Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2005 > Índice de artigos > Guerra e Paz nos nossos dias > Missões de paz da ONU e participação portuguesa > [Da decisão política ao teatro de operações]  
- JANUS 2005 -

Janus 2005



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Da decisão política ao teatro de operações

José Jorge Duque *

separador

A maioria das missões de paz em que Portugal participou teve por base resoluções do Conselho de Segurança da ONU. No sistema de direito internacional tradicional, estas resoluções constituem a base inquestionável de legitimidade das missões de manutenção e imposição de paz. Este princípio tem sido questionado recentemente, em nome de políticas unilateralistas e teorias não restritivas de guerra preventiva. Algumas das missões de paz são assumidas e comandadas pela ONU. Neste caso elas são financiadas pela organização, que suporta as despesas de pessoal (apenas o suplemento de missão que cada homem recebe além do vencimento), a amortização do equipamento, os transportes para o teatro de operações (TO) e de regresso, parte da sustentação e, evidentemente, os custos de operação. Outras missões são cometidas pela ONU a organizações internacionais ou regionais de segurança, por exemplo a OTAN, ou a coligações internacionais.

Nestes casos, os custos seguem, na generalidade, o princípio de que “costs lie wherethey fall”, isto é, cada país é responsável pelas despesas das suas forças. As missões da OSCE têm uma filosofi a de financiamento algo semelhante à da ONU. As missões de paz da União Europeia seguem uma filosofia de classificação de despesas em “custos comuns” e “custos não comuns”, segundo critérios que à data desta edição estão ainda em fase de desenvolvimento; os primeiros são suportados pelo orçamento comunitário e os segundos são suportados pelos países. Apesar destas diferenças, é possível identificar aspectos comuns à maioria das missões de paz. Assim, no plano internacional e considerando a fase de organização, são conduzidas negociações com as partes do conflito para a celebração dos “Acordos do Estatuto das Forças” (Status of Forces Agreement – SOFA), visando assegurar liberdade de movimentos, garantias e imunidades.

Nesta fase são também elaboradas, pela organização que comanda a missão, as “Regras de Empenhamento” (Rules ofEngagement – ROE), que têm de estar em consonância com o “Mandato”, e constituem o verdadeiro manual de instruções e código de conduta para cada elemento da missão. Destes três ordenamentos resulta a legitimidade e eficácia das acções; da sua clareza depende grande parte do êxito da missão. Por vezes a negociação dos SOFA é difícil e insuficiente, como foi o caso da ONUMOZ e da MMPM em Moçambique (1993-94). Os países podem contribuir para as missões de paz em duas modalidades: ou com unidades constituídas das Forças Armadas (FA) ou de Segurança (FS), com armamento e equipamento adequados à missão e ao TO; ou com elementos individuais (militares, polícias ou peritos civis), em geral desarmados (podendo, em algumas situações, ser detentores de arma de defesa pessoal).

Estes, na maioria dos casos, desempenham funções de observadores, monitores, inspectores ou elementos do estado-maior da força. O primeiro caso é incomparavelmente mais complexo e dispendioso, pelo que será o objecto prioritário desta análise. No plano nacional, as missões de paz com unidades constituídas (“força nacional destacada” – FND ou “contingente nacional”) passam pelas seguintes fases: decisão política nacional, aprontamento, transporte para o TO, operação, sustentação e regresso. Uma vez terminada a missão de cada contingente é, em geral, feita a avaliação da missão através de questionários individuais e seminários de recolha de ensinamentos.

 

Decisão política nacional

A decisão de participar numa missão de paz insere-se no quadro das políticas externa e de defesa nacional e numa filosofia de solidariedade internacional. Os objectivos prosseguidos variam de caso para caso, mas globalmente têm sido:

• Reforçar a posição, prestígio e visibilidade de Portugal na cena internacional;

• Satisfazer compromissos internacionais decorrentes de tratados e acordos, ou de decisões comunitárias no âmbito da política europeia de segurança e defesa;

• Manter a paz em países de língua portuguesa;

• Restabelecer a paz e a segurança em áreas de interesse estratégico nacional.

