Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2006> Índice de artigos > Internacionalização da educação e da cultura > O ensino superior face a Bolonha > [ O Politécnico português face à Universidade e a Bolonha ]  
- JANUS 2006 -

Janus 2006



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável


O Politécnico português face à Universidade e a Bolonha

João Maria Mendes *

separador

Sem entrarmos no detalhe das legislações que criaram e foram modelando o ensino superior politécnico em Portugal, é preciso recordar, para entendermos os traços que definem a sua identidade de subsistema, que ele é, ao seu nível, o herdeiro das diversas formas de organização que o ensino “profissionalizante” e “técnico-profissional” assumiu ao longo do último meio século.

A tradição que começou por gerar a distinção entre o antigo “liceu” e as antigas escolas “industrial” e “comercial”, e que mais tarde se metamorfoseou em distinção entre “liceu” e “escola técnica”, prenunciava a distinção que veio a projectar-se, criados os “politécnicos”, no ensino superior.

A orientação igualitária das reformas do ensino secundário, a seguir ao 25 de Abril de 1974, produziu, ao apagar formalmente das escolas o “estigma classista”, uma descaracterização incompleta desta separação tradicional.

Cedo, porém, a sociedade portuguesa começou a sentir, de novo, a falta de um ensino marcadamente técnico-profissional, mais praticamente articulado com a empregabilidade.

A percepção dessa “falta” terá atingido hoje um “pico de consciência”: é muito generalizada a percepção de que Portugal não está a formar, sobretudo na esfera das competências profissionais intermédias e especializadas, a mão-de-obra qualificada de que necessita.

É preciso entender globalmente o que se passou: as sucessivas reformas do ensino secundário, posteriores ao 25 de Abril, foram-se sempre referindo, em diversos tons e com diversos vocabulários, à perda da formação técnico-profissional, mas sem conseguirem suprir a sua falta. Uma expressão recente, entre numerosas outras, da consciência aguda desta lacuna, é a tentativa de lançamento, pelo actual governo português, de novo programa nacional de qualificação através da formação (Setembro de 2005).

O que foi tornado formalmente indistinto no secundário voltou a separar-se no superior: em seu tempo, a criação do Ensino Superior Politécnico materializou o desejo de oferecer formação superior na forma de bacharelatos, correspondentes a “ensinos superiores curtos”, em áreas técnico-profissionais tradicionalmente excluídas, em Portugal, do ensino universitário. Mas a sua instituição marcou-o desde o início com o estigma da menorização: “Superior” sim, mas...

 

Menorização

De facto, o que separa geneticamente o “Politécnico” do Ensino Superior Universitário é a secundarização e supletivização do primeiro em relação ao segundo: até há pouco tempo, o “Politécnico” só estava autorizado a oferecer diplomas de bacharel, e ainda hoje os docentes deste subsistema auferem, como vencimentos, e seja qual for o grau académico de que são titulares, 25 por cento menos do que os seus colegas das universidades.

Por outro lado, a admissão à docência nos “politécnicos” nasceu tolerante em matéria de graus académicos exigidos: a experiência profissional substituía facilmente o grau mínimo de licenciado, por exemplo. Esse facto, por si só, alimentou duradouramente a subqualificação docente num subsistema do ensino superior português. Com o tempo, essa subqualificação não podia senão virar-se contra quem tentou eternizá-la – como já começou a suceder.

Também a perpetuação de um corpo de “equiparados” a assistentes, a professores adjuntos e a coordenadores, mantidos fora dos quadros docentes e contratados por convite e não por concurso público, contribuiu (por melhor que o Estado viva com o problema) para acentuar o carácter negativamente “especial” do subsistema.

