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Janus 2004



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A cooperação com Timor-Leste na área da justiça

João Luís Mota de Campos e Catarina Albuquerque *

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Entre 7 de Dezembro de 1975 e 25 de Outubro de 1999, a administração da justiça em Timor-Leste foi exercida de facto pela Indonésia. À UNTAET coube o restabelecimento do sistema judiciário do país, que se caracterizava pela falta de infra-estruturas físicas, escassez de juristas e pela dúvida sobre qual a legislação a aplicar. Logo em Janeiro de 2000 desloca-se uma missão portuguesa a Timor com o objectivo de avaliar a situação de administração da justiça, bem como de definir os moldes da cooperação futura, iniciada pela formação de urgência de alguns magistrados timorenses.

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O território de Timor-Leste foi invadido pela Indonésia em 7 de Dezembro de 1975. Entre essa data e 25 de Outubro de 1999, data em que o Conselho de Segurança da ONU, através da Resolução n.º 1272 (1999) estabeleceu a UNTAET (1), Timor-Leste foi de facto, que não de direito, administrado pela Indonésia. No momento de se retirarem definitivamente, os indonésios levaram consigo a quase totalidade da administração, designadamente a administração da justiça, que ao longo de quase 25 anos tinham mantido em Timor-Leste.

Perante um panorama judicial desolador, coube à UNTAET dar os primeiros passos no restabelecimento de um sistema de administração de justiça que se defrontava com as seguintes constrições: falta de infra-estruturas físicas; falta de profissionais de justiça qualificados; juristas timorenses em muito escasso número e apenas fluentes em “bahasa” indonésio; e, finalmente, o problema da legislação aplicável.

A solução deste último problema passou por uma estipulação paraconstitucional, contida no artigo 3.º do Regulamento da UNTAET (2) 1999/1, no qual se dispôs que, na medida em que não contrariem os standards legais contidos na secção 2ª, mantêm-se em vigor em Timor-Leste as leis que vigoravam até 25 de Outubro de 1999, até serem substituídas ou alteradas por Regulamentos da UNTAET ou ulterior legislação emanada de instituições democraticamente instituídas de Timor-Leste. Esta estipulação genérica foi excepcionada em relação a um conjunto de leis de segurança e de excepção que, por serem indonésias, levaram a concluir que no entender da UNTAET a legislação em vigor até 25 de Outubro de 1999 era a indonésia.

Resolvido, ainda que de forma muito insatisfatória, o problema da lei aplicável, a UNTAET estabeleceu os primórdios de um sistema de administração da justiça através dos Regulamentos 1999/3, de 3 de Dezembro, e 2000/11, de 6 de Março, que regularam o estatuto dos magistrados e a organização dos tribunais judiciais de Timor-Leste.

Entretanto, os responsáveis políticos timorenses fizeram uma opção política essencial ao escolherem o português como língua oficial do futuro Estado, opção que veio a ter consagração na Constituição de Timor-Leste. A cooperação portuguesa que, no cumprimento do preceito constitucional do artigo 293.º da CRP (3), se mostrou desde o início extremamente activa e interveniente, não podia evidentemente abstrair-se da cooperação na área da justiça.

Em Janeiro de 2000 deslocou-se a Timor-Leste uma primeira missão com o objectivo de proceder a uma avaliação da situação da administração da justiça, bem como à definição do quadro geral de apoio e de cooperação de Portugal a Timor-Leste. Entre a realização desta missão preliminar e o ano de 2002 foram levadas a cabo diversas acções de cooperação (ver Informação Complementar) visando essencialmente a formação de urgência de alguns magistrados timorenses e a recuperação de algumas estruturas, entre as quais o tribunal distrital de Díli ou o edifício onde foi instalado o Centro de Documentação e Formação Jurídica do Ministério da Justiça de Timor-Leste (4).

