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O salto tecnológico para o cinema digital

Jorge de Sá Gouveia *

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O cinema fez cem anos em 1995. Como celebrará os 150 ou os 200? Manter-se-á o impulso que há mais de um século leva milhões de pessoas a entrarem em salas escuras à procura de histórias contadas por imagens em movimento?

Sabemos que a apetência dos públicos por narrativas se tem mantido intacta ao longo dos séculos, independentemente das culturas de onde elas provêm. Mas as histórias genuinamente originais são, na verdade, muito poucas, abundando, isso sim, uma vasta série de variantes. O que tem, então, evoluído mais significativamente ao longo dos tempos? Uma das respostas a esta pergunta é consensual: as tecnologias utilizadas.

Os saltos tecnológicos marcam toda a história do cinema. Basta pensarmos na mudança do mudo para o sonoro, do preto e branco para a cor (para a diversidade de sistemas de cor que o cinema foi conhecendo), para a proliferação de dimensões e características técnicas dos ecrãs, por vezes associadas a novos sistemas de projecção, para as sucessivas evoluções dos sistemas de captação e manipulação do som (que permitiram mudanças substantivas na concepção de bandas sonoras), para as sucessivas gerações de máquinas de filmar — algumas das quais estão intimamente associadas a “escolas” cinematográficas: por exemplo a “ nouvelle vague ” francesa não teria sido possível sem a “nova” geração de câmaras portáteis, com que era possível “filmar à mão” — para percebermos que o cinema foi sendo o que foi em função dos progressos tecnológicos que o tiveram como causa ou que incidiram sobre ele.

O cinema é sempre, e com razão, apresentado como uma arte/indústria onde a mudança se operou a uma velocidade vertiginosa — de facto, ele pouco mais tem do que um século de vida.

 

Uma mudança de era

Mas talvez nunca como hoje a mudança de tecnologia tenha surgido como tão determinante do futuro, um futuro que terá de superar a actual “crise do cinema”. Os espectadores têm vindo, ao longo dos anos, a perder a apetência pela sala escura, divorciados do velho hábito de ler no jornal algo sobre o filme e decidir, assim, as suas preferências.

Hoje, as salas de cinema nascem quase exclusivamente em grandes superfícies comerciais, e são frequentadas por públicos flutuantes, que aproveitam uma ida às compras para ver um filme. As salas que persistem fora dessas “catedrais” do consumo têm dificuldade em sobreviver. São geralmente pequenas, têm custos controlados e apostam em programações criativas para conquistar nichos de gosto. E estes são constituídos por conhecedores exigentes, que procuram produções normalmente arredadas dos multiplexes. Muito do cinema independente nunca entra nos circuitos dominantes de distribuição, mas também muitos filmes europeus e até americanos.

O número de estreias sofreu uma quebra acentuada, exprimindo o desinteresse do público pelas salas. E este público tornou-se ocasional ou elitista, causando sérias preocupações aos diversos agentes da actividade, que dependem de grandes audiências.

 

Duas estratégias

Para as garantir, e ao mesmo tempo fazer face à crise económica, a indústria cinematográfica tem vindo a assumir dois tipos de estratégias:

• A primeira, a nível da comunicação, visa reduzir despesas de distribuição e promoção. Não é raro vermos dois estúdios juntos na distribuição e promoção de alguns títulos mais importantes. Estas parcerias, praticamente inexistentes até há poucos anos, são criadas para partilhar custos de lançamento de campanhas internacionais particularmente onerosas, dividindo responsabilidades e perdas em caso de fracasso.

• A segunda, a grande mudança, a mais importante nos dias de hoje e com maiores efeitos futuros, está a operar-se a nível tecnológico. Sabe-se, desde o último trimestre de 2005, que a Disney será o primeiro estúdio de cinema a apoiar a distribuição dos seus filmes. O acordo, firmado entre a sua subsidiária Buena Vista Pictures Distribution e as empresas Christie Digital System e AccessIT, gerará 150 novos ecrãs digitais de imediato e garantirá um número próximo dos 4.000 antes de 2008. Se pensarmos que o número de ecrãs analógicos nos EUA é, no momento em que escrevemos, de cerca de 36 mil contra 110 digitais, concluímos que, embora a percentagem de salas equipadas com projecção digital seja ainda pequena, o seu número tem tendência a aumentar exponencialmente, dada a vontade dos grandes estúdios de investir nesta mudança.

As razões para esta apetência são várias e prendem-se, não só com a diminuição dos custos de distribuição, mas também com imperativos de qualidade e de protecção autoral. Em termos de redução de custos, há que ter em conta o investimento inicial: hoje, equipar uma sala com material de projecção digital custa, nos EUA, sensivelmente o dobro do que custaria fazê-lo usando projectores convencionais, situação que tende a inverter-se à medida que a procura e a subsequente produção dos novos equipamentos aumente. A poupança proporcionada pela substituição das cópias tradicionais pelo novo formato digital conta-se em milhares de milhões de dólares, porque envolverá a eliminação de todos os suportes físicos e seus custos. Tendo cada cópia (em película) de uma longa metragem o custo médio de 2.000 euros, percebe-se o que será poupado, e isto antes mesmo de se contabilizar o desgaste e manutenção de tais suportes e o seu transporte.

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O que é o cinema digital

Durante mais de cem anos, o suporte físico utilizado na filmagem, edição e exibição de filmes foi a película cinematográfica. No princípio do século XXI, estamos a assistir ao desaparecimento do último elo dessa cadeia. Depois das mesas de montagem analógicas terem sido gradualmente substituídas por sistemas de edição digitais, e com o vídeo de alta definição a sobrepor-se à película como meio de registar imagens em movimento, chegámos à era da projecção digital. O filme de George Lucas “Star Wars episódio II: O ataque dos clones”, lançado em Maio de 2002, ficará na história como o primeiro espectáculo cinematográfico a ser captado (não podemos dizer filmado), editado e exibido sem recurso a película.

Um filme produzido digitalmente ou convertido em formato digital pode ser exibido nas salas através de suporte físico, banda larga ou transmissão via satélite. O filme digitalizado é armazenado num servidor que irá depois descarregar o seu conteúdo no projector digital cada vez que se inicia uma sessão. Esses projectores utilizam o sistema DLP ( ver caixa ), por enquanto o único disponível em salas comerciais.

Em Portugal existe já um projector deste género numa cadeia de salas em Lisboa, estando para breve a instalação de outro em salas concorrentes. Mais uma vez, os multiplexes são os locais escolhidos para inaugurar uma tecnologia que poderá ser, em breve, prática comum a todas as salas. As vantagens deste sistema, a nível da qualidade de projecção, são indiscutíveis. Para além da clareza e detalhe de imagem, a sua conservação é sem dúvida um dos grandes trunfos do sistema, já que não há deterioração física visível em projecção — os suportes digitais não apresentam riscos, descoloração, quebras de perfuração ou sujidade, problemas comuns das películas ao fim de algum tempo de exibição.

 

Globalizar a baixo custo

Numa altura em que os grandes produtores de cinema procuram globalizar os seus produtos a baixo custo, uma das grandes vantagens da projecção digital é garantir, no futuro, a transmissão mundial via satélite de estreias em simultâneo para todos os países.

Para alcançar esses objectivos foi lançado recentemente o programa piloto “CCTx”, que visa a comunicação digital “ end-to-end ” sem interrupção entre um processador situado nos Estados Unidos e um ecrã em Singapura. Os testes iniciais revelaram-se um sucesso e servirão de base a um programa comercial que visará criar um centro de distribuição digital em Singapura. Segundo Hock Yun Khoong, responsável pela empresa local IDA, “O CCTx abre caminho para um modelo viável que permite aos estúdios americanos depositar conteúdos digitais em Singapura, guardá-los aqui em segurança e depois distribui-los na região, fazendo assim uma ponte importante, em termos de dados, entre os EUA e a Ásia”.

Mike Connors, antigo vice-presidente da MPAA ( Motion Picture Association of America ), diz que “o programa piloto permite à indústria cinematográfica identificar e resolver problemas inerentes à adopção de um sistema mundial de distribuição digital”. E Charles S. Swartz, presidente executivo do conglomerado americano ETC-USC, acrescenta que, “para que o cinema digital arranque a nível mundial, é necessário um sistema interoperacional global de distribuição. Os programas-piloto como o CCTx são cruciais à distribuição internacional, e a ETC-USC tem orgulho em poder facilitar a transmissão de conteúdos digitais entre Singapura e Los Angeles”.

O discurso globalizante dos responsáveis norte-americanos não é novo, e vem apenas cimentar as intenções da criação de um mercado total para o cinema americano. No futuro, a batalha da distribuição e exibição irá travar-se a nível digital, e os americanos sabem-no melhor que ninguém.

 

Singapura, Índia...

A escolha de Singapura como local de partida é judiciosa, se pensarmos que é neste território asiático que se concentra a maior percentagem de ecrãs digitais de alta definição do mundo, instalados em 21 salas, 15 por cento da totalidade das existentes no pequeno território. A nível mundial, Singapura tem o quarto maior número absoluto de ecrãs digitais, depois dos EUA, China e Japão. Para além da sua situação geoestratégica invejável, Singapura desenvolveu um enorme potencial em termos de recursos tecnológicos, contando vários centros de legendagem e pós-produção e estando ligada, por redes de fibra óptica de grande capacidade, a países como a Austrália, o Japão e a Índia.

A Índia, o maior produtor de filmes do mundo, que consegue a proeza de continuar a rentabilizá-los no mercado interno, aposta na digitalização do seu território por uma questão logística. Os gastos, por ano, em cópias de filmes rondam os 3.000 milhões de rupias (cerca de 57 milhões de euros). Com esse dinheiro poder-se-ia, dizem os responsáveis indianos do sector, converter cerca de 1.500 salas por ano ao sistema de projecção digital: em cinco anos, o número total de ecrãs do país poderia ser digitalizado.