Mas entretanto, a “separação genética” entre politécnico e universitário foi sofrendo uma erosão, resultante da mudança social e das “lutas pelo reconhecimento” que a acompanham:

Por um lado, o politécnico acabou por conquistar a capacidade para formar licenciados (embora em licenciaturas bietápicas: ao grau de bacharel, obtido em três anos, veio acrescentar-se o grau de licenciado, mediante um ano suplementar de estudos). Mais recentemente, e já no âmbito do processo de Bolonha, está a habilitar-se a oferecer igualmente mestrados. Todo este processo não se viveu nem se vive sem a resistência do subsistema “rival”.

Parte do aparelho universitário não viu com bons olhos o nascimento de licenciaturas no politécnico, nem, por maioria de razões, a emergência, na mesma sede, de mestrados.

Por outro lado, e sobretudo nas áreas das “humanidades” e das “ciências sociais” (para usar uma distinção sobretudo anglo-saxónica), o ensino universitário passou a enfrentar a mutação crescente do mercado do trabalho, ou, como passou a dizer-se, a crise de empregabilidade dos seus licenciados.

Este factor obrigou as universidades, globalmente consideradas, a redesenhar planos de estudos e estruturas curriculares aparentemente mais preocupadas com formações técnico-profissionais.

 

Paradoxo

O resultado deste duplo movimento, lento mas hoje sedimentado, é paradoxal: as universidades sentiram-se constrangidas, pela pressão do mercado de trabalho, a ocupar áreas de formação típicas do subsistema politécnico.

E o subsistema politécnico, oferecendo os graus de licenciado e de mestre, tornou-se e torna-se cada vez mais parecido com as universidades (pelo menos em Lisboa e no Porto). Assim, ambos os subsistemas vão-se repensando a si próprios em clima de concorrência hostil.

A esta luz, e de novo no âmbito do processo de Bolonha, a política de “pés à parede” de parte da instituição universitária, que obteve a garantia de que o politécnico não será autorizado a promover doutoramentos, apenas exprime um novo episódio de uma resistência corporativa – é a defesa da “última trincheira”, a mesma que antes se traduziu na oposição às “licenciaturas bietápicas” e aos mestrados no politécnico.

Mas o problema tradicional e de fundo volta a colocar-se: num terreno em que dois subsistemas originalmente distintos tendem cada vez mais a sobrepor-se e a desempenhar as mesmas funções, como se define, hoje, a identidade de cada um deles? Quais as vantagens, para o país, de manter os dois subsistemas? Continuar a pensar que o ensino universitário é “ensino superior de primeira” e o politécnico “ensino superior de segunda” parece hoje um preconceito anacrónico, desajustado dos problemas de formação e qualificação que a sociedade portuguesa enfrenta.

Compreende-se, assim, que o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos tenha aprovado por unanimidade, em 17 de Março de 2005, um documento orientador em que «reafirma o conteúdo dos Princípios de Orientação Estratégica para o Ensino Superior, de 5 de Janeiro de 2005, nomeadamente quanto à defesa das mesmas condições de autonomia para as universidades e institutos politécnicos; à possibilidade de concessão dos mesmos graus académicos, quer nas universidades, quer nos institutos politécnicos, mediante o cumprimento de requisitos comuns para os dois subsistemas; à defesa de um estatuto único de carreira docente do ensino superior, ainda que consagre perfis diversificados, com maior ou menor articulação com actividades profissionais fora do ensino; e à eventual adopção, pelos Institutos Politécnicos, da designação de Universidade, como forma de afastar a desvalorização social associada, por razões culturais, à designação do subsistema politécnico».

 Topo Seta de topo

Metamorfose

Quer dizer, está proposta a metamorfose dos institutos polítécnicos em universidades, ou em “universidades politécnicas” em tudo idênticas às outras, designação que não perturbaria um francês, um italiano ou um alemão, mas que provocaria novo sobressalto identitário nas instituições universitárias portuguesas globalmente consideradas... ou no próprio Estado.

