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Terrorismo e “Intelligence”: um novo quadro analítico

Heitor Romana *

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A configuração, os processos e os mecanismos de actuação do terrorismo, tendo por principal enquadramento factual o 11 de Setembro de 2001 e o 11 de Março de 2004, implicam uma abordagem analítica que não pode ser sustentada apenas em paradigmas teológicos, civilizacionais ou em perspectivas redutoras inspiradas em modelos de conjuntura de rápida depreciação. O esquema de organização, de planeamento e de execução de operações terroristas, e o recrutamento de meios humanos não podem ser interpretados à luz de um niilismo errático e prosélito, mas antes devem ter por antecena uma questão magna que é a dos objectivos políticos da nova expressão do terrorismo, situando assim a problemática no plano da captação e exercício do poder, onde o radicalismo religioso é um entre outros instrumentos operacionais e a “cruzada” anti-Ocidente, um factor de mobilização.

 

Uma nova matriz de abordagem

Destarte, afigura-se fundamental para a construção de uma matriz de análise, a elaboração de um “quadro de monitorização” que tem como eixo metodológico a variável da sede do poder (adaptada da análise tridimensional de Adriano Moreira). Quem exerce o poder? Como o exerce? Como está definido o processo de decision-making? Que estrutura de comando define a rede e os fluxos de comunicação? Estas são questões que se colocam no plano da análise micro (intra-organização), que devem, contudo, ser equacionadas numa lógica macro (extra-organização), que se interligam com outras questões, a saber: quais as conexões com outras sedes de poder? No caso concreto da Al-Qaeda, qual é a relação de poder com outras organizações ou com sistemas de poder formais e informais? A luta pelo poder dinástico nas teocracias do Médio Oriente, em particular na Arábia Saudita, é fulcral para o entendimento desta questão.

 

O novo terrorismo de matriz islâmica

Para além da variável da sede do poder, importa, num exercício de sistematização, proceder à identificação de algumas das componentes organizacionais do novo terrorismo de matriz islâmica:

• A concepção é global, na definição política dos alvos e objectivo e no planeamento estratégico. As componentes operacional e técnica são executadas a partir de uma célula local (estratégia “glocal”);

• A estrutura é descentralizada a partir de um núcleo duro que funciona segundo uma lógica de holding. O sistema de comunicação em rede é uma das suas principais características, que parece ter sido adaptado dos modelos de gestão;

• As células apresentam um design blindado, com uma hierarquia própria, funções específicas, autonomia de acção e ligação por módulos;

• Existe uma divisão racional de atribuição de funções. Os meios humanos possuem um elevado conhecimento técnico em vários domínios;

• A mobilização de meios humanos e técnicos é realizada segundo mecanismos de “economia de escala”;

• O planeamento das operações é elaborado segundo um quadro de longo prazo. A procura de inserção no tecido social de um determinado país é prática corrente;

• Há o recurso a uma metodologia própria dos serviços de informações, designadamente quanto à construção de redes de contactos e à selecção de elementos a recrutar;

• Ao nível local, a estrutura e a organização assentam num núcleo de comando, num pequeno grupo de active cadres, num escalão inferior de active supporters, e, na base, num grupo alargado de passive supporters;

• Existem grupos que não tendo uma ligação orgânica com a Al-Qaeda, actuam segundo um esquema de “terrorismo por procuração”;

• Constata-se a existência de uma elevada capacidade de deslocalização da preparação das operações, cujo range vai da Alemanha a Marrocos;

• O recurso a atentados contra alvos indiscriminados tem sido uma marca do modusoperandi dos grupos ligados à rede da Al-Qaeda. Contudo, dadas as características de volatilidade do seu modo de actuação, em função dos objectivos políticos e em função de “alvos de oportunidade”, é de considerar a possibilidade de realização de atentados contra alvos selectivos de grande impacto mediático.

 

Diversidade de padrões de operacionalidade

O estudo dos modelos de actuação dos grupos terroristas leva à construção de padrões de operacionalidade. Contudo, no caso do terrorismo de matriz islâmica, o seu esquema de actuação não é linear, verificando-se o cruzamento de um nível de elevada, média e baixa intensidade letal – medido pelo grau de danos humanos e físicos provocados – com a utilização de meios de elevado, médio e baixo input – definido como o grau de preparação e de utilização de meios humanos, técnicos e tecnológicos utilizados no perpetrar do acto terrorista. O 11 de Setembro de 2001 constitui exemplo de uma acção de elevado input com muita elevada intensidade e o 11 de Março de 2004 foi um atentado de baixo input com elevada intensidade.

