiva e conclusiva – e Bagdad declarou imediatamente que não a aceitaria.

O chefe dos inspectores da ONU, Hans Blix, preparava o regresso da sua equipa a Bagdad. Mas, ao mesmo tempo, o secretário de Estado da Defesa norte-americano, Donald Rumsfeld, confirmou que dera ordem à sua aviação para visar os centros de comando e de controlo da defesa anti-aérea iraquianos, bem como as redes de comunicações (feitas de fibras ópticas de origem chinesa), e não apenas alvos móveis como os radares e as rampas de lançamento de mísseis terra-ar. Objectivo: impedir o Iraque de reconstruir ou testar os alvos atingidos.

Desde Agosto, os bombardeamentos americano-britânicos sobre o Iraque tinham-se intensificado (250 mil voos desde 1991; desde 1999, 323 raids ofensivos, traduzidos em bombardeamentos a norte do paralelo 33 e a sul do 36). Tudo indicava que o Iraque começava a transferir potenciais alvos, incluindo rampas de mísseis, para zonas urbanas (táctica já experimentada em 1991 e fortemente aconselhada por especialistas ex-jugoslavos), fazendo disparar as probabilidades de danos colaterais em cada bombardeamento.

Antes mesmo da preparação da “guerra preventiva”, 200 aviões americanos e britânicos estiveram em permanência envolvidos nestes voos, a partir de bases na Turquia, Koweit, Arábia Saudita e de porta-aviões estacionados no Golfo. A força incluía 10 mil militares, maioritariamente americanos.

Aparentemente, os EUA prefeririam que a guerra tivesse lugar durante o Outono ou Inverno. Esse calendário ofereceria algum espaço de manobra suplementar à diplomacia onusiana relacionada com o regresso dos inspectores, às votações no Congresso americano, pressionado pela agenda política interna (o termo da sessão de Outono estava previsto para 4 de Outubro devido às eleições legislativas parciais de 5 de Novembro) e à captação, sob pressão, de novos apoios internacionais. Para os militares, esse calendário teria a vantagem de evitar que tropas dos EUA combatessem, com os seus pesados equipamentos anti-armas químicas, sob o calor que reina na região nas restantes estações. O comando militar central americano começou, em Setembro, a transferir-se para o Qatar, oficialmente devido às manobras para ali previstas em Novembro.

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Nova doutrina

Em entrevista publicada no Financial Times a 23, a conselheira de Bush para a Segurança, Condoleezza Rice, confirmava a intenção americana de “mobilizar forças suficientes para ganhar” uma guerra contra o Iraque, concentrando-se seguidamente na “reconstrução do país”, e enunciava os princípios da nova doutrina dos EUA no pós-11 de Setembro: “aparecer como libertadores”, dedicados à “democratização, ou marcha para a liberdade, dos povos muçulmanos”. A imprensa americana, citando fontes do Pentágono, afirmava que os EUA iriam conduzir uma “guerra relâmpago”, visando Saddam e seus apoiantes próximos. Esta ideia fora igualmente defendida por Rumsfeld, o que significava romper com o modelo de 1991: então, os americanos tinham congregado mais de 500 mil homens para uma invasão terrestre, depois de uma “guerra aérea” de várias semanas. Desta vez, o comandante americano das forças no Golfo, general Tommy Franks, preparar-se-ia para uma operação envolvendo 100 mil homens, em simultâneo com uma campanha de bombardeamentos pelos furtivos B-2.

A determinação americana significava também, perante a falta de entusiasmo internacional pela iniciativa, que o unilateralismo de Cheney e Rumsfeld ganhara terreno, depois de semanas de desencontros programáticos com o Departamento de Estado de Colin Powell. Ambos defendiam que os EUA não têm de se vergar às exigências russas, europeias, do mundo árabe ou de quaisquer outros, quando estão em causa a segurança, interesses vitais ou a missão histórica da nação americana: “É a boa liderança que gera os seguidores”, afirmava Rumsfeld, enfatizando que parte das oposições à nova guerra só desapareceria diante da iminência das operações militares. Entre os visados: a UE no seu conjunto, presente na Assembleia-Geral de 12 através de Javier Solanas e Chris Patten, impossibilitados de representar qualquer posição europeia. Institucionalmente, aliás, a UE não tem assento na ONU (são a França e a Grã-Bretanha que, na sequência dos acordos de 1945, dispõem de dois lugares no Conselho de Segurança, e parece inimaginável que deles prescindam).

No plano interno americano, não se discutia a necessidade de agir contra Bagdad, mas sim o modo e o momento de o fazer. Mesmo entre os republicanos, a principal questão era a de saber quem governará o Iraque, após um eventual derrube de Saddam. A ofensiva contra os taliban, apoiada por uma coligação sem precedentes dado o impacte do 11 de Setembro, preparara a mudança do regime afegão, montando um governo provisório para ocupar o poder em Cabul. Em relação a um eventual pós-Saddam, apenas primeiros contactos com opositores estavam a ser feitos em Setembro, e as únicas vozes da oposição iraquiana que se ouviam discretamente eram as dos partidos curdos, que voltavam a sonhar com algum território petrolífero iraquiano (Kikurk).

 

Desafio à ONU

O unilateralismo americano gerou desconfiança na ONU. Mas não foi no seu discurso de 12, demasiado colado ao documento-base “A Decade of Deception and Defiance”, que George W. Bush proferiu os ataques mais mortíferos contra a “utilidade” actual das Nações Unidas: foi dois dias depois, em Camp David. “Enough is enough”, disse ele, referindo-se às “16 violações, por Saddam, de resoluções do Conselho de Segurança da ONU desde a guerra de 1991”, seu tema principal dois dias antes. “Ou a ONU está em condições de agir como organização independente encarregada da manutenção da paz neste início do séc. XXI, ou perderá a sua razão de ser”, insistiu o presidente. “E não tardaremos a sabê-lo: vamos dar à ONU a última oportunidade de provar que serve para alguma coisa”.

Na Assembleia-Geral, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, fugira ao protocolo e desrespeitara a tradição, para confrontar directamente a Casa Branca: não se limitou a introduzir os debates, como lhe competia, e distribuiu previamente o forte discurso que decidiu proferir antes da alocução de Bush, instando os EUA a perceber que “só podem aspirar à liderança da comunidade internacional” agindo no âmbito da ONU e “respeitando os seus valores”. Kofi Annan quis reforçar a mensagem multilateral, sabendo que muitos presentes lhe perdoariam a intervenção doutrinária inicial, explicou um seu colaborador. “Qualquer Estado atacado dispõe, à luz do artigo 51º da Carta (da ONU) do direito de legítima defesa”, disse ele. “Mas, para lá desse direito, se os Estados decidem usar a força perante ameaças mais gerais à paz e segurança internacionais, nada substituirá a legitimidade que só a ONU pode conferir”.

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* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Professor na ESCT. Subdirector do curso de Ciências da Comunicação na UAL. Sudirector do Observatório de Relações Exteriores.

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