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A língua portuguesa na Internet

Teresa Maia e Carmo *

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A generalização do acesso e da comunicação através da Internet tem vindo a consubstanciar uma escrita “alternativa” da língua portuguesa, que a aproxima muito mais da expressão oral, para além de incorporar abreviaturas e estrangeirismos, normalmente provenientes do inglês. Essa nova forma de escrita tem vindo a criar receio entre os especialistas, que a vêem como uma forma de corrupção linguística. Aponta-se no entanto como especialmente significativo neste contexto, o problema da escassez de conteúdos digitais disponíveis em português.

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Ola :) o q keres fazer? Qd mto ver aquele filme LOL q estreou a smn passd. Diz ASAP bjs.

Será isto que a internet está a fazer à língua portuguesa? Isto e muito mais. Se em 1999 a língua portuguesa apresentava um atraso de mais de 400 mil conceitos em relação às línguas dominantes, segundo o Eurodicautom (sistema de tratamento electrónico de terminologia multilingue da Comissão Europeia), a massificação da comunicação digital veio alterar vertiginosamente esta situação. Para o bem e para o mal. O português do Brasil revela há muito uma dinâmica muito superior ao de Portugal na adopção de neologismos que reflectem diferentes realidades, incorporando sobretudo expressões do inglês. Porém, a banalização do correio electrónico ou do serviço de mensagens escritas (sms) veio acelerar em grande escala este movimento no pequeno quadrado onde supostamente se fala o “português de lei”.

Será isto bom ou mau? Como em quase tudo, é necessário equacionar os vários ângulos da questão de forma a evitar o achismo impressionista. Quando se vê no Big Brother, esse inefável programa que marca o arranque do milénio na televisão portuguesa, os jovens a escreverem “cer”, “çempre”, “graças adeus” ou “onra” teme-se o pior – mas isso qualquer professor de todas as áreas ou níveis de ensino sabe de há muito.

A febre das mensagens escritas alastrou de forma impressionante na sociedade portuguesa, já de si recordista na taxa de penetração de telemóveis. E as pessoas utilizam cada vez mais a internet para comunicar. O que tem permitido assistir à emergência de uma “linguagem virtual” com particularidades directamente decorrentes da natureza do meio: a rede é a plataforma de comunicações por excelência, por agregar todo o tipo de conteúdos de forma instantânea e universal.

Nos chats e forae de todo o mundo fala-se, ou melhor, escreve-se em tempo real. É preciso usar uma linguagem ágil e expressiva, pois o tempo na internet custa dinheiro. O inofensivo exemplo acima apresentado espelha apenas uma ínfima parte dos códigos e abreviaturas que constituem o já enorme catálogo de expressão na rede. Os sítios mais populares do género, como o mIRC ou Netmeeting, estão repletos de casos. A troca de mensagens tem de ser rápida e acutilante, o que motivou a criação da netiqueta, um número de regras a respeitar no éter (por exemplo usar maiúsculas é como GRITAR) e um repertório de sinais que representam sentimentos e o tom de quem comunica, hoje conhecidos como emotions ou smileys. A par desta nova e estranha grafia, assiste-se ao uso indiscriminado de abreviaturas e estrangeirismos quase sempre oriundos do universal inglês. LOL ou laughing out loud, significa rebolar a rir, ASAP, as soon as possible. Cada vez se utilizam mais termos como upload e download, e-mail e feedback, em vez de carregar, descarregar, correio electrónico ou reacção.

Na língua “normal” existem as duas tradicionais modalidades: escrita e oral. O que as distingue é essencialmente o planeamento. Ou seja, na escrita revê-se, rascunha-se e reflecte-se articulando ideias, antes de as passar ao destinatário. O que a internet veio trazer à escrita foi a rapidez, aproximando-o portanto muito mais da informalidade da expressão oral.

O legítimo receio de que esta nova “linguagem” venha a corromper a língua portuguesa motiva dois tipos de reacção entre os especialistas: por um lado temos os que defendem que ela leva a uma descaracterização alarmante conduzindo inevitavelmente à perda significativa da identidade linguística e, por outro, a corrente que afirma que a internet não adultera a língua, antes incorpora novos termos e constitui simplesmente mais uma variante do uso da língua, entre tantas outras. Abandonando a questão aos especialistas, justamente (o que não é o caso), acrescentaríamos apenas que a rede e as formas de comunicação digital agora vulgarizadas fizeram com que os portugueses voltassem a...escrever (-se).

Como demonstram os quadros anexos (ver Informação Complementar e Infografia) o serviço de acesso à internet teve um crescimento de 43% só no último ano. O que gera implicações de outra ordem. Além do trato que este crescimento possa estar a dar ao uso corrente do português escrito, ele espelha a urgência de o Estado e as entidades organizadas ocuparem um espaço estratégico na rede. Sob pena de as gerações vindouras virem a aprender o corpo humano ou a constituição europeia em inglês, francês ou, cada vez mais, espanhol.