O processo de decisão nacional, no que respeita às FA, adquiriu um enquadramento jurídico, reforçado com a revisão constitucional de 1997, que veio acrescentar as missões de paz às missões gerais das FA. Os pedidos de participação nacional originados na ONU chegam aos países em geral pelos canais diplomáticos (da Representação Permanente de cada país junto da sede da Organização para o respectivo Ministério dos Negócios Estrangeiros). Os pedidos da OSCE chegam por via semelhante, enquanto os pedidos de participação militar da OTAN e da UE utilizam dupla via (a diplomática e a militar). Enquanto o Representante Nacional canaliza o pedido para decisão política do Governo, o Representante Militar concretiza o pedido ao Estado-Maior General das Forças Armadas, transmitindo os requisitos para a geração das forças. As decisões relativas a missões de menor risco e dimensão são em geral tomadas em Conselho de Ministros, precedidas de análise de viabilidade pelas chefias das FA/FS, incluindo uma primeira estimativa de custos.

As decisões de empenhamento militar de maior importância, envolvendo unidades constituídas, ou em teatros de alto risco, são tomadas de acordo com os procedimentos do planeamento estratégico, designadamente no respeitante à consulta do Conselho Superior de Defesa Nacional. No que respeita a Forças de Segurança, a decisão política entre as opções de atribuir uma missão de paz à Guarda Nacional Republicana ou à Polícia de Segurança Pública tem alguma complexidade. Em qualquer caso, o processo nacional deve ser perfeitamente articulado com o processo internacional, em especial no que respeita à selecção do tipo de unidades que Portugal disponibiliza, respectivos requisitos operacionais, e a partilha dos lugares de chefia nos quartéis-generais das forças. Para isso é necessário manter ligação eficiente com o organismo de direcção política da missão, seja ele a ONU, a OTAN ou a EU (em geral através das representações nacionais), e com o comando da força na qual a FND se vai integrar (através de oficiais de ligação). Na maioria das missões apresenta-se um vasto menu de unidades, cujos custos de equipamento e operação são muito variáveis. Algumas são de difícil acesso a Portugal, por razões tecnológicas, mas podem constituir oportunidades de modernização das forças nacionais. Os factores de decisão são, por isso, complexos, uns de ordem externa, outros de ordem interna (políticos, financeiros, militares e técnicos).

Topo Seta de topo

 

Aprontamento

Esta fase engloba a organização, orçamentação, aquisição de equipamento, selecção e preparação de pessoal e o treino. Decidida a intervenção e conhecidos a missão e o local de acção, é altamente conveniente, no caso de unidades constituídas, enviar uma missão de avaliação ao TO para obter informações sobre o mesmo e efectuar negociações de detalhe, essenciais ao aprontamento e à sustentação da FND. Entretanto, define-se a estrutura organizativa da missão, determina-se o seu equipamento orgânico e assegura-se o seu sistema de sustentação. O equipamento depende da missão, das ameaças e das características do TO, designadamente as climáticas. Concorrentemente é feita a orçamentação, a aprovar pelo Ministério das Finanças, que abre uma dotação financeira provisional para a missão, designadamente, uma primeira fatia para a aquisição do equipamento. Este é, muitas vezes, um processo crítico, difícil e moroso, como foi no caso da IFOR (1995) com a aquisição de correntes para a neve, esgotadas a nível europeu, ou o caso da aquisição de blindados (2003) para a missão da GNR no Iraque, que atrasou a missão vários meses. Nos casos em que Portugal suporta as despesas com o pessoal (missões da OTAN, da UE e sob comando nacional) o valor do suplemento de missão é definido por Resolução do Conselho de Ministros e constitui a maior fatia do custo anual da missão (56% no caso da IFOR/1997, 50% na SFOR/1998-2000 e 30% na KFOR/1999). Até hoje Portugal tem enviado apenas voluntários para as missões de paz.

