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As forças de segurança nas missões de paz

Victor Mesquita Fernandes *

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As Nações Unidas assumem hoje uma nova dimensão na resolução de conflitos. A sua visibilidade é decorrente dos seus denodados esforços de manutenção da paz e da segurança internacional. Com extensa e intensa experiência, resultante da condução de 56 operações de paz em pouco mais de cinquenta anos, englobando a participação de cerca de meio milhão de militares e polícias, a intrínseca dinâmica associada à manutenção da paz por parte da ONU tem percorrido novos vectores de responsabilidade, como sejam a supervisão de processos eleitorais, a monitorização do respeito pelos direitos humanos, a assistência humanitária e a administração civil de transição. As crescentes solicitações trouxeram consigo substancial incremento na complexidade das missões atribuídas, o que implicou uma redefinição doutrinária em redor das estruturas das missões, nomeadamente, ao nível das suas componentes policial e militar.

 

A componente CIVPOL nas Operações de Apoio à Paz (OAP)

O emprego de forças de segurança em OAP tem vindo a ganhar maior importância, nas missões de paz desde 1990, decorrente do papel mais interventor que lhes é agora solicitado. A presença de forças de segurança na componente de polícia (CIVPOL/UNPOL), em OAP, verifica-se desde o início da década de 60, através da participação de agentes policiais do Gana e da Nigéria na missão do Congo (ONUC, 1960). É, contudo, na missão da Namíbia (UNTAG, 1989) que se verifica um aumento significativo da participação da componente de polícia, através do emprego de um conjunto de 1.500 monitores, que acompanharam o processo eleitoral. Desde a conclusão, com sucesso, desta operação, as NU decidiram passar a incluir, como parte integrante das missões, a componente CIVPOL nas suas missões no Camboja, Moçambique, Angola, ex-Jugoslávia, Sara Ocidental, Ruanda, El Salvador, Haiti, Iraque, Somália e Timor-Leste. Do ponto de vista operacional, a CIVPOL é uma componente autónoma da missão de paz, sob o comando do Police Commissioner, que depende directamente do Representante Especial do Secretário-Geral (SRSG), complementando a sua actividade em conjunto com outras componentes da missão: militar, humanitária, eleitoral e administrativa.

 

Missões não executivas e executivas; missões de substituição

O estabelecimento da componente de polícia, sob os auspícios da ONU, adquire diferentes formatos, tendo em conta o mandato e as características da missão para a qual é criada, e tem sido estruturada de acordo com dois conceitos tipo: as missões de natureza executiva e não executiva. Se durante as missões iniciais da CIVPOL, estas assumiam um mero papel de observação das forças policiais locais (observadores CIVPOL), actualmente exercem tarefas de supervisão, aconselhamento e treino, podendo mesmo actuar em sua substituição (missões executivas e substitutionmissions). As missões não executivas são desempenhadas por elementos desarmados, provenientes dos mais variados contingentes e envergando os uniformes dos respectivos países. Estas desenvolvem-se em diferentes áreas, que passam pela supervisão das polícias locais, pelo apoio às organizações internacionais de ajuda humanitária, pela supervisão da implementação de acordos de paz, pela formação das polícias locais e pela promoção e protecção dos Direitos do Homem. Na execução destas tarefas, os elementos da CIVPOL não têm quaisquer responsabilidades no cumprimento, de forma coerciva ou não, da lei interna, ou impor a ordem e a segurança pública.

Veja-se o exemplo da International Police Task Force (IPTF), especialmente criada e estruturada para a missão UNMIBH (UN Mission in Bosnia and Herzegovina, 1995), cujos monitores cumprem as suas missões desarmados, não estando mandatados para fazer cumprir as leis e cujo desempenho, decorrente do mandato estabelecido por Resolução do Conselho de Segurança das NU, depende, em grande medida, do nível de consentimento das partes. Em Abril de 2001, Douglas Coffman, porta-voz da UNMIBH, referindo-se à IPTF, salientava que “[...] nós não temos autoridade executiva, não utilizamos armas e não podemos prender ninguém [...] isso é a missão da polícia local e o nosso trabalho consiste em pressioná-la por forma a que o faça de modo profissional”.

O desempenho da IPTF passa, no terreno, por uma estreita ligação à componente militar – SFOR/KFOR, que lhe proporciona, não só a protecção bem como a força necessária para que esta exerça o seu mandato de fiscalização das polícias locais, garantindo uma prática policial democrática. Esta conduta traduzia uma preocupação já manifestada, em 1996, pelo Secretário Geral da ONU: “É irrealista perspectivara continuidade do trabalho de umaoperação policial civil sem uma estruturade segurança fornecida pela presença deuma força militar internacional credível”.

 

As recomendações do Relatório Brahimi (2000)

A partir de 1996, tornou-se imperativo implementar um fórum de reflexão, ao nível da gestão não militar de crises, que revisse o estatuto e a estrutura da componente policial, no seio das actuais e futuras OAP. Face à ineficácia ou à “ausência” de uma força de polícia local, capaz de assegurar o cumprimento da lei e da ordem pública, caberia às forças de segurança internacionais assumir e garantir esta “função”, no âmbito da cadeia de comando CIVPOL (Police Commissioner), ou na dependência de comando da componente militar (Force Commander). Neste sentido, o Relatório Brahimi, em 2000, recomenda, no respeitante à componente de polícia civil, que as missões “[...] requerem uma CIVPOLcapaz de estruturar as polícias locais, deacordo com os padrões internacionais,mas, de igual forma, capaz de respondereficazmente a incidentes de desordempública, no âmbito ou não da protecçãoda força e que os Estados membros devemestabelecer um determinado efectivo deagentes policiais, instruídos para esseefeito, de forma a ser empregue em OAP,com um reduzido tempo de pré-aviso”.

Concluía-se, deste modo, a necessidade da existência de uma Força/Unidade, com competências de polícia, capaz de ser empenhada numa OAP, o mais rapidamente possível e com o intuito, igualmente de forma célere, de ocupar o “vazio” deixado pela ausência ou inoperacionalidade de forças de polícia local. Esta acção pressupõe a existência de um mandato claro que viabilize a actuação desta mesma força, em substituição da polícia local, ou seja, em missões de substituição e executivas. A decisão de dotar a componente policial – CIVPOL –, nas missões UNTAET e UNMIK, com estas valências, em momentos temporais distintos, parece ter constituído uma lição aprendida da missão UNMIBH. Esta postura aponta para que as forças de segurança desempenhem, nas OAP, cada vez mais tarefas inerentes ao serviço de polícia num Estado de direito democrático, ou seja, missões-tarefas executivas. A tipologia de missões no âmbito deste quadro de actuação pode incluir o policiamento de fronteiras, a vigilância pública, acções de polícia judiciária, protecção de pessoas e bens e manutenção e reposição da ordem pública. Estas competências são desenvolvidas em simultâneo com as previstas nas missões não executivas, e devem terminar logo que a polícia local esteja capaz de assegurar as suas funções.

Neste quadro de actuação, que pressupõe o uso não letal da força na resolução de tumultos e incidentes de alteração de ordem pública, as forças de segurança organizam-se em unidades constituídas, designadas como Rapid Response Unit (RRU) ou Special Police Unit (SPU), apesar de os agentes isolados também desempenharem outras medidas de polícia de carácter executivo. Estas unidades podem estar na dependência da componente de polícia civil, como seja o caso das missões UNTAET e UNMIK, ou podem, face à incapacidade da ONU de modificar o mandato estabelecido, estar na dependência do comando militar da operação (NATO), como sejam os casos da SFOR e KFOR – adquirindo, neste caso, a designação de “Multinational Specialized Unit” (MSU).

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A nova tipologia de missões e competências

As RRU/SPU e as MSU, no quadro das missões da ONU, da NATO e da UE, são constituídas por forças de segurança, de natureza militar (Guarda Nacional Republicana, Carabinieri, Guardia Civil, Gendarmerie Nationale Française), mais musculadas, com melhor capacidade de adaptação a diversificados cenários e diferentes situações, com uma versatilidade e polivalência superiores quer à das polícias civis quer à das Forças Armadas. As OAP e as missões humanitárias são hoje um instrumento fundamental da política externa do Estado, atendendo a que: “[...] muitas das novas funçõesmilitares não requerem as competênciasclássicas de um soldado e poderão sermelhor desempenhadas por polícias.Nalgumas circunstâncias, portanto, umaGendarmerie poderá ser mais apropriadado que um exército”. (Chris Donnelly, conselheiro especial da NATO). Nesta linha de reflexão, em 2001, o General Wesley Clark, antigo Supreme Allied Commander Europe (SACEUR), declarava que: “[…]existem outros requisitos operacionaispara as actividades policiais, que vãodesde a investigação criminal até àreacção a distúrbios civis e violênciaurbana, e o facto é que a maioria dosmilitares simplesmente não é capaz deefectivamente levar a cabo tais funções,não devendo ser os elementos primáriosresponsáveis por elas”.

 

Portugal na Política Europeia de Segurança e Defesa

A participação de forças de segurança nacionais, Guarda Nacional Republicana

(GNR) e Polícia de Segurança Pública (PSP), em OAP, ocorre, desde 1991, no âmbito de iniciativas da responsabilidade de diversas organizações internacionais de que Portugal é membro (União Europeia, ONU, NATO, OSCE), sendo, em 2001, o nono contribuinte das Nações Unidas, à escala mundial, e o terceiro da União Europeia (UE), em termos de forças empenhadas em OAP. No seio da UE, os Estados membros, no decorrer das diferentes presidências, têm manifestado uma constante preocupação sobre a sua comparticipação para a “segurança e defesa comum”. Com efeito, em 2000, o Conselho Europeu, reunido em Vila da Feira (Portugal), desenvolveu o acordo “Helsinki Headline Goal”, obtido em 1999, na cimeira final da UE (Finlândia), com vista à criação de uma Força de Reacção Rápida, com um efectivo de 60.000 militares e respectivas componentes aérea e naval, e definiu os cenários previsíveis de actuação (no espectro de missões tipo Petersberg), nomeadamente, a separação de facções pela força, a prevenção de conflitos e a assistência a civis, incluindo as operações de ajuda humanitária e as operações de evacuação de refugiados.

Os Quinze, à luz das experiências com as quais a comunidade internacional foi confrontada, nomeadamente na Bósnia, no Kosovo e em Timor-Leste, identificaram, no seio do Comité para os Aspectos Civis da Gestão de Crises, a função/componente policial, no respeitante à reposição da ordem e da segurança pública, como primeira prioridade. E adoptaram objectivos concretos, com vista à criação de uma Força de Polícia Europeia, que prevêem a implementação de uma reserva de 5.000 polícias, num contexto de cooperação voluntária, dos quais 1.000 devem ter a capacidade para serem destacados, num prazo não superior a 30 dias, possibilitando, deste modo, a projecção de uma força europeia (International Police Unit), em teatros OAP. Portugal comprometeu-se a disponibilizar e a contribuir com um efectivo de 350 militares/agentes policiais, entre a Guarda Nacional Republicana (160 militares, dos quais 120 constituíram uma Unidade Especial de Polícia), a Polícia de Segurança Pública (173 agentes) e a Polícia Judiciária (17 elementos).

Esta contribuição, estrategicamente delineada, e até hoje fundamentalmente implantada num quadro ONU, com algumas variantes OSCE e UEO, permite, no âmbito da Identidade Europeia de Segurança e Defesa, a constituição de uma componente de polícia, devidamente estruturada, para a gestão civil de crises, em diversificados cenários OAP. No quadro de uma Política Europeia de Segurança e Defesa, a UE participa, desde 2003, em duas missões de paz: a European Union Police Mission, que substitui a UNMIBH, na Bósnia, e a Operação Concórdia, na Macedónia.

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* Victor Mesquita Fernandes

Oficial da Guarda Nacional Republicana. Exerce funções de Comandante do Batalhão Operacional do Regimento de Infantaria da GNR. Licenciado em Relações Internacionais e Pós-Graduado em Estudos da Paz e da Guerra pela UAL

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