Cerca de 40 por cento das receitas do cinema indiano perdem-se para a pirataria. Uma distribuição simultânea em todo o território e um sistema informático seguro evitariam esse mal de maneira eficaz, usando um sistema encriptado com saída directa para a projecção, o que tornaria difícil qualquer cópia ilegal. Por outro lado, reduzindo o custo das cópias em mais de 90 por cento, garante-se maior e mais rápida distribuição, mesmo nas cidades mais pequenas.

EUA, China, Japão, Singapura... Não mostra este grupo que área do mundo vai liderar a digitalização da distribuição cinematográfica, via Pacífico? Os exemplos de Singapura e da Índia mostram o que poderia ser um futuro para a Europa em termos de distribuição do cinema digital. Se considerarmos que seria de extrema importância a criação de um centro europeu de tratamento, digitalização e pós-produção de suportes audiovisuais como garante de uma rede de distribuição tão global quanto possível, seria importante investir num sistema que libertasse a distribuição dos seus suportes físicos. Tal sistema proporcionaria maior escolha dos títulos facilmente disponíveis, gerando melhores acordos comerciais e de cooperação com os EUA, uma vez que a Europa estaria finalmente em pé de igualdade no que toca à disponibilização das suas obras.

 

Fim dos formatos físicos

No que diz respeito aos formatos físicos, estes enfrentam a ameaça já há muitos anos referida por Walter Benjamin no seu famoso texto sobre a era da reprodutibilidade técnica. Quando do surgimento do “ compact disc ” (CD), no princípio dos anos 80, houve quem o acolhesse como sendo o salvador do mercado discográfico, esquecendo-se que os seus criadores (Philips) tinham um dia fundado um dos maiores gigantes da indústria fonográfica (PolyGram) para garantirem a existência de um vasto repertório musical que poderia ser tocado nos sistemas de som que fabricava. Em meados dos anos 90, a Philips decidiu lançar o primeiro gravador de CD's doméstico, vendendo pouco tempo depois a PolyGram a outros investidores. O mercado da gravação tinha--se tornado, na óptica dos fabricantes, igual ao da reprodução.

Neste momento, a venda de gravadores de DVD começa a apresentar números esclarecedores em relação ao futuro das vendas dos títulos pré-gravados. Assim sendo, e já adivinhando uma crise no mercado do DVD semelhante ao da crise discográfica, as grandes companhias optam por diversificar a oferta na distribuição dos produtos audiovisuais. O aparecimento de novos filmes em novos formatos como o PSP ( Playstation Portable ), bem como o reforço de posições nos canais “ pay per view ” ou a criação de “ sites ” legais de download de filmes via Internet, são tentativas de combater a pirataria no audiovisual. Mas esse combate talvez só termine no dia em que se confirmar o fim do suporte físico e se tiver completado, assim, a revolução digital.

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Informação Complementar

DLP, DIGITAL LIGHT PROJECTION

DLP significa “ Digital Light Projection ” e é um sistema que reflecte mais luz da lâmpada para o ecrã, resultando daí uma imagem mais clara. Um projector digital baseado em tecnologia DLP transfere o ficheiro da imagem digitalizada para três semicondutores ópticos conhecidos como DMD's ( Digital Micromirror Devices ). Cada um desses chips está dedicado a uma cor específica — vermelho, verde ou azul. Um chip DMD contém um conjunto rectangular de mais de um milhão de espelhos microscópicos.

A luz do projector é reflectida nos espelhos e é formada de diferentes proporções de vermelho, verde e azul, controladas pelo ficheiro de imagem, criando uma vastidão imensa de pixels coloridos que constituem a imagem projectada. Pensemos nos espelhos DMD como se fossem cartões coloridos segurados por uma audiência num campo de futebol para criar uma imagem gigante. Cada pessoa segura um cartão de uma só cor. No entanto, quando combinados estes milhares de cartões formam uma imagem. Se as cores dos cartões mudarem, as imagens mudam também. Os espelhos DMD inclinam-se, ou na direcção da luz, ou afastando-se da fonte luminosa milhares de vezes por segundo para reflectir as imagens em movimento no ecrã.

Estas imagens são sequencialmente projectadas, recriando a imagem com perfeita clareza, utilizando um espectro de mais de 35 triliões de cores. A imagem é por isso cristalina e desprovida de riscos, flutuações ou problemas de focagem. Ao contrário de um projector tradicional, o sistema DLP não inclui o uso de obturador. Dado que não existe nenhum filme puxado mecanicamente através de uma janela de projecção, não há necessidade de apagar a luz, garantindo uma imagem livre de cintilação e um uso mais eficiente da capacidade da lâmpada de projecção.

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* Jorge de Sá Gouveia

Licenciado na Escola Superior de Teatro e Cinema. Docente no Departamento de Ciências da Comunicação da UAL. Doutorando em Ciências da Comunicação na Universidade Complutense de Madrid.

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Dados adicionais
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