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O “cluster” automóvel português

Sérgio Nunes *

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O conceito de cluster industrial tem as suas raízes no início do séc. XX, com os escritos do economista Alfred Marshall que desenvolve o conceito de economias de aglomeração e atmosfera industrial. Numa aglomeração de empresas existiam vantagens internas às empresas e vantagens externas às empresas mas internas à aglomeração (utilização de infra-estruturas comuns, troca de informação, possibilidade de utilização de uma força de trabalho comum, etc.).

Em 1950, François Perroux salienta que para compreender o crescimento e as alterações tecnológicas das economias era necessário considerar empresas e indústrias motrizes, capazes de arrastar consigo uma constelação de outras organizações através das relações interindustriais que entre elas se estabelecem. Em 1990, Michael Porter na sua monumental obra “The Competitive Advantage of Nations”, afirmou que “clusters industriais” são formados por empresas e sectores fortemente interdependentes, ligados através de relações verticais (cliente/ fornecedor) e horizontais (tecnologia, utilização de recursos) numa determinada região. É na sequência destes trabalhos que o conceito é adoptado por governos nacionais e supranacionais, procurando operacionalizar políticas de dinamização económica territorial.

Portugal, país geralmente relegado para as últimas posições nos diversos indicadores de produtividade e competitividade, tem vindo a apresentar uma dinâmica significativa na sua participação em diversas fases da cadeia de valor da produção e distribuição automóvel. O funcionamento do cluster automóvel em Portugal permite obter mais valias significativas para a economia portuguesa, quer em termos de emprego e de valor acrescentado quer em termos de apropriação de princípios e práticas tecnologicamente avançadas com aplicação em diversos sectores da economia e possibilitando a um conjunto de actividades ascender na cadeia de valor da produção (as ligações entre por exemplo o cluster automóvel e o aeronáutico são bem conhecidas).

Apenas a título de exemplo, observe-se o gráfico da evolução do peso das exportações dos “Componentes Automóveis” e “Automóveis e Ciclomotores” nas exportações totais portuguesas. A dinâmica exportadora destes sectores arrancou no início da década de 80 (Projecto Renault e 2ª Lei Quadro para o sector automóvel), tendo a exportação de Automóveis e Ciclomotores sofrido uma quebra no início dos anos 90 (crise financeira mundial), consolidando finalmente o seu peso nas exportações portuguesas decorrente da localização da AutoEuropa (e articulação deste projecto com o restante cluster) no nosso país. O sector dos componentes automóveis, não tendo um peso exportador tão elevado (o grosso da sua produção é para consumo interno da indústria), manteve uma assinalável tendência de crescimento nas exportações portuguesas.

 

A orgânica funcional do “cluster” automóvel

A produção de um automóvel é feita, actualmente, com cerca de 12 mil componentes. Estes componentes não são produzidos por um ou dois fornecedores nem os materiais que estes utilizam na produção desses componentes advêm da mesma indústria ou do mesmo local geográfico. A indústria automóvel está dependente de praticamente todos os sectores da indústria transformadora, nomeadamente o vidro, os plásticos, a electrónica, o têxtil, a borracha, a metalomecânica, etc. Segundo o Ministério da Economia, o cluster automóvel português é constituído pelas seguintes actividades:

• Foco – Conjunto de actividades que originam o produto automóvel ou componentes directamente relacionados com o fabrico do mesmo – Integração/montagem, fabrico de sistemas e fabrico de componentes modelares;

Input – Actividades relacionadas com os produtos necessários à produção do automóvel (produtos incorporados no próprio automóvel) – Diversas electrónicas/comando de navegação/áudio/veículo, fundição de ferro, sistema eléctrico, aço/alumínio, químicos de base, tintas/estampagem, borracha/ plásticos, curtumes, madeira/cortiça, vidro e têxteis técnicos;

• Suporte – Actividades necessárias ao processo de produção do automóvel, não incorporadas fisicamente no produto final, mas essenciais à sua produção e distribuição (em particular equipamentos fundamentais utilizados na produção)

– Logística, serviços de venda novos/usados e pós-venda, serviços de I&D/design e educação;

• Complementar – Actividades relacionadas com o foco, não indispensáveis ao processo produtivo, embora permitam agilizá-lo e ter um maior domínio da cadeia a jusante do foco – Administração pública, serviços financeiros, de seguros, marketing, rent-a-car viagens e reciclagem.