Este Centro foi inaugurado e entregue ao Ministério da Justiça da República Democrática de Timor-Leste em Dezembro de 2002 com o objectivo de nele se vir a centralizar a formação do pessoal da área da Justiça. Com a independência de Timor-Leste, em 20 de Maio de 2002, precedida pouco mais de um mês antes por uma mudança de governo em Portugal, iniciou-se uma nova fase na cooperação na área da Justiça entre Portugal e Timor-Leste.

Desde os primeiros momentos da Administração de Timor-Leste pelas Nações Unidas (UNTAET), desenrolou-se uma luta surda entre sistemas de justiça anglo-saxónicos, aparentemente favorecidos pela UNTAET, até pela escolha da língua de trabalho – inglês, e de raiz romana, que a decisão dos timorenses de adoptar o português como língua oficial pareceu beneficiar.

O governo de Timor-Leste, ainda antes da independência, deu voz às dificuldades que sentia pela escolha linguística feita e pelas implicações que daí decorriam, solicitando a ajuda do governo português no fortalecimento de um sistema de justiça de raíz civilista e em português. A reflexão estratégica feita em Portugal levou à conclusão de que deveriam ser postos em campo todos os meios necessários para acorrer ao pedido de ajuda feito, com o sentido estratégico de integrar plenamente Timor-Leste no universo jurídico de raíz civilista de que a CPLP5 é uma parte importante.

Desde Maio de 2002 foram preparados dois ambiciosos protocolos de cooperação entre os Ministérios da Justiça de Portugal e de Timor-Leste, um relativo ao funcionamento do Centro de Formação Judicial e à formação de magistrados e o segundo visando a elaboração da legislação básica de Timor-Leste. Em Dezembro de 2002 os Ministérios da Justiça de ambos os países assinaram os dois Protocolos de Cooperação que marcam um ponto de viragem nas relações entre os dois Estados nesta matéria.

O primeiro protocolo diz respeito ao desenvolvimento das funções do Centro de Formação do Ministério da Justiça de Timor-Leste e à formação de magistrados timorenses. Nos termos deste protocolo, Portugal compromete-se a ministrar cursos de formação intensiva de 25 a 36 magistrados timorenses no nosso país durante um período total de três anos e a suportar os encargos inerentes ao alojamento e à concessão de bolsas de estudo aos referidos formandos. Estes cursos, que têm a duração de doze meses cada, são compostos por três fases: a primeira, de três meses, consiste num curso de português jurídico ministrado pelo Instituto Camões, após o qual tem início um curso de formação pelo Centro de Estudos Judiciários – especialmente concebido para estes destinatários específicos. Finalmente, o ano de formação culminará com a frequência de um estágio prático num tribunal de comarca do país.

Através de um contrato assinado entre cada um dos formandos, o Ministério da Justiça de Portugal e o Ministério da Justiça deTimor-Leste, aqueles comprometem-se a regressar a Timor-Leste após a conclusão docurso de formação e a retomarem as funçõesque exerciam na altura em que vierampara Portugal. Por outro lado, o governotimorense compromete-se a promover todosos formandos que concluírem o referidocurso com aproveitamento, fazendo-osprogredir automaticamente de juízesestagiários para juízes efectivos.

O primeirodestes cursos de formação já teve início a15 de Julho de 2003, devendo terminar a 14de Julho de 2004. Nos termos deste mesmoprotocolo, deverá ainda ser reactivadoo Centro de Formação do Ministérioda Justiça de Timor-Leste, tendo já sidoconstituída uma Comissão Coordenadoraluso-timorense com o objectivo de gizar umplano detalhado de formação jurídica a levara cabo no Centro. Portugal assumiu aindaa responsabilidade de organizar cursos eseminários de formação em Timor ou emPortugal e de dar apoio técnico e científicoa estudos e projectos de investigação nasáreas jurídica e judiciária.