No que respeita a militares, a legislação vigente não obriga a tal critério, uma vez que desde a revisão constitucional de 1997 as atribuições das Forças Armadas passaram a incluir, designadamente, as missões de paz. Assim, uma vez conhecida a estrutura da missão, procede-se ao convite de pessoal dentro das instituições respectivas, definindo as condições oferecidas e o perfil exigido. Entre os requisitos de perfil que mais dificuldades criam nas missões individuais situam-se o conhecimento da língua inglesa e a perícia de condução auto em todo o terreno. Seleccionados os voluntários, passa-se à fase de exames médicos, vacinações e formação (instrução e treino), com os ciclos individual, colectivo e de avaliação. É de grande importância ministrar informação específica a todos os efectivos, em especial aos quadros, sobre o enquadramento político-estratégico da missão, as razões da participação portuguesa e os interesses nacionais na região.

Depois de quinze anos em missões de paz, as Forças Armadas e de Segurança acumularam uma experiência apreciável, o que simplifica a formação. Não tem havido falta de voluntários, o que é notável, pois que, por exemplo, só pelas missões da OTAN na Bósnia já passaram dezassete batalhões portugueses. Muitos são os efectivos que repetem as missões e prorrogam os contratos. Esta situação facilita as rotações, mas poderá alterar-se em casos de TO de alto risco. Na segunda rotação da missão da GNR no Iraque (2004) várias dezenas de militares pediram um segundo contrato, o que revela motivação e moral elevados. Hoje já existem alguns estudos sobre as razões que explicam a existência de elevado número de voluntários para as missões de paz. As motivações variam com as forças, a idade e o posto hierárquico, mas as principais que podemos listar são: de natureza profissional, visto que proporcionam novas oportunidade de carreira, quer a nível nacional, quer internacional; de ordem financeira, porquanto ganham mais e gastam menos, permitindo algumas economias; de realização pessoal, atendendo a que as missões de paz trazem, em geral, prestígio elevado e conteúdo intenso, aumentando a auto-estima; espírito de aventura, proporcionando conhecer outros países e fugir à rotina do serviço de origem; têm sido ainda referidos bastantes casos de motivações do foro familiar, designadamente indivíduos que desejam reorganizar a sua vida familiar.

 

Transporte da força

As missões de paz com unidades constituídas envolvem complexas operações de transporte (de pessoal, de equipamento e de sustentação). O transporte inicial do pessoal e da carga crítica é feito por via aérea em várias fases ou escalões, designadamente: o grupo de ligação aos comandos no TO; o que vai preparar a instalação e a logística da força; o que vai receber o equipamento; e o grosso da FND. O equipamento não crítico em geral é transportado por via marítima. No caso de missões da ONU, os transportes são responsabilidade da organização; cada indivíduo, para se deslocar, faz-se acompanhar duma “travel order” emitida pela sede da ONU em Nova Iorque. Nas restantes missões o transporte é uma responsabilidade nacional.

 

Operação no TO

Uma vez chegada a FND ao TO, procede-se à “transferência de autoridade” dos comandos nacionais para o comando da força, de acordo com os planos. No caso de missões da ONU o pessoal passa por uma fase de adaptação e avaliação, com a duração de alguns dias, podendo ser repatriados os indivíduos que não satisfaçam o perfil preestabelecido. A ONU pode enviar aos países, durante a fase de aprontamento, equipas especializadas na selecção e avaliação de pessoal, diminuindo o risco de repatriamento. As missões desempenhadas, até hoje, pelas unidades de combate do Exército (batalhões e companhias) e da Armada (fuzileiros navais) têm sido missões características de conflitos de baixa intensidade, desde patrulhamento, segurança de pontos sensíveis, postos de controlo rodoviários, protecção de pessoas desarmadas, entrega de ajuda humanitária, execução de mandatos de busca, detenções, etc. Para o transporte das FND para o TO, para a sustentação e sobretudo para missões de ajuda humanitária, os aviões Hercules C-130 da Força Aérea Portuguesa têm assumido uma elevada importância, pela sua capacidade de transporte, autonomia, versatilidade e fiabilidade.