A competitividade do cluster automóvel depende então da capacidade de relacionamento e de obtenção de sinergias produtivas destes actores, da percepção da emergência de novos actores, da sua capacidade para inovarem, cooperando e procurando uma inserção cada vez maior nas redes internacionais, onde, face à elevada interconectividade entre actores, ganhos (e perdas) de competitividade têm um efeito multiplicador nas restantes organizações do cluster. Do ponto de vista da organização espacial da indústria automóvel, podem encontrar-se diversos perfis regionais em função, quer da penetração do investimento directo estrangeiro (IDE), quer do nível de desenvolvimento tecnológico de cada região, conforme se pode observar no quadro “Geografia da Indústria Automóvel em Portugal”.

Verifica-se, como noutros sectores de actividade inovadores e competitivos, uma forte litorização, onde se destaca o concelho de Palmela com mais de 25% do emprego nesta área. Este facto fica a dever-se primordialmente à localização da AutoEuropa e dos diversos fornecedores que se instalaram no seu parque industrial como forma de aproveitarem as externalidades positivas decorrentes das economias de aglomeração que aí ocorrem. Este é um fenómeno que ainda não demonstrou todas as suas potencialidades no que concerne às sinergias decorrentes da densificação de relações entre actores com objectivos estratégicos e operacionais confluentes. O dinamismo das actividades e da própria região será certamente aprofundado e consolidado com a formação efectuada pela Academia para a Indústria Automóvel e Electrónica, que irá localizar-se brevemente no parque da AutoEuropa. Esta academia de formação, decorrente de uma parceria entre as três maiores empresas alemãs instaladas em Portugal, pretende formar quadros intermédios em falta em diversas áreas da indústria. Os cursos aí desenvolvidos pretendem juntar a “teoria” portuguesa à “prática” alemã. Um conceito que se pode designar de “learning by doing real things”, uma vez que se pretende que a componente destes cursos seja muitas das vezes feita ao serviço das necessidades decorrentes da laboração normal da indústria.

Em síntese, pode-se constatar uma especialização na produção de componentes metálicos e cablagens no Norte, no fabrico de moldes e de componentes de plásticos na região Centro (Marinha Grande) e na produção de componentes eléctricos e electrónicos no Sul, nas regiões de Lisboa e Setúbal.

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Perspectivas e desafios para o futuro

Embora o cluster automóvel português não tenha massa crítica suficiente para competir em igualdade de circunstâncias com as principais aglomerações de concepção e produção automóvel europeias (o triângulo Paris-Wolfsburg-Turim é o centro europeu da indústria automóvel), o futuro da viabilidade do cluster automóvel português está dependente do posicionamento que os diversos actores venham a ter face a um conjunto elevado de factores que condicionam a actividade, no sentido da procura de soluções inovadoras.

As principais tendências e potencialidades de Portugal, assim como algumas das suas fraquezas estão sistematizadas no quadro “Competências do cluster automóvel português”. Junte-se a esta análise o impacto da China enquanto actor/consumidor, o desenvolvimento do sector logístico apoiado no porto de Sines (e nos parques industrias criados ao longo da última década), as vantagens de cooperação com as universidades e politécnicos, os esforços para captar a marca “Pininfarina” e estão encontrados alguns vectores de sustentabilidade deste cluster em Portugal.

Por outro lado, as novas tecnologias de informação e comunicação conduzem inevitavelmente a uma maior concentração geográfica do cluster. O tempo ganho na resposta a uma procura cada vez mais personalizada é variável fundamental na competitividade do construtor/distribuidor. A Internet, por exemplo, passa gradualmente de uma ferramenta de informação e de apoio à decisão para uma nova forma de comercialização com repercussões na organização territorial do cluster (há actores que terão tendência a desaparecer enquanto outros se desenvolvem).

Um aspecto final. O cluster automóvel teve um actor sempre presente e actuante: o governo e as suas acções. Contudo, face à complexidade das inter-relações entre os outros actores do cluster e ao próprio conceito teórico em causa, as acções de dinamização deverão ser enformadas pelo conceito de “clusterização de políticas”. A verdadeira dinamização de um cluster não pode ser feita por acções individuais e avulsas de ministérios e agências de investimento. Talvez houvesse vantagens em que essa coordenação fosse feita por uma estruturaprópria de gestão de clusters, uma “governância regional” apoiada numa visão estratégica de longo-prazo para o país.

