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Acreditação e avaliação do processo de Bolonha

José Subtil *

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A implantação em Portugal do Processo Europeu de Bolonha para o ano lectivo de 2006-2007 está, mais uma vez, em causa por vários motivos, entre os quais salientaria quatro. O primeiro é, sem dúvida, de natureza política, uma vez que ainda não está aprovada a alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo e algumas das suas regulamentações, além das que prevê o decreto-lei n o 42/2005, de 22 de Fevereiro. Nada se sabe, também, quanto ao que determinará a nova lei sobre a autonomia do ensino superior, sobretudo no que se refere às universidades privadas e politécnicos. Um segundo motivo prende-se com questões de ordem técnica e administrativa, uma vez que, com os atrasos verificados, a DGES irá ser “entupida” com as novas propostas de planos de estudo, tornando muito complicado o despacho. O terceiro motivo, de ordem académica, tem a ver com o nível de confiança que a maioria dos actores envolvidos no processo têm manifestado para aderir à criação do espaço europeu de ensino superior. Finalmente, a questão teórica sobre a mudança nos paradigmas de formação que, salvo raras excepções, configura um movimento nominalista que procura reabilitar a realidade existente. Este é, seguramente, o maior entrave à implantação do processo, dado que poderá ter consequências muito negativas num futuro próximo.

Para minimizar os estragos é urgente e imprescindível colocar, no centro do debate e das decisões políticas, o papel a desempenhar pela avaliação e pela acreditação para termos garantias de qualidade na mudança. Do ponto de vista político, o governo deveria acompanhar a evolução dos aspectos técnicos com a concepção e arquitectura do sistema de avaliação e acreditação, como está, aliás, previsto, no decreto n o 42/2005, de 22 de Fevereiro. Se não o fizer, o processo de Bolonha será uma oportunidade perdida para reformar o ensino superior em Portugal.

 

As razões da avaliação

Este pequeno texto tem por objectivo sumariar os tópicos principais que justificam o processo de acreditação como garante de qualidade na implantação do novo modelo de formação superior.

O processo de massificação do ensino superior ocorrido nas três últimas décadas, que se traduziu em mais universidades e politécnicos, de natureza pública ou privada, muito mais cursos e alunos, alterou, profundamente, a relação entre o Estado e o sistema de ensino superior (1). O elemento central desta alteração teve a ver com o facto de o Estado ter sido obrigado a conferir plena autonomia às universidades públicas e uma autonomia parcial às universidades privadas e aos politécnicos, o que o impossibilitou de exercer funções para a garantia da qualidade sobre um dos mais importantes bens públicos que é a educação. A desregulamentação total do sistema, conjugada com a irresponsabilidade académica de algumas instituições de ensino superior, acabou por afectar toda a sociedade, a competitividade e o desenvolvimento do país. É verdade que algumas universidades, tomando consciência da situação, decidiram iniciar processos de monitorização dos seus cursos com o objectivo de promover a qualidade. Foram, aliás, estas iniciativas que estiveram na origem da distinção que se foi operando no ensino superior.

Mas como a maioria das instituições não pôs em prática nenhum sistema de validação dos seus procedimentos, o Estado viu-se obrigado a criar um sistema de avaliação externa (Lei n o 38/94, de 21 de Novembro), da responsabilidade do CNAVES e realizado por equipas de docentes de instituições diferentes da avaliada. Com base nos elementos formais requeridos pelos guiões de avaliação e nas reuniões com os directores dos cursos, docentes e alunos, as equipas de avaliação externa procuraram “ajudar” as instituições avaliadas a ultrapassar os pontos fracos detectados em cada curso. Pretendia-se, sobretudo, introduzir nas instituições factores que motivassem a avaliação dos cursos, isto é, provocar modelos de monitorização nos processos de formação. Aconteceu, porém, que, a maioria das instituições avaliadas encenou um simulacro de avaliação para convencer as equipas de avaliação externa que se encontravam nas melhores condições pedagógicas e científicas. Como, a propósito, disse o Prof. Alberto Amaral: “Um processo de avaliação tem dois objectivos distintos: a prestação de contas e a melhoria da qualidade. Infelizmente, estes objectivos são incompatíveis. Se pretendemos melhorar a qualidade, o momento essencial é o da autocrítica. Ora, se souber que a minha autocrítica vai ser usada para me punir, é evidente que, em vez de apresentar um relatório bem fundamentado, faço um documento para polir a imagem” ( Expresso , 1 de Julho de 2000). A grande maioria das instituições, passada a fase da avaliação externa, voltaram ao seu tradicional modelo de funcionamento e as que já faziam avaliação não precisaram destes estímulos para prosseguirem os seus hábitos. Diga-se, também, em abono da legitimidade dos processos, que as equipas de avaliação externa nunca vieram a ser, elas próprias, avaliadas. Tinha sido importante que isso tivesse acontecido, para prestígio do sistema.

