Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2006> Índice de artigos > A nova diplomacia > UE: a política externa e de segurança > [ As fracturas nas políticas externas dos Estados-membros ]  
- JANUS 2006 -

Janus 2006



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável


As fracturas nas políticas externas dos Estados-membros

Marisa Abreu *

separador

O final da Guerra Fria trouxe aos europeus a esperança de que a União Europeia pudesse adquirir um “novo” e reforçado papel nas relações internacionais, papel esse até então dificultado pela lógica bipolar do sistema internacional.

Seria uma Europa diferente: mais forte, mais dinâmica e com uma capacidade aumentada de acção, quer interna quer externamente. Neste contexto a emergência de uma política externa comum parecia ser um dos principais veículos de afirmação desta nova Europa.

Na verdade, desde os anos 70 que se vinham debatendo as possibilidades de cooperação dos Estados-membros em matéria de política externa. Este debate acabou por resultar na inclusão dos assuntos relacionados com a acção exterior dos Estados no “mecanismo” da Cooperação Política Europeia - CPE ( na versão original, EPC – European Political Cooperation ).

Mais tarde o dinamismo do mercado único nos anos 80 e o fim da Guerra Fria acabaram por ser os principais responsáveis pelo desenvolvimento de grandes expectativas quanto ao papel internacional da comunidade. É neste contexto que, no âmbito do Tratado de Maastricht, surge a Política Externa e de Segurança Comum em substituição da CPE. Tratava-se de uma forma mais elaborada e institucionalizada de cooperação em matéria de política externa e defesa, de forma a permitir a adequação a uma “nova ordem internacional”.

O colapso do comunismo na Europa central e oriental, as guerras na antiga Jugoslávia e a guerra do Golfo acentuaram o desejo e a necessidade de cooperação. Desejo este que, aliás, ficou bem claro nos desenvolvimentos que este assunto teve em momentos seguintes: o Tratado de Amsterdão, os Conselhos Europeus de Colónia e Helsínquia, o Tratado de Nice ou o Projecto de Constituição Europeia.

Apesar disto, não é ainda completamente claro que a União Europeia (UE) tenha conseguido ultrapassar as dificuldades expectáveis de harmonização das políticas externas nacionais nem é ainda certo que o venha a conseguir ou mesmo que se mantenha o desejo de o fazer.

 

A União Europeia na comunidade internacional

Apesar das referidas e significativas evoluções, a União Europeia não é ainda um actor convencional de política externa mas antes um sistema de política externa (1). E isto significa apenas que os actores nacionais europeus, no que diz respeito a política externa, não foram ainda substituídos por um actor comum. Esta fragmentação torna-
-se evidente em diferentes níveis de decisão: Estados-membros / Estados-membros, Estados-membros / UE, e até mesmo entre instituições europeias.

Subsistem múltiplos centros de decisão no âmbito da UE que continuam a influenciar as posições tomadas nestas matérias, ao mesmo tempo que se mantém um elevado grau de divergência entre as políticas externas de cada Estado-membro quanto a determinados assuntos.

Esta realidade tornou-se particularmente evidente nos anos 90, tendo-se acentuado já nesta década, impulsionada pelos trágicos acontecimentos de 2001 em Nova Iorque e Washington que – apesar de geradores de um aparente consenso europeu no que dizia respeito à solidariedade para com os EUA, num primeiro momento, e mais tarde quanto à guerra internacional contra o terrorismo – puseram a descoberto fracturas importantes.

Fracturas entre Estados-membros, entre grupos de Estados-membros e até mesmo entre o Quinteto (2) (Alemanha, França, Reino Unido e Itália + EUA) e outros Estados-membros.

Algum tempo mais tarde, a intervenção no Iraque volta a colocar no centro dos debates europeus as divergências entre Estados-membros.

Deste ponto de vista, talvez seja interessante a análise um pouco mais detalhada das prioridades definidas por alguns Estados-membros em matéria de política externa. Tomemos então como base de reflexão o ano de 2004 e os dados disponíveis em relação a 4 Estados-membros: Portugal, Espanha, Reino Unido e Alemanha. Dois “grandes”, um “candidato a grande” e um “pequeno”.

 

O caso português

Portugal, tal como outros países de pequena dimensão na UE, tem encarado a emergência de uma PESC como forma de potenciar a sua própria política externa. A “voz” comum europeia é entendida como veículo de afirmação de capacidades e de desenvolvimento de potencialidades nacionais. Em consequência, os diferentes governos nos últimos 10 anos, independentemente da sua “cor” política, entenderam considerar a Europa e o desenvolvimento da PESC como uma prioridade. Do mesmo modo, para Portugal, o incremento das competências europeias no domínio da segurança e defesa é entendido como indispensável para a credibilização da PESC.

Apesar desta clara aposta na Europa, visível há já alguns anos, Portugal mantém especial interesse no aprofundamento das relações com África, em particular no que concerne aos PALOP. Portugal tem mesmo incentivado junto da UE, por óbvias razões históricas e também de natureza económica, a realização de uma nova Conferência Euro-Africana em Lisboa. Por motivos idênticos, a relação de Portugal com o Brasil é também motivo de interesse.

As relações com os EUA são também uma prioridade; o apoio português à intervenção conduzida por este país no Iraque aponta claramente neste sentido, assim como o envolvimento português na OTAN.

Em suma, não será muito simplista falar de uma espécie de triangulação das atenções portuguesas no seu relacionamento com o exterior: Europa – África – EUA.

  Topo Seta de topo

O parceiro ibérico

A Espanha, vizinho ibérico contemporâneo de Portugal na adesão à UE, tem no entanto prioridades substancialmente diferentes. Os atentados de 11 de Março em Madrid, as eleições 3 dias depois e a chegada ao governo do PSOE de José Luis Rodriguez Zapatero foram, é claro, factores decisivos na redefinição da política externa espanhola.

Zapatero inaugura uma nova “era” de relacionamento espanhol com os EUA, marcada pelo distanciamento, ao contrário da postura a que nos tinha habituado o seu antecessor José Maria Aznar. A retirada espanhola do Iraque foi talvez o momento mais marcante desta nova realidade.

Ao