 

Informação Complementar

COMPETÊNCIAS DO CLUSTER AUTOMÓVEL PORTUGUÊS: TENDÊNCIAS GLOBAIS

Concentrações: alianças, F&A

Características do cluster em Portugal – Bom posicionamento de alguns segmentos no mercado internacional (destacando-se os interiores e os moldes). Existência de focos de agrupamentos de empresas (e centros de I&D e universidades, sobretudo no domínio da reciclagem e de novos materiais) e de empresas isoladas inseridas em redes internacionais de fornecimento (embora ainda em número reduzido). Em contrapartida, verifica-se uma excessiva dependência de um número diminuto de mercados, agravada pela fraca representatividade das exportações nacionais nos mesmos.

Potencialidades para Portugal – Exploração do mercado ibérico, quer através da exportação directa, aproveitando a implantação de vários construtores no território espanhol, quer através do reforço das relações entre infra-estruturas tecnológicas ligadas ao automóvel na região Norte de Portugal/Galiza e da cooperação entre empresas, também para a abordagem de mercados terceiros. Aliás, esta via facilitaria não só a internacionalização das empresas nacionais como a sua inserção em redes internacionais.

 

Standardização / Modularização

Características do cluster em Portugal – Existem algumas empresas inovadoras, com produtos complexos e de qualidade (fruto das exigências dos OEM e dos fornecedores de 1ª linha). Contudo, a oferta de soluções integradas é ainda incipiente: predominam os produtos de baixo valor acrescentado e de reduzida diferenciação.

Potencialidades para Portugal – Atracção de novos investimentos: de fornecedores de 1ª linha, nomeadamente de elevada intensidade tecnológica com competências em design, e na AutoEuropa, seja através de uma nova plataforma ou do aumento da produção, para valores próximos da máxima capacidade instalada. A verificarem-se estes investimentos, estariam criadas condições para uma ascensão dos componentes nacionais na cadeia de valor, ao estimularem o desenvolvimento de materiais e de produtos (ou até de conceitos de mobilidade), numa lógica de cooperação entre entidades com diversas competências e, consequentemente, a oferta de módulos (destacam-se os moldes), de sistemas ou mesmo de um veículo de nicho.

 

Alteração do papel dos fornecedores de componentes no cluster: acréscimo de competências

Características do cluster em Portugal – A uma boa capacidade de adaptação da mão-de-obra no cluster acrescem empresas fornecedoras de componentes certificadas ao nível da qualidade, possuidoras de um sistema logístico eficiente. Contudo, os recursos humanos qualificados são escassos, o que se reflecte ao nível estratégico, e o sistema laboral é pouco flexível, o que dificulta ainda mais a circulação dos trabalhadores.

Potencialidades para Portugal – As mesmas já referidas para a Standardização / Modularização.

 

Diversificação de áreas de negócio

Características do cluster em Portugal – Cadeia de valor excessivamente centrada na produção, valorizando pouco as actividades a montante e a jusante. Existe uma fraca diversificação das actividades na área da distribuição e manutenção automóvel, sobretudo face à concorrência acrescida que se perspectiva, nomeadamente por parte dos VBO.

Potencialidades para Portugal – Dinamização da reciclagem e valorização dos materiais eco-eficientes. Desenvolvimento de relações existentes no cluster através da intensificação das ligações a áreas afins à produção de componentes/automóvel, de que é exemplo a banca.

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* Sérgio Nunes

Licenciado em Economia pelo ISEG. Mestre em Economia e Gestão do Território pelo ISEG. Docente no Instituto Politécnico de Tomar.

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Bibliografia

CHORINCAS, J. (2002) – O Cluster Automóvel em Portugal. DPP. Ministério das Finanças. Lisboa

LOBO, A. e MELO, M. (2002) – O Automóvel: um Cluster (Globalmente) Inovador. GEPE. Ministério da Economia. Lisboa.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Geografia da indústria automóvel em Portugal

Link em nova janela Evolução do peso das exportações de sectores específicos do cluster automóvel nas exportações totais portuguesas

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