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Implicações geopolíticas e geoestratégicas

Ainda no respeitante ao enquadramento político do terrorismo de matriz islâmica, enquanto ameaça global, considera-se como factor de análise as suas implicações geopolíticas e geoestratégicas, que podem modificar o quadro de avaliação do poder relativo dos Estados, expressas na alteração da hierarquia de prioridades de governação dos Estados-alvo; na reconfiguração da balança de poderes interna dos Estados; na redefinição de orientações de política de alianças; no condicionar dos mecanismos de funcionamento dos sistemas económicos e sócio-culturais; na agudização de tensões étnico-culturais e no redesenhar da sociedade global. A complexidade do actual fenómeno terrorista, em especial o de matriz islâmica, implica a existência de políticas e estratégias de combate que devem ter como prioridade máxima a detecção, em tempo útil, da ameaça. Neste contexto, cabe aos serviços de informações um papel vital, através da instalação de early warning systems defensivos e ofensivos, nos quadrantes da pesquisa e produção de informações nas três vertentes estratégicas: política; de defesa e de segurança. Esse sistema de “alerta precoce” só é viável se o ciclo de produção de informações for ágil, e for continuamente alimentado por indícios técnicos e por informações já processadas. Tal implica a existência de canais de comunicação entre serviços e forças de segurança que garantam um contínuo recorte de notícias, tornando-se vital a existência de instrumentos de coordenação política e técnica. No caso da coordenação técnica, ela pode assumir uma de duas configurações: coordenação executada por um órgão específico, que faça o interface entre os serviços de informações e os órgãos de Estado responsáveis pela tutela dos SI, ou o upgrade da gestão dos serviços de informações – interno e externo – , através de um director-geral para a coordenação operacional das informações estratégicas e das informações de segurança.

 

Multilateralidade da coordenação e especialização técnica

A internacionalização do terrorismo implica, também, a criação de mecanismos permanentes de troca de informações que, em tempo útil, conduzam à detecção e neutralização da ameaça. Com efeito, a globalização da ameaça obriga a uma nova configuração da cooperação no seio da comunidade de Intelligence, nos planos interno e externo, através da articulação da pesquisa, sendo fulcral o rápido cruzamento de notícias. Essa articulação, que no plano da cooperação internacional se insere numa lógica de relações “multilaterais”, deve, primordialmente, obedecer ao princípio da especialização, ou seja, o da obtenção e tratamento de dados sobre aspectos muito específicos do fenómeno terrorista, a partir de um conhecimento ou acesso privilegiado a informações que se inserem no environment (temático e geográfico) normal de actuação de um determinado serviço. Assim, a definição de uma política de combate ao terrorismo transnacional obriga a uma abordagem sistémica e de “escala” escorada na optimização e maximização das condições e meios de cada Estado, que, num determinado momento e contexto, complementam ou estabelecem a interface de pesquisa e de análise com outros Estados.

 

Eficácia da análise operacional

Numa abordagem específica do trabalho de intelligence, é fundamental, no novo contexto da análise do fenómeno terrorista, a aposta na “análise operacional”, entendida como a integração e síntese de informações, utilizando os procedimentos próprios do desk system, mas a partir de indícios técnicos (raw material) obtidos e trabalhados directamente no terreno de pesquisa. Esta opção metodológica permite uma maior rapidez de avaliação, ainda que tenha que ser alvo de uma monitorização da sua fiabilidade. Em conclusão, a conjuntura impõe uma reavaliação dos instrumentos e processos de análise, bem como a redefinição dos actuais modelos organizacionais dos serviços de informações, considerando que, a natureza e características das novas expressões do terrorismo transnacional, em especial o caso da Al-Qaeda, obrigam à coordenação transnacional entre serviços e forças de segurança, numa lógica de optimização de mais-valias de análise.

 

Informação Complementar

VERTENTES DAS INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS – POLÍTICA, DEFESA E SEGURANÇA

• As informações estratégicas políticas têm duas componentes: defensiva e ofensiva. A componente defensiva é balizada pela produção de informações que visam a identificação de vulnerabilidades, a prevenção e neutralização de ameaças conduzidas por agentes e entidades contra os interesses externos – permanentes ou conjunturais – de um determinado Estado. Esta componente assenta, essencialmente, na contra informação e na adopção de medidas activas e medidas passivas. A componente ofensiva assenta, essencialmente, na produção de informações que contribuam para a execução de estratégias visando projectar os interesses permanentes ou conjunturais, influenciar, determinar e condicionar o quadro geopolítico, geoeconómico e geocultural de determinados espaços e áreas consideradas como vitais.

• As informações estratégicas de defesa são um subsistema das informações estratégicas políticas. Elas são definidas pela necessidade de os Estados possuírem uma avaliação do potencial estratégico de defesa de determinados países, alianças e organizações, considerados como focos de hostilidade ou de tensão, e são, ainda, balizadas pela necessidade de os Estados garantirem a manutenção e a projecção da sua influência militar em países e regiões vitais para os seus objectivos estratégicos.

• As informações de segurança dizem respeito ao estudo e avaliação de riscos e à prevenção de ameaças, com origem externa ou interna, à segurança dos Estados, e que se enquadram na tipologia de ameaças assimétricas (terrorismo, crime organizado, subversão dos pilares institucionais do Estado democrático).

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* Heitor Romana

Docente do ISCSP nas áreas de Relações Internacionais, Geopolítica e Segurança. Mestre e Doutorando em Ciência Política pelo ISCSP. Ex-Director Geral Adjunto do SIEDM.

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