A explosão da net um pouco por todo o mundo configura uma ameaça potencial a todas as línguas que não o inglês, instituído como língua de comunicação universal. Donde a necessidade de criar uma verdadeira indústria de conteúdos em português, capaz de oferecer a quem procura a informação na sua própria língua. E quem procura, procura de tudo.

“Uma língua que não se defende, morre”, afirma Saramago nesse exemplo que é o sítio “ciberdúvidas”. (Em cinco anos registou mais de 650 mil visitas, respondeu a dezenas de milhar de perguntas e acumulou um património de nove mil respostas a dúvidas sobre o idioma). Uma ameaça deste calibre tem o reverso na oportunidade que o desafio da lusofonia abre. Num mundo globalizado, de que a internet é o ícone mais lapidar, prefigura-se aqui o esboço de uma resistência activa à hegemonia anglo-saxónica. O espaço lusófono com os seus 200 milhões de falantes e a língua portuguesa, a sexta mais falada no mundo e a terceira europeia de comunicação internacional – como recentemente confirmou o Parlamento Europeu – não podem, naturalmente, contar apenas com os escassos dez milhões de portugueses para uma política eficaz de afirmação da língua.

É assim que, à imagem do que acontece com a hispanofonia ou a francofonia, Portugal deve apurar-se na identificação de sectores de cooperação visando a defesa e promoção deste vasto espaço linguístico-cultural. Para lá dos oficiais, como o Instituto Camões, organismos como a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), cuja acção tem sido ainda demasiado discreta, ou o imenso espaço brasileiro, são plataformas estratégicas de fortalecimento do português no mundo.

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Basta fazer uma pesquisa em língua portuguesa nos motores de busca internacionais para se perceber como o Brasil, com os seus 150 milhões de falantes, domina por completo o ciberespaço na língua de Camões. Há potencialmente um grande terreno de crescimento do português, portanto. Actualmente, apenas 15% dos falantes do português não são brasileiros. Pelo que só uma estratégia luso-brasileira convicta poderá projectar no mundo uma política de influência do idioma que se veja.

Por outro lado, a internet é o veículo privilegiado para as comunidades lusas na diáspora acompanharem o país na sua língua materna – e rondam já os sete milhões os emigrantes e luso-descendentes espalhados pelo mundo. Além dos PALOP e Timor-Leste que, com o tempo, inevitavelmente terão na rede um espaço de aproximação à língua e cultura portuguesas ímpar. A lusofonia, por um lado, e a latinidade, por outro, são desafios a ser assumidos tendo a rede por aliada e não como inimiga.

No entanto, após o notável trabalho de Mariano Gago na pasta da Ciência e Tecnologia, massificando o acesso das escolas à net, e criando uma rede científica, entre outros gestos igualmente decisivos, é necessário ainda muito mais: uma estratégia interministerial bem definida, que consagre uma política consistente de “sociedade da informação” assumida. O mundo em que vivemos não se compadece com o ritmo pachorrento de segunda vaga que o Portugal institucional tem imprimido à sua entrada na chamada sociedade “do conhecimento”.

Hoje em dia, o futuro entra cada vez mais depressa pelo presente adentro. Não pode negligenciar-se, ainda, o peso simbólico que a internet vem adquirindo como registo do país contemporâneo. O ano que passa foi marcado pela explosão da blogosfera, expressão máxima desta hodierna ânsia de expressão. E também da emergência de novos termos vindos directamente da importância da rede no mundo de hoje. A palavra resulta da contracção de web (que abrevia world wide web) com log (registo), sendo rapidamente encurtada para weblog e aportuguesada para blogue. Consta de um registo na internet que assume frequentemente a forma de diário e foi já apelidado de graffiti dos intelectuais.

Dada a velocidade a que se multiplicaram estes sítios podemos definir o fenómeno blogue como um híbrido comunicacional entre a agenda, o aforismo, o comentário ao que acontece como exercício mais e menos narcísico, que adapta a epistolografia aos tempos modernos. Não é que não existissem já centenas de milhares de blogues por todo o mundo, a começar pelo Brasil. Mas a guerra do Iraque e o célebre diário de Salam Pax, o intrépido iraquinano que se liga de Bagdad, motivaram a entrada no ciberespaço de personalidades da cena política e comunicacional que vieram restaurar o gosto pelas polémicas de escada abaixo. O que, aliado à crise das narrativas comunicacionais (circula hoje mais informação nos blogues do que na comunicação social) e políticas, trouxe à superfície a urgência de “voz” que uma vasta maioria silenciosa (ainda) não tinha.