O segundo Protocolo de Cooperação prende-se com a elaboração, revisão e adaptação da legislação indispensável ao funcionamento de um Estado de direito democrático, sendo de notar que a elaboração da legislação fundamental do país foi eleita como uma prioridade pelo governo timorense em 2002. Nos termos deste protocolo serão constituídos grupos de trabalho compostos por juristas timorenses e portugueses que se encarregarão de redigir alguns dos códigos fundamentais que vigorarão em Timor. Assim, vai-se reunir pela primeira vez em Timor-Leste o primeiro destes grupos de trabalho que se encarregará da elaboração de um Código Penal e de um Código de Processo Penal para a República Democrática de Timor-Leste. Até finais de 2004 deverão estar prontos estes dois projectos de códigos, e ainda um Código Civil e um Código de Processo Civil.

Em meados de 2004, Timor-Leste deverá dispor de um primeiro grupo de juízes habilitados com uma formação jurídica intensiva e sólida de doze meses em Portugal, e até 2006, de um total de mais de 30 magistrados devidamente formados para o exercício da sua função. Simultaneamente, os magistrados timorenses podem dispor, em 2004, de legislação básica para o funcionamento do Estado de direito, em português (e preferencialmente em tétum), emanada das instituições democraticamente instituídas de Timor-Leste.

Para além destes dois programas estruturantes, conduzidos no âmbito bilateral, o Estado português está profundamente envolvido, no âmbito multilateral, no programa gizado pelo PNUD para a área da justiça, no quadro do qual se disponibilizou para dar formação jurídica a funcionários timorenses, apoio directo ao Gabinete do Ministro da Justiça, formação de oficiais de justiça, de guardas prisionais, reforço da capacidade de investigação criminal, entre outras medidas pontuais que correspondem a carências do Estado de Timor-Leste.

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A cooperação de Portugal com Timor-Leste na área da justiça corresponde a uma vontade expressa com clareza pelo governo de Timor-Leste, que escolheu Portugal como parceiro preferencial para o estabelecimento de um sistema judicial que respeite os parâmetros exigíveis num Estado democrático de direito. Do lado timorense existe a óbvia vontade de construir um sistema que credibilize e possa ser o último aval do funcionamento justo das instituições democráticas. Os actuais governantes de Timor-Leste têm perfeita consciência, por várias vezes expressa, de que não pode haver desenvolvimento económico e social sem um sistema judicial justo e eficaz. Do lado português existe a aguda consciência de que Portugal é maior na plena assunção das suas várias identidades nacional, europeia, atlântica e universal. Ao ajudar Timor-Leste a ultrapassar as suas dificuldades conjunturais e a integrar de pleno direito a congregação dos Estados democráticos e de direito e, de entre estes, os de língua portuguesa, Portugal também cresce e acresce ao seu legado universal.

A cooperação é um caminho que se faz a dois e em que o resultado final é maior que a soma de cada uma das partes.

 

Informação Complementar

Acções de cooperação desenvolvidas com Timor-Leste desde 2000

• Deslocação a Timor-Leste, (Jan. 2000), de uma missão no âmbito da justiça, integrando representantes do MJ, CSM, PGR e Ordem dos Advogados para avaliação global da situação e definição do quadro geral de apoio e cooperação com Timor-Leste;

• Deslocação a Timor-Leste, (Fev. 2000), de técnicos da Direcção Geral dos Serviços Prisionais para avaliação do estado e viabilidade da recuperação das cadeias de Díli, Baucau e Gleno;

• Colocação em Díli (a partir de Jun. 2000) de dois magistrados judiciais, um magistrado do Ministério Público, advogados e três funcionários judiciais para servirem como mentores/ formadores no programa e em acções de capacitação dos timorenses;

• Integração dos magistrados portugueses no Tribunal de Recurso e no Tribunal para julgamento dos Crimes Graves;

• Promoção e coordenação no âmbito da CPLP da integração de magistrados judiciais e de procuradores dos PALOP nos tribunais de Timor-Leste;