Por outro lado, como não era objectivo da avaliação externa provocar consequências sobre os cursos, as melhores instituições do ensino superior deveriam ter aproveitado a oportunidade para exigir ser distinguidas e, dessa forma, protegidas da concorrência das menos qualificadas. Todavia, o que aconteceu foi a resistência à constituição de listas de ranking de qualidade que os meios de comunicação social prosseguiram em identificar por serem, de facto, de interesse para toda a sociedade.

Na prática pode dizer-se que, de uma forma geral, a situação actual é semelhante ao período anterior às avaliações, restando, portanto, memórias de iniciativas inconsequentes. Raras são as excepções que não invalidam a dimensão das conclusões retiradas, isto é, que o processo de avaliação externa foi um fracasso e que não produziu efeitos estruturantes nas instituições de ensino superior.

 

As razões da acreditação

Esta evidência esteve na origem do debate sobre a implantação da acreditação que, do ponto de vista teórico e prático, se mostrava diferente da ideia da avaliação. Esta opção não era, propriamente, uma grande novidade, uma vez que a acreditação já se vinha praticando em determinadas ordens profissionais que, para além de acreditarem cursos, certificavam, também, os diplomados. Também o INOFOR começava a ensaiar um modelo de acreditação para certas profissões que não requeriam graus académicos. O resultado deste debate acabaria por introduzir em Portugal, por um curto período de cerca de três anos e meio (Setembro de 1998/Maio de 2002), a primeira e única experiência de acreditação sob a responsabilidade do INAFOP (Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores), que se orientou, entre outros, por desenhos conceptuais europeus e norte-americanos (2). Contudo, o conceito de acreditação só seria introduzido na legislação pela Lei n o 1/2003, de 6 de Janeiro.

Diferente dos objectivos e métodos prosseguidos pela avaliação, a acreditação é o processo específico do reconhecimento de que os cursos se adequam às exigências de qualidade do desempenho profissional. Justamente por isto, a acreditação é um processo permanente, de validade cíclica, renovando-se de acordo com as apreciações sobre os cursos. Ao contrário da avaliação externa, a acreditação tem consequências na medida em que as suas deliberações podem conduzir ao não reconhecimento das habilitações profissionais dos diplomados academicamente.

Também não é um processo de simples verificação formal das condições de funcionamento dos cursos, mas um processo de demonstração da adequação do curso às exigências profissionais da responsabilidade das instituições de formação. Esta é uma das características mais marcantes do processo de acreditação porque se admite que nenhum processo deve ser tomado como canónico mas que, em contrapartida, processos diferentes podem conduzir a resultados idênticos. Um outro factor de relevo tem a ver com o facto de as apreciações da acreditação se fundarem em referenciais externos que são elaborados pelo Estado, pelas associações profissionais ou por consórcios que definem os perfis e as competências a adquirir pelos formandos no final do curso. Por isso é que a composição das equipas de acreditação fazem parte vários actores, académicos e sociais, interessados na formação que um determinado curso ministra: professores, evidentemente, mas, também, empregadores, sindicalistas, alunos, empresários, associações patronais, etc.

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A garantia da qualidade

O debate que neste momento se faz na Europa é sobre a determinação do nível de responsabilidade que possa dar garantias da qualidade do processo de acreditação.

Há quem defenda que o processo deve ser assumido por agências nacionais que, devidamente articuladas numa rede europeia, se reconheçam mutuamente e estabeleçam ambientes de confiança recíproca, como advoga a Recomendação do Conselho e do Parlamento Europeu relativa à continuação da cooperação europeia com vista à garantia da qualidade do ensino superior (proposta da Comissão de 12 de Outubro de 2004) (3). Mas há também quem defenda que o reconhecimento deve ser feito por agências europeias que as instituições do ensino superior poderão, livremente, escolher para serem acreditadas. Para qualquer destas vias é, porém, pacífico que os referenciais da acreditação devem, gradualmente, ser definidos a nível europeu, na medida em que o que está em jogo é o reconhecimento dos graus, das competências adquiridas nos cursos, a garantia da mobilidade e da igualdade de oportunidades para o exercício de uma determinada profissão em todo o espaço europeu. Uma variante destas duas vias admite que o reconhecimento das acreditações seja feito por agências nacionais dependentes da acreditação por uma agência europeia.

Não será difícil de compreender por que não é a acreditação bem aceite pela maior parte das instituições do ensino superior, quer se trate das que são totalmente autónomas ou, apenas, parcialmente. O argumento tem sido repetido até à exaustão, ou seja, de que a acreditação é uma intromissão nas autonomias. No fundo, o que se pretende com a defesa da autonomia é a manutenção da capacidade para decidir, em exclusivo, sobre os graus académicos e as certificações profissionais, um enorme poder político e social. Mas será mesmo assim, para todas as instituições? E para a própria sociedade? É claro que não. As instituições que têm dado atenção aos padrões de qualidade estão dispostas, como sempre estiveram, a desenvolver processos e métodos para incrementar a qualidade da sua formação. Só terão vantagens, do ponto de vista académico, político, social e económico, em ser distinguidas no sistema de ensino superior. Numa recente entrevista ao jornal Público (19 de Julho de 2005), o recém-eleito presidente do CRUP, José Lopes da Silva, defendeu já a alteração da fórmula de financiamento do ensino superior com a introdução de factores relacionados com a avaliação pedagógica e científica. As universidades privadas deveriam, por isso, apoiar com entusiasmo os processos de acreditação porque será o único caminho que lhes permitirá afirmar a qualidade em relação às universidades públicas que, na actual situação, dispõem, a seu favor, de instrumentos de concorrência muito desiguais. O mesmo se pode dizer para os politécnicos que, por força da imposição simbólica, têm vindo, de forma estranha, a manifestar a vontade de se transformar em universidades ou em universidades politécnicas. A acreditação beneficiaria tanto os politécnicos como as universidades privadas de qualidade em relação ao universo das universidades públicas. Mesmo para estas, a acreditação não diminuiria a autonomia, na medida em que as mais qualificadas elevariam os níveis de confiança social nelas depositados. Para todas, a acreditação consolidaria as relações de parceria com congéneres nacionais e internacionais em projectos de investigação e cooperação e na prestação de serviços à sociedade. Deste modo, o prestígio científico e pedagógico provocado pelo processo de acreditação pode transformar-se num instrumento decisivo de competitividade. Mas tudo isto obriga a que a nova lei de autonomia para o ensino superior coloque em pé de equidade todos os subsistemas do ensino superior. Neste quadro de evidências, é óbvio que a avaliação tem implicações no processo de acreditação. Uma instituição que pratica a avaliação interna como método para desenvolver a qualidade e confrontar-se com as exigências da avaliação externa estará, certamente, em vantagem para ser acreditada. O mesmo não acontecerá com a instituição que desvaloriza a monitorização dos seus cursos e se prepara para a avaliação externa de forma esporádica. Mas prosseguir o desenvolvimento da qualidade e esforçar-se para a obter, não é, ainda, uma garantia de qualidade para a sociedade. Essa garantia só pode ser dada por terceiros, tendo em conta referenciais de competências definidos para cada profissão. Sendo a avaliação um dispositivo de monitorização, um modo de aferir a qualidade do processo de formação, não pode, ainda, dar garantias da adequação dos cursos às exigências profissionais.

Sendo assim, e pela total desarticulação do sistema de ensino superior, o governo deveria expressar, o mais rapidamente possível, o que quer dizer com o artigo 13 o do decreto-lei n o 42/2005, de 22 de Fevereiro: “A aplicação do sistema de créditos curriculares é objecto de apreciação no quadro do sistema de avaliação e acompanhamento do ensino superior e de acreditação dos seus estabelecimentos de ensino e cursos”. Bem como , quando , e de que forma , pensa estruturar o sistema para assegurar o prosseguimento deste objectivo que é fulcral para a implantação do processo de Bolonha em Portugal. Crescem a olhos vistos, e crescerão cada vez mais, à medida que se aproximar o ano lectivo de 2006-2007, as operações de contabilidade em ECTS, tabelas de equivalência entre créditos, entre horas de presença do professor e horas de esforço de trabalho do aluno, etc. Só a acreditação poderá dar garantias de qualidade do trabalho do aluno, a demonstração do seu esforço, a obtenção das competências requeridas por este trabalho, ou seja, a evidência da adequação dos planos de estudo e dos seus processos aos resultados finais esperados para o exercício de uma profissão.

Talvez fosse razoável que o governo, ao mesmo tempo que clarificava os sistemas de avaliação e acreditação, adiasse o prazo para o início da aplicação do processo de Bolonha para o ano lectivo de 2007-2008.

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1 Sobre os números desta evolução ver, de Pedro LOURTIE e outros, O Ensino Superior em Portugal , DGES, 1999.
2 Sobre estas questões e sobre a missão do INAFOP, ver Bártolo Paiva CAMPOS, Quem Pode Ensinar, Garantia da Qualidade das Habilitações para a Docência . Porto: Porto Editora, 2003.
3 A cooperação tem vindo a ser assumida pela ENQA (Rede Europeia para a Garantia da Qualidade no Ensino Superior) que foi encorajada pela Comissão Europeia a criar um Registo Europeu das Agências de Garantia da Qualidade e de Acreditação.


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* José Subtil

Doutor em História Política e Institucional Moderna e Agregado no Grupo de História pela Faculdade de Ciências e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Professor Coordenador com Agregação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo onde faz parte do Conselho Geral como membro eleito. Professor Associado com Agregação convidado da UAL.

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