A Armada (Marinha de Guerra) empenhou alguns dos seus navios em missões de bloqueio marítimo (1992-95, nos Balcãs) e algumas unidades de Fuzileiros Navais em missões terrestres (em Timor Leste). As missões de unidades constituídas da GNR (UNTAET e no Iraque) têm sido do tipo de substituição. Até hoje a PSP não empenhou qualquer unidade constituída, tendo desempenhado importantes tarefas de observação e monitorização policial na maioria dos TO (excepto em Angola, onde tal missão foi desempenhada por elementos da GNR), e de formação das polícias locais em alguns outros (Kosovo, Timor Leste, Guatemala e R. D. Congo).

 

Sustentação

Sendo a sustentação das forças um processo complexo e dispendioso, pode ser garantida, por um lado, localmente (no caso da UNTAET, a partir de Darwin), por outro, a partir das bases logísticas nacionais, com os aviões C-130 da Força Aérea, por via marítima (com navios logísticos da Armada, ou contratados) ou via rodoviária (como é o caso dos Balcãs). Em todo o caso, o sistema logístico requer um planeamento detalhado, onde a coordenação do sistema nacional com o sistema internacional tem um lugar muito especial. Assim, para as operações da OTAN nos Balcãs foram estabelecidos pela Aliança terminais logísticos seguros, bem como Zonas de Comunicações na Grécia e na Albânia, que servem as FND de todos os países.

separador

* José Jorge Duque

Coronel tirocinado reformado. Cursos de Estado Maior, Superior de Comando e Direcção e de Defesa Nacional. Artillary Advanced Course, nos EUA. Brevet d’Études Militaires Supérieur e Cours Supérieur Interarmées em Paris.

separador

Bibliografia

BOUTROS
-Ghali, Boutros – An Agenda for Peace - Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peace-keeping – UN, Nova York, Junho, 1992; e Suplemento Janeiro 1995.

CASTANHEIRA, HenriqueMissões Humanitárias e de Paz, Participação Portuguesa, 1992 - 2002 – Direcção de Política de Defesa Nacional; MDN, Novembro, 2003.

DUQUE, Jorge – “Portugal nas Missões de Paz”. In: Janus 98, Suplemento Especial, UAL, 1998.

TEIXEIRA, Nuno Severiano – “Portugal e as Operações de Paz”. In Nova História Militar de Portugal, Vol. 4, Edição: Circulo de Leitores; Lisboa, 2004.

VIANA, V. Rodrigues Segurança Colectiva; A ONU e as operações de apoio à paz. Edições Cosmos e IDN, Lisboa 2002.

Paz e Cooperação – Edição MDN, Julho, 1995.

The Blue Helmets – A review of UN Peace Keeping – 3.ª edição, UN Dept. of Public Information, NY, 1996.

Anuários Estatísticos da Defesa Nacional – Secretário Geral, Ministério da Defesa Nacional, 1989 a 2002.

BRAHIMI, Lakhdar e outrosReport of the Panel on UN Peace Operations (Brahimi Report) – UN, Nova York, Setembro, 2000

Documentação OTAN - AJP - 3.4- Non-Article V Crisis Response Operations, 2002.

OSCE Handbook – 3ª edição, Secretariado da OSCE, Viena, 2003.

Súmula 29 – Relações Bilaterais e Operações de Paz – DGPDN/MDN, Maio de 1996.

Súmula 33 – Envolvimento Externo de Portugal – DGPDN/MDN, Novembro de 1996.

Súmula 52 – Participação em Missões de Paz e CTM – DGPDN/MDN, Outubro de 1996.

Súmula 62 – Operações de Paz – DGPDN/MDN, Outubro de 1999.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Despesas militares em missões de paz - 1994-2002

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2004)
_____________

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
 

Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores