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Os lugares da memória como valor-refúgio da identidade

Fernando Amorim *

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Na pluralidade das culturas europeias, há relevantes lugares, com grande carga simbólica, geograficamente disseminados, portadores de histórias onde se cruzam diversos significados, por vezes com marcas de sofrimentos incontáveis, talvez apenas presentes na penumbra da nossa memória. Seleccionámos alguns deles, tentando não repetir lugares já referenciados no inventário dos marcos culturais europeus ao longo do tempo (ver páginas anteriores).

 

1 – Jerusalém [Yerushalayim; Al Quds  al Sharif]

Chamada de Orshalem (Cidade da Paz) pelos cananeus há 5000 anos atrás, de Yuroshalime pelos judeus, que a governaram durante 72 anos nos tempos bíblicos, depois, de “Orshamam” pelos faraós e Herosulima pelos gregos e romanos, esse nome foi modifi cado para Jerusalém pelos francos e Al Quds al Sharif (a nobre cidade santa) pelos muçulmanos. Cidade santa das três religiões do Livro, foi dominada por mesopotâmios, egípcios, filisteus, hebreus, babilónios, macedónios, romanos, cristãos, persas, árabes, otomanos, britânicos e judeus. Ali foi Jesus crucificado, tornando-se, por isso, centro do imaginário colectivo espiritual e histórico da Europa e da Cristandade, que a governou durante cerca de 400 anos, entre os séculos IV e VII e, outra vez, no século XX. É também a terceira cidade do Islão, depois de Meca e Medina, governada pelos muçulmanos (árabes e turcos) durante doze séculos, ininterruptamente de 638 a 1917, exceptuado o período em que a cidade foi a capital do reino latino de Jerusalém.

 

2 – Istambul [Constantinopla, Bizâncio]

Situada na península do Bósforo, entre os Balcãs e a Anatólia, o mar Negro e o Mediterrâneo, Constantinopla foi uma das mais cercadas e ambicionadas cidades do mundo. Está associada aos mais relevantes acontecimentos políticos, religiosos, culturais e artísticos que marcaram a história da civilização europeia nos últimos dois mil anos. Historicamente importante como a capital do Império Romano do Oriente, pela sua larga influência no direito romano, filosofia e arte gregas, teologia cristã e história da Igreja, rivalizou com as contribuições culturais de Atenas, Jerusalém, Roma e Paris. Após a conquista pelos Turcos-Otomanos (1453) e o fim do Império de Bizâncio, Constantinopla tornou-se capital do Império Otomano até 1923, quando a República da Turquia (proclamada por Mustafá Kemal, Atatürk) declarou Ancara a capital. Ocupada pelas forças aliadas italianas, inglesas e francesas (1918-1923), o seu nome foi oficialmente alterado para Istambul em 1930.

 

3 – Monte Cassino

O mosteiro beneditino fundado por S. Bento de Nursia (529) sobre as ruínas de um templo a Apolo, situado no topo do monte com o mesmo nome, tornou-se a abadia-mãe dos beneditinos que lideraram por séculos o movimento monástico na Europa Ocidental. Durante os séculos XI-XII desempenhou papel de relevo no ensino da medicina, de que resultou a fundação pelos monges de Monte Cassino da famosa escola médica de Salerno. Após o colapso (1943) da Itália fascista durante a II Guerra Mundial, tropas nazis ocuparam Monte Cassino que tornaram no ferrolho da Linha Gustavo de defesa, sendo severamente bombardeado e destruído pelos Aliados. Ressurgindo das cinzas no pós-guerra, Monte Cassino seria restaurada em 1945-1959.

