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Janus 2006



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Reinventar a Declaração de Bolonha

Reginaldo de Almeida *

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Ano 2010. Depois da geometria variável e das conexões que sucessivamente têm moldado a geografia política e económica do solo europeu, institui-se a tão proclamada Declaração de Bolonha no sistema educativo superior duma Europa que continuará a transformar-se desde que assim foi chamada pela primeira vez, já lá vão séculos.

Dito desta forma parece o início dum filme de ficção científica. Mas não é. Estamos em 2005, data limite para o funcionamento pleno do Sistema Europeu de Transferência de Créditos (ECTS), o que, dito por outras palavras, significa que se vai poder estudar em qualquer estabelecimento de ensino superior do espaço europeu de acordo com as mesmas regras e critérios de avaliação assentes em sólidas plataformas de mobilidade.

 

A torre de marfim em crise

Desde os tempos mais recuados, consequência do trabalho intelectual das elites, a instituição universitária criou durante largos séculos uma espécie de torre de marfim que a desviou gradualmente das principais metas e propósitos a atingir, se avaliada pelos métodos de hoje.

De repente, pressentida que foi a crise da inadequação de muitos dos supostos ensinamentos, fruto da endogamia das práticas de avaliação, simultaneamente acompanhada da quebra de alunos, esforça-se agora por desenvolver novos paradigmas, o mesmo é dizer novas estratégias de actuação que resultam na tentativa de construção e concretização de um novo espaço educativo à escala de todo o continente.

Pretende o acordo celebrado entre os vinte e nove ministros da Educação da Europa, em 1999 em Bolonha, promover mais conhecimento e investigação, ou seja, inovação e competências que permitam uma mais eficaz abordagem do mundo do trabalho.

A empregabilidade de cada área científica sempre tem constituído uma das principais fragilidades do ensino superior, ainda que este, claro está, não possa ser visto como uma mera agência de emprego, antes pelo contrário. Se não vejamos:

Entendem os especialistas que o ensino superior deve estar estruturado num sistema binário, constituído, por um lado, pelas universidades e, por outro, pelos institutos politécnicos. As primeiras com a alta e nobre missão de promover pensamento próprio, as segundas para a ajustada aplicação ao mercado de trabalho das competências desenvolvidas pelas primeiras.

Depois desta complexa fórmula de difícil demonstração, verifica-se uma ténue separação dos dois campos, pois, quer queiramos quer não, o factor empregabilidade é o denominador comum da larga maioria de frequentadores do ensino superior que, por essa via, querem alcançar mais competências mas, fundamentalmente, querem ver reforçada a sua posição no desgastante mundo de trabalho actual. Ou seja, contrariamente àquela velha ideia de que o fundamental era tirar a carta de condução e depois logo se aprenderia a guiar, o fundamental tem sido aprender a fazer, fazendo, que é como quem diz “ learning by doing ”, ainda que muitas vezes aprendendo a guiar desprovidos das elementares regras de condução e até de civilidade...

Toda a Europa tem amplamente trabalhado sob os desígnios do novo formato, ainda que não estejam alinhadas todas as peças do puzzle . Com efeito, se os princípios de Bolonha querem combater o insuficiente número de alunos que afluem às universidades, através de algo que já há muito deveria estar feito e que passa por sistemas de regulação e acreditação de competências, muitas delas informalmente adquiridas ao longo da vida, por outro querem promover mais e melhor emprego a longo prazo. No entanto, a razoabilidade desta questão é posta em causa quando o tecido empresarial estatal e privado é alheio à discussão e planeamento deste novo desafio, quando tinha a estrita obrigação e devia manifestar a vocação de se colocar como uma peças mais interessadas neste diálogo.

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Intenção de Bolonha

Porém, Bolonha, preconizando antes do mais o binómio da “empregabilidade e competitividade”, está a aconselhar (ou a instituir?), mais do que uma reforma do ensino, uma reforma de mentalidades e estas não se fazem por decreto, muito menos por declarações... A mobilidade de estudantes, professores e investigadores será geradora dum “pensar” a sociedade em moldes distintos do pensamento actual, o que, por sua vez, levará a criar condições quotidianas e uma prática longínqua, ainda daquilo que se objectiva. Ora, tudo isto cai, de facto, no campo das mentalidades onde as mudanças demoram séculos, mesmo que apoiadas hoje por plataformas tecnológicas que tudo parecem mudar à velocidade da luz.

O enquadramento pedagógico é o cerne do processo de Bolonha: parte-se do princípio de que existe uma clara e prévia definição dos saberes, na perspectiva da competência, do conhecimento mas, acima de tudo, na atitude a dar aos alunos, com especial e marcada incidência nas metodologias de aprendizagem vivas e activas, enterrando a tradicional transmissão de conhecimentos puro e duro e o monólogo dos docentes.