• Estágio em Portugal, no âmbito do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), por parte de magistrados judiciais, procuradores e defensores públicos, com a duração de dois meses, (início Set. 2000) e que envolveu já vinte magistrados e defensores públicos timorenses;

• Participação de magistrados e docentes universitários em acções de formação teórica desenvolvidas em Díli no âmbito de programa do International Law Development Institute;

• Colocação em Díli de um Conservador de Registo para apoio ao funcionamento da Comissão de Terras e Propriedade;

• Obtenção da cooperação da Região Administrativa de Macau na formação de um intérprete-tradutor para os tribunais;

• Recuperação integral do edifício do Tribunal Distrital de Díli (Mai. 2000);

• Fornecimento de material de apoio ao funcionamento do Tribunal Distrital de Díli;

• Recuperação integral e adaptação de edifício em Díli para a instalação do Centro de Documentação e Formação Jurídica de Timor-Leste (CDFJ) (2002);

• Oferta de mais de um milhar de monografias e periódicos constituindo a Biblioteca Jurídica, de dois computadores e uma impressora;

• Deslocação a Díli (19 Fev. a 16 Mar. 2002) de dois funcionários portugueses para instalação e montagem da biblioteca e formação de timorenses na sua gestão e actualização;

• Missão da CPLP a Timor-Leste no Âmbito da Justiça, integrando um especialista de cada país nas seguintes áreas: Angola – Formação de formadores; Brasil – Investigação Criminal; Cabo Verde – Oficiais de Justiça; Guiné-Bissau – Magistratura do Ministério Público; Moçambique – Registos e Notariado; Portugal – Exercício do Direito de Defesa; São Tomé e Príncipe – Magistratura Judicial; a Região Administrativa Especial de Macau aceitou acompanhar a Missão da CPLP cooperando na área da Produção Legislativa (datas previstas – 1 Mar. a 1 Jul. 2002);

• Estágio em Portugal de quatro timorenses do Ministério da Justiça de Timor-Leste nas áreas de Administração, Assessoria, Legislação e Formação Judiciária, (18 Out. a 15 Dez. 2002);

• Missão conjunta de doadores liderada pelo PNUD, de avaliação dos Serviços Prisionais timorenses, com o objectivo de definir estratégias de médio e longo prazo para o sector, tendo sido designado para o efeito o Chefe de Divisão de Telecomunicações da Divisão de Serviços, Vigilância, Acompanhamento e Segurança Penitenciária da Direcção Geral dos Serviços Prisionais (15 a 30 de Out. 2003);

• Deslocação do Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça, (29 Nov. a 6 Dez. 2002) e assinatura de dois Protocolos de Cooperação na área da Justiça com Timor-Leste;

• Visita oficial do vice-ministro da Justiça de Timor-Leste a Portugal, (13 a 23 Jul. 2003), a convite do Ministério da Justiça de Portugal;

• Curso de Formação de nove magistrados timorenses no CEJ, (15 Jul. 2003 a 14 Jul. 2004), antecedido de formação em Língua Portuguesa no Instituto Camões (a partir de 15 Jul. 2003);

• Reunião Anual da Comissão Coordenadora do Centro de Formação Jurídica do Ministério da Justiça em Díli (27 Ago. a 5 Set. 2003).

__________
1 - United Nations Transitional Administration in East Timor.
2 - A Resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, atribuiu à UNTAET a “completa responsabilidade pela administração de Timor-Leste e todas as competências para exercer a autoridade legislativa e executiva, incluindo a administração da justiça”.
3 - Constituição da República Portuguesa.
4 - A par da oferta da respectiva biblioteca jurídica, constituída por mais de um milhar de monografias e de um completo equipamento informático.
5 - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Nota: A perspectiva apresentada pelos autores neste artigo é pessoal, não correspondendo necessariamente à posição do Governo sobre a matéria.

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* João Luís Mota de Campos

Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça.

* Catarina Albuquerque

Mestre em Direito Internacional Público pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales. Assessora do Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Justiça. Professora Auxiliar na UAL.

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