 

4 – Aachen [Aix-La-Chapelle]

Povoado celta, cidade romana, local de nascimento de Carlos Magno, durante o seu reinado (800-814) é construído o seu palácio e a catedral de Aachen que se tornou no centro da cultura carolíngia, responsável pelo primeiro grande renascimento cultural na Europa medieval. Trinta e dois imperadores romano-germânicos foram aqui coroados de 813 a 1531. Durante a Revolução Francesa (1789-1799) Aachen foi ocupada pelos franceses e formalmente cedida à França em 1801. Após a derrota de Napoleão em1815, foi adquirida pela Prússia. Durante a II Guerra Mundial (1939-1945) foi a primeira cidade da Alemanha a ser tomada pelas forças americanas. É considerada o berço da Europa de tradição franca e carolíngia.

 

5 – Tomar

Pelo final do séc. XIII a Ordem do Templo abandonou a Terra Santa, onde se extinguira completamente o domínio cristão, voltando à Europa. Perseguida na Europa e acusada de heresia e sacrilégio, acabaria por ser extinta por Clemente V (1312), surgindo em Portugal em seu lugar e recebendo os seus bens, por iniciativa do rei D. Dinis, a Ordem de Cristo (14.03.1319). Ligada ao infante D. Henrique, a Ordem de Cristo teve um papel importante nos Descobrimentos portugueses e na expansão europeia. Assim, o Convento de Cristo em Tomar, originalmente erigido como símbolo da Reconquista, e transferido em 1344 para os cavaleiros da Ordem de Cristo, viria a simbolizar durante o período manuelino exactamente o oposto: a abertura de Portugal a outras civilizações, e o trazer de outros mundos ao mundo.

 

6 – Avignon

Povoado da Idade da Pedra, feitoria dos gregos, cidade romana, visigoda e, posteriormente, do Império Romano-Germânico, foi adquirida e integrada nos domínios da Igreja Romana pelo papa Clemente VI (1348), quando, desde 1305 e até 1378 era já a capital da cristandade ocidental e sede da Cúria Romana, no que ficou conhecido como “novo cativeiro da Babilónia” do Papado. De 1378 a 1408, no contexto do “Cisma do Ocidente”, seria residência de vários anti-papas, após o que diminuiria a sua importância, mas sempre persistindo como símbolo da supremacia da autoridade espiritual e temporal do Papado sobre os príncipes e Estados da cristandade ocidental até 1794, altura em que foi anexada pela França revolucionária.

 

7 – Dubrovnik [Ragusa]

Também designada por “Pérola do Adriático”, a República de Ragusa fez parte do império bizantino e de Veneza (1205). Importante potência marítima do Mediterrâneo a partir do séc. XIII, após o domínio húngaro (1358-1382) obteve a plena independência (1410) e nos sécs. XV e XVI atingiu o apogeu do seu desenvolvimento económico cultural e artístico, visível nos seus belos edifícios de estilo gótico, renascentista ou barroco. A partir do séc. XVII a sua cultura eminentemente latina começou a absorver elementos eslavos, originando assim uma cultura de fusão mais especificamente raguseia. Incorporada no reino itálico de Napoleão (1806), depois no império austro-húngaro (1815-1918), após a guerra civil da ex-Jugoslávia (década de 1990), passou a integrar a Croácia, recuperando o seu legado histórico e cultural feito de cruzamento entre a cultura latina e eslava e as restantes influências culturais de toda a bacia do Mediterrâneo.

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8 – Cantuária [Canterbury]

O burgo ou estabelecimento do povo Canta ou Kent (Cantawaraburgh) está desde a sua fundação ligado ao cristianismo. Tornar-se-ia, com a ruína do Império, um importante centro de saber e cultura. Ali fundou Santo Agostinho (597) um mosteiro beneditino, tornando-se Cantuária a base do renascimento da Igreja Cristã em Inglaterra. A morte de Becket na catedral de Cantuária em 1170, após a disputa com Henrique II acerca dos direitos da Igreja contra as prerrogativas régias, transformou a cidade em destino de peregrinação. A proclamação do Acto de Supremacia (1534), que separava a Igreja de Inglaterra da Igreja Católica Romana, e o encerramento de todos os mosteiros (1541) por ordem de Henrique VIII tornaram Cantuária centro administrativo da Igreja Anglicana e o seu arcebispo Primaz de toda a Inglaterra, cabendo-lhe a coroação dos monarcas britânicos. Constitui um lugar simbólico dos distintos caminhos europeus, leia-se, de territórios que conheceram o sofrimento do confronto e que ilustram a posteriori a complexidade de confluências.

 

9 – Helsingør [Elsinore em inglês]

Cidade portuária próximo de Copenhaga e centro da corte do rei Cristiano IV, Helsingør, com o castelo de Kronborg construído no século XVI, onde Shakespeare situou a acção da tragédia “Hamlet”, tornou-se por esta via um legado do imaginário cultural europeu. O conhecimento de Elsinore por Shakespeare é resultado da presença de companhias teatrais inglesas e de seusamigos próximos, como o alaudista JohnDowland (1563-1616). Hamlet, o “príncipelouco”, após terminar os seus estudos,retornara para Elsinore onde encontrou seutio Claudius casado com sua mãe Gertrude,bem como o fantasma do falecido pai quelhe pediu vingança, porquanto a serpenteque o matou usava agora a sua coroa. Ahistória de Hamlet, sustentada numa ética enuma moral de matriz cristã, persistiria aolongo dos tempos no imaginário cultural emental europeu como paradigma de todasas perfídias e vinganças cometidas.

 

10 – Köenigsberg [Kaliningrad]

Fundada em 1255 como fortaleza dos cavaleiros teutónicos, tornou-se membro da Liga Hanseática em 1340. De 1457 a 1525 foi a sede oficial do Grão-Mestre da Ordem Teutónica e de 1525 a 1618 foi a residência dos Duques da Prússia. Frederico I foi coroado como primeiro rei da Prússia na capela do Schloss, em 1701. Durante a I Guerra Mundial (1914-1918), a cidade foi palco de violentos bombardeamentos entre alemães e russos. No seguimento da guerra foi tornada capital da província alemã da Prússia Oriental. Pela conferência de Potsdam (1945) a URSS anexou a cidade e o território circundante. Cidade natal de Hoffmann e Emanuel Kant que aqui nasceu e leccionou na universidade, em 1946 o nome da cidade foi alterado para Kaliningrad. Após a independência dos Estados Bálticos e a dissolução da URSS, esta cidade de tradição cultural germânica e euro-atlântica passou a constituir, enquanto longínquo enclave russo encravado entre a Polónia e aqueles Estados, uma verdadeira anormalidade histórica, cultural e política.

 

11 – Weimar

Capital do ducado de Saxe-Weimar a partir de 1547, o mecenato ducal atraiu escritores e pensadores alemães de referência do Iluminismo, como Goethe, Schiller, Herder e Nietzsche, na transição dos sécs. XVIII-XIX, tornando Weimar o centro cultural da Europa da época. Em 1919, no seguimento da I Guerra Mundial, a Assembleia Nacional Alemã reunida em Weimar redigiu uma constituição democrática e fundou a República Alemã, também conhecida como República de Weimar, dissolvida pela ascensão de Adolfo Hitler e do nazismo. Durante a II Guerra Mundial o regime nazi estabeleceu na região, próximo de Buchenwald, um dos mais terríveis campos de concentração. Weimar simboliza o apogeu de uma cultura, mas também o preâmbulo de uma crise de consciência que antecedeu uma época trágica da história da Europa e da Humanidade.

 

12 – Nuremberga [Nürnberg]

Importante centro comercial na Idade Média, pelas ligações com o Mediterrâneo e o Norte da Europa. A partir de 1927 realizaram-se vários congressos do Partido Nazi nesta cidade alemã da Baviera, junto ao rio Pegnitz, que se tornou a capital do anti-semitismo. Aí se promulgaram as leis de Setembro de 1935, que dividiam a população da Alemanha em três grupos: arianos, judeus de 1.º grau e judeus de 2.º grau. Em 1945 e 1946 Nuremberga foi o palco do julgamento dos criminosos de guerra nazis.

 

13 – Guernica y Luno

Guernica, cidade do Norte de Espanha situada na província da Vizcaya, próximo de Bilbao, tem sido, tradicionalmente, a capital cultural do País Basco. Foi palco, durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) de um devastador bombardeamento (27.04.1937) pela força aérea alemã ao serviço da Falange de Francisco Franco contra o governo republicano espanhol. A tragédia foi perpetuada por Pablo Picasso no óleo Guernica (1937 – Museu Nacional de Arte Moderna Rainha Sofia, Madrid), desafiando os ancestrais conceitos heróicos da guerra, expondo-a como acto brutal de autodestruição simbolizada nessa representação de um amontoado de figuras torturadas e amputadas. Em 24.04.1999, após 62 anos, o Parlamento alemão apresentou formalmente desculpas à população de Guernica pelo papel desempenhado pela Legião Condor no bombardeamento da cidade.

 

14 – Gdansk [Danzig]

Em meados do séc. XIV tornou-se uma cidade da Liga Hanseática. Em meados do séc. XV teve como protector Casimiro IV da Polónia, passando a gozar de uma grande autonomia. Mais tarde seria anexada pela Prússia, tendo desempenhado papel político e económico importante nesse Estado. Desde 1871, Danzig passou a pertencer à Alemanha. Em 1919 passou a ser a “cidade livre de Danzig”. Até à II Guerra Mundial, a questão do “corredor de Danzig” levantou uma série de conflitos entre a Alemanha e a Polónia (que culminou com a declaração de guerra em 1.09.1939), o que levou ao desenvolvimento do porto de Gdynia. Em 1939, voltou a ser cidade alemã até ter sido tomada pelos russos, em 1945. Em 1946 tornou-se polaca, com o nome de Gdansk. Importante centro de construção naval, em 1979-1980 Gdansk e o estaleiro Lenine ganharam fama mundial ao se tornarem o berço do movimento Solidarnosz, liderado por Lech Walesa, ulterior presidente de uma Polónia democrática e multipartidária.

 

15 – Auschwitz-Birkenau [Oswiécim]

Os muros fortificados, o arame farpado, as plataformas da linha férrea, as casernas, as forcas, as câmaras de gás e os fornos crematórios constituem testemunho das condições em que o genocídio hitleriano teve lugar no antigo campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau, o maior do III Reich. Quatro milhões de pessoas, entre eles um largo número de judeus, ciganos, prisioneiros políticos alemães, prisioneiros de guerra soviéticos e polacos em geral, bem como homossexuais, foram mortos sistematicamente à fome, torturados e gaseados neste campo, símbolo, no século XX, da crueldade do Homem para com o seu semelhante. É actualmente património da Humanidade.

 

16 – Liverpool

A expansão das manufacturas que serviam o mercantilismo inglês e o incremento do comércio com o Novo Mundo e Índias Ocidentais tornaram-na numa cidade próspera, centro de construção naval e rica metrópole mercantil e do corso e escravatura (fins do séc. XVIII). Protagonista dos primeiros passos da Revolução Industrial, tornar-se-ia (séc. XIX) o mais importante porto inglês da emigração e comércio para a América. Severamente bombardeada pelos alemães durante a II Guerra Mundial (1939-1945) e em decadência como resultado da quebra (fins dos anos 40) ocorrida no comércio do algodão e na indústria têxtil, aí nasceu o grupo musical The Beatles nos finais dos anos 50. O sucesso planetário por eles alcançado tornou a cidade um lugar da memória e valor refúgio de uma certa identidade cultural que extravasa a Europa e é familiar a muitos povos do mundo.

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* Fernando Amorim

Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente e Investigador do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Editor do Janus.

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