O exemplo do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), a maior escola do Instituto Politécnico de Lisboa, que em 2004-2005 aprovou por unanimidade a sua “migração” para a Universidade Clássica de Lisboa, e viu o seu desejo aprovado, também por unanimidade, pelo Senado desta última, é elucidativo: até hoje não obteve da tutela autorização para materializar essa “mudança de casa”.

 

O “três mais dois”

Dir-se-á, e com razão, que os anos de 2004 e 2005 foram em Portugal, no que toca ao processo de Bolonha, os anos em que as instituições de ensino superior discutiram a organização, por ciclos, das suas estruturas curriculares: três anos de licenciatura mais dois de mestrado? Quatro anos de licenciatura mais um de mestrado? Um híbrido entre ambas, o “três mais um mais um”, correspondendo, por exemplo, à distinção entre dois níveis da licenciatura, o “ major ” (três anos) e o “ minor ” (mais um ano), dando este passagem ao mestrado (outro ano)? O eventual regresso, às universidades, do grau de bacharel (como no politécnico), correspondendo ao primeiro ciclo de formação?

Partindo do princípio de que esta discussão está substancialmente concluída nas instituições envolvidas (o que é impreciso, porque o processo não é síncrono nem satisfaz um calendário rígido), dir-se-á que o ano de 2006 é o dos “créditos ECTS”.

Em Dezembro de 2004, a então ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho, tornava público um documento orientador que estipulava o seguinte: «O Quadro Geral de formações prevê um primeiro ciclo de 6 semestres (180 créditos ECTS), e um segundo ciclo de 4 semestres (120 créditos ECTS). As excepções (...) correspondem a casos devidamente justificados. São áreas abrangidas por directivas comunitárias que exigem outra estruturação da formação, e ainda áreas em que a prática europeia aponta para solução distinta da preconizada no quadro geral».

Na prática, o ministério da tutela propunha a generalização do modelo “3+2”, salvaguardando casos como os de Medicina, Arquitectura, Direito... Essa orientação não voltou a ser ministerialmente confirmada nem desmentida.

Ora, se há, em Portugal, instituições do ensino superior para quem a adaptação ao “3+2” seria estruturalmente fácil, são precisamente as do politécnico, vindas da sua experiência de licenciatura bietápica: o bacharelato em três anos passaria a ser designado como licenciatura, e o ano suplementar transformar-se-ia em dois conducentes a mestrado. Ainda do ponto de vista estrutural, este modelo poderia, em alternativa, converter-se facilmente no “híbrido” acima descrito: três anos de licenciatura “ major ”, um ano de licenciatura “ minor ” conducente a mestrado em mais um ano (3+1+1).

Essa “facilidade estrutural de adaptação” ver-se-ia ainda ampliada se as universidades optassem pelo regresso ao grau de bacharel: nesse caso, a experiência do politécnico tornar-se-ia em experiência piloto – a que teria aberto tal caminho.

 

Acreditações

Não é, portanto, na adequabilidade aos “critérios de Bolonha” em matéria de organização estrutural dos currículos que o politécnico (sobretudo em Lisboa e Porto) enfrenta problemas. Tal adaptação encontra bem maiores resistências no aparelho universitário, onde muitas faculdades e departamentos tentaram e tentam não ver as suas licenciaturas reduzidas a três anos lectivos. E tanto mais, quanto a ameaça de não financiamento, pelo Estado, do segundo (e terceiro) ciclo(s) de formação superior tem inquinado, em Portugal, a discussão, pelo ensino superior público, das opções disponíveis.

Os problemas do politécnico no seio do “processo de Bolonha” são os que dizem respeito à sua comparabilidade com o subsistema universitário (agravados pela histórica discriminação face ao seu “rival”), e os que se prendem com a acreditação nacional e internacional – efectiva, e não meramente nominal – dos diplomas que ministram.