Assiste-se ao ressurgimento da clássica clivagem esquerda/direita, apressadamente varrida para debaixo do tapete, criticam-se os media e escrevem-se muitas tonterias também. Saber se se trata de um mero fenómeno de moda ou de uma nova forma de intervenção no espaço público é menos importante que constatar as novas formas de cidadania que a internet estimula. Geram-se cadeias de opinião autenticamente virais por causas como a lapidação de mulheres em África, o cancro da mama, ou as árvores a abater pelo túnel das Amoreiras.

A ideia de “democracia electrónica directa” alimenta um optimismo tecnológico semelhante à ideologia eufórica do progresso do início do século passado (em relação ao qual Heidegger já nos avisara o suficiente...). Mas é importante perceber que o novo comunicador não tem livro de estilo nem carteira profissional que o vincule a qualquer deontologia. Esta é uma comunicação que prescinde radicalmente de qualquer edição e cuja legitimação vem simplesmente...da audiência. Que mais contemporâneo poderá haver que isto?

A utopia da liberdade total e da absoluta transparência da rede é contudo uma ingenuidade que os melhores filósofos há séculos poderiam enunciar. Esta é também uma armadilha de sentido que faz esquecer que só uma parte do mundo vive presa dessa teia, com o fenómeno da infoexclusão a crescer do outro lado da moeda. Ainda não existem regras na blogosfera, a não ser as consuetidinárias – e essas são semelhantes às do mundo não virtual. Estão (até ver) nas mãos dos profissionais, hélàs, mercê de uma rede intertextual de citações “correctas” que geram as mesmas conspirações de silêncio e ondas de entusiasmo que existem nos media tradicionais (veja-se o caso do intrigante sítio anónimo que pretende atirar mais areia para a confusa camioneta do processo Casa Pia, votado ao mais convicto mutismo pela comunidade bloguista).

Os jovens do século XXI consomem internet como antes se consumiam livros de aventuras. Os estudantes já não vivem sem ela. As empresas também não. Ninguém vive sem Internet. Os cidadãos do novo século aprendem a viver desta comunicação disseminada feita de écrans, ratos e teclados com um à vontade que está a ser negligenciado pelas instituições com responsabilidades na defesa do património linguístico-cultural do país.

Urge, assim, a afirmação de uma política de língua e cultura conjuntas que supere as quezílias institucionais entre organismos de vocações semelhantes mas sob tutelas distintas, no sentido da criação de uma indústria de conteúdos em língua portuguesa como objectivo estratégico nacional. Para isso é preciso liderança, trabalho e muito entusiasmo. Ou seja, a internet é sem dúvida uma das mais generosas oportunidades para a afirmação da língua portuguesa no mundo da globalização. Oxalá não se fique hipnotizado no éter, a vê-la passar.

 

Informação Complementar

Clientes do serviço de acesso à Internet

No final do 2º trimestre de 2003, o número de clientes do serviço de acesso à Internet em Portugal atingiu um total de cerca de 6.158 milhares de clientes, representando um crescimento de cerca de 7,3% face ao trimestre anterior. O mesmo indicador, quando comparado com o período homólogo do ano anterior, apresentou um crescimento de cerca de 43,2%. Cerca de 93,9% do total de clientes utilizaram a modalidade de acesso Dial up, o que corresponde a um crescimento de cerca de 6,5% face ao 1º trimestre.

O serviço de acesso à Internet de banda larga, nas modalidades de acesso por cabo (modem por cabo) e ADSL, contaram no seu conjunto, com cerca de 375 mil clientes, correspondendo a um crescimento de cerca de 21,1% face ao trimestre anterior. Esta modalidade de acesso apresentou um crescimento de cerca de 148,4% face ao período homólogo do 2002. De referir que cerca de 6,1% do total de clientes acedem à Internet por acessos de banda larga (modem por cabo e ADSL).

O acesso à Internet oferecido através de redes de distribuição por cabo apresentou um crescimento de cerca de 12,3% face ao trimestre anterior, situando-se acima dos 262 mil clientes no final do período em análise. Cerca de 70% do total de clientes de banda larga utilizaram o acesso à Internet por cabo. Ainda no âmbito do acesso à Internet de banda larga, o acesso ADSL apresentou um crescimento de cerca de 47,1% face ao trimestre anterior, contando com um pouco mais de 112 mil clientes. Este tipo de acesso representava, no final do 2º trimestre de 2003, cerca de 30% do total de clientes de banda larga.

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* Teresa Maia e Carmo

Licenciada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa - FCSH. Mestre em Comunicação Educacional Multimédia pela Universidade Aberta. Doutoranda em Comunicação pela Universidade Complutense de Madrid. Docente na UAL. Jornalista.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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