Mas, tal como com a Estratégia de Lisboa datada de 2000 e cujos objectivos de monta iriam ter ganhos de visibilidade em 2010, prazo já adiado para 2015 e cada vez mergulhado em maior cepticismo, também Bolonha, embora sem datas alvo tão marcantes para o cumprimento de objectivos, terá que ser um caminho a percorrer lentamente, independentemente dos nobres e superiores propósitos que integra. Em termos da sua aplicabilidade, melhor se compreenderia se se chamasse “Intenção de Bolonha”...

Porém, considera-se fundamental e sem discussão toda e qualquer valorização do ensino e ainda mais quando se prevê uma aprendizagem onde o aluno é interveniente e participante activo, acrescido ainda de superiores mais-valias quando essa aprendizagem se prognostica ao longo da vida; a internacionalização que se conjectura como obrigatória também trará mais-valias, que, mais tarde ou mais cedo serão obrigatórias. Contudo, sobrevive o pressentimento, que se espera infundado, do prolapso do nível dos cursos e da subsequente (e consequente!) atenuação do investimento no ensino superior.

Cremos que a referida reforma de mentalidades está em curso, mas sabemos que será exasperantemente lenta e demorada e não será global, tal e qual como a própria globalização, ou não fosse a Declaração de Bolonha, em todos os seus significados, o assumir dum sistema global e, pretensamente, convergente. Por isso mesmo, Declaração de Bolonha há só uma mas, seja permitido o jogo de palavras, Processos de Bolonha, como também é conhecida, há vários: a distintos níveis, a diferentes velocidades, em diversas plataformas, nos mais singulares países, e Portugal, não estará, infelizmente, no pelotão da frente.

 

O “Processo” de Bolonha em Portugal

Em meados de 2005, quando o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior defendeu o seu programa de governo e afirmou que o Processo de Bolonha seria uma oportunidade de diversificação e de autonomia por parte das instituições de ensino envolvidas e não de uniformização e muito menos de centralismo burocrático, acreditamos que se estava a referir a um nivelar por cima, tendo como referências a qualidade e o reconhecimento internacional, com vista à qualificação generalizada do capital humano desta Europa plural, multicultural e aberta que, maculada pelos grandes ressentimentos extremistas, sofre agora graves reveses na sua caminhada para uma Europa unida.

A Declaração de Bolonha tem que ser entendida como um plano vasto de mudança de mentalidades que deverá abarcar a vertente do ensino, mas não só. Há uma gigantesca “Declaração de Bolonha” a implantar que tem que passar obrigatoriamente por competências no âmbito do agir e que não se esgotam nos efeitos mais imediatos e visíveis da sua aplicação legislativa: a formação avançada também aqui tem lugar e temos que a encarar sob uma dupla perspectiva: por um lado, a formação a adquirir depois da formação de 1 o ciclo, mas por outro lado, a formação competitiva abrangente nas mais diversas áreas de actuação do quotidiano e que se consubstancie, precisamente numa prática diária que demonstre e evidencie a falada mudança de mentalidades. A tendência para se associar a formação ao ensino deve ser superada, porquanto, conceptualmente, a formação tem que passar pela educação interior no plano dos valores e da cidadania dos indivíduos, para que as suas práticas quotidianas se elevem a um plano superior e a outros caminhos.

Finalmente, se a Declaração de Bolonha é algo que é discutido no plano do ensino superior, necessário seria, também, que as implicações da sua adopção fossem, pelo menos, afloradas ao nível dos primeiros ciclos, pois, tendo em conta que estamos perante um desafio de alteração de mentalidades, há que agir desde já no futuro, de forma sólida, precavida e sem interrupções, pois as crianças de hoje serão os protagonistas do amanhã.

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Informação Complementar

DA SORBONNE A BERLIM

Por ocasião dos 800 anos da Universidade de Paris, os quatro maiores países da Europa – Alemanha, Reino Unido, França e Itália – assinaram a Declaração da Sorbonne, em 1998, que ficou entendida como o acto introdutório da Declaração de Bolonha, subscrita por 29 países em Junho de 1999. A Declaração da Sorbonne reconhece o imperativo de construir e reforçar uma Europa do saber, na qual as instituições universitárias têm um papel fulcral. Chegados a 2001, assina-se a Declaração de Praga onde se acrescentava, entre outras medidas, a adopção de um sistema de dois ciclos de formação e de um sistema de graus comparável entre os distintos países da Europa, bem como a formação ao longo da vida. Decorridos mais dois anos, em 2003, assina-se a Declaração de Berlim que estipulou a entrada em vigor do sistema de créditos até 2005.

A estes actos solenes europeus não tem sido dado o devido realce, destaque e valor logo na altura das suas assinaturas, sentindo-se uma falta de debate e esclarecimento na sociedade civil em geral.

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* Reginaldo de Almeida

Doutorado em Ciências da Comunicação. Secretário Geral e docente da UAL.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Países signatários da Declaração de Bolonha

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