Nos últimos anos discutiu-se a existência de uma “ hidden agenda ” de Bolonha, uma “agenda invisível” que exprime, entre outras, a preocupação das universidades dominantes nos “ rankings ” internacionais e nacionais de não se verem diminuídas por nova vaga de fundo igualitária. É uma questão que ainda está longe de ter exprimido todos os seus conteúdos.

 

Apenas política

Para o politécnico não ser a primeira vítima dessa “ hidden agenda ” de Bolonha, precisa de ver a sua identidade equiparada à das universidades nacionais – processo que depende exclusivamente da vontade política do ministério de tutela, quer dizer, do governo. E para poder alcançar esse objectivo, tem de percorrer um caminho que inclui a requalificação académica dos seus corpos docentes, a acreditação – efectiva – nacional e internacional dos seus currículos e diplomas, e a participação generalizada no regime de mobilidade discente e docente que é, também, um dos traços identitários de Bolonha.

Isto significa que o politécnico está a viver simultaneamente duas agendas políticas distintas, cada uma das quais depende da outra: por um lado, precisa de ver redefinida a sua posição no âmbito do ensino superior português globalmente considerado; por outro, precisa de se repensar a si próprio, actualizando-se – exactamente como as universidades – à luz das orientações internacionais mais “pesadas” do processo de Bolonha.

Topo Seta de topo

 

Informação Complementar

"BENCHMARKING"

Umas das palavras-chave surgidas ao longo do desenvolvimento do processo de Bolonha é a palavra inglesa “ benchmark ”, um termo originário do mundo naval, e que designa as marcas feitas nos cascos dos navios para identificar o respectivo nível (ou peso) de carga.

O trabalho do Reino Unido conhecido pela designação de “ Benchmark Statements ” ( Standard Occupational Classification , ed. 2000) é a base de referência para a definição dos patamares de competências concretamente oferecidas pelas formações superiores necessárias à obtenção dos sucessivos graus académicos e adoptada pelo processo de Bolonha na sequência da “Conferência dos Ministros” de Berlim (Setembro 2003).

Esta conferência decidiu « desenvolver quadros de qualificações nacionais e um quadro de qualificações europeu, tendo por base a carga de trabalho, o nível, os resultados de aprendizagem, as competências e o perfil » dos ensinos, com vista à mais rigorosa definição da empregabilidade dos formandos em função dos diferentes graus de conhecimentos adquiridos nos estabelecimentos de ensino superior.

O que é pedido às instituições é que sejam capazes de responder com precisão a questões como estas: do ponto de vista das competências adquiridas, o que distingue um doutor em determinada área de um mestre, de um licenciado ou de um bacharel nessa mesma área? E que grau de competência é exigido a determinado profissional dessa área?

Os “ Benchmark Statements ” ajudam a identificar a relação entre formações superiores e empregabilidade: com efeito, trata-se de identificar e descrever as competências concretamente adquiridas em cada área de formação, a começar pelos casos em que tais formações visam preparar para o exercício de profissões regulamentadas.

Esta orientação da Conferência de Berlim deu expressão às determinações de um seminário decorrido seis meses antes em Copenhaga sobre o mesmo tema. O acompanhamento da criação dos quadros de qualificações em referência foi atribuído à Dinamarca.

Em Portugal, a orientação foi adoptada pelo Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos a 12 de Maio de 2004, que recomendou também aos respectivos grupos de trabalho, organizados por área de formação, a audição dos sectores profissionais interessados nas respectivas definições.

Para além dos “Benchmark Statements” britânicos, os portugueses dispõem, para apoio na realização desta tarefa, da relativamente antiquada Classificação Nacional das Profissões (um documento descritivo de referência, a pedir nova edição actualizada), do seu equivalente francês e do trabalho desenvolvido por organizações europeias ou internacionais temáticas que desenvolveram perfis de formação em interacção com a definição das qualificações próprias de cada profissão.

separador

* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola Superior de Cinema e Teatro e na UAL. Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Responsável pelo Projecto Janus Online.

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2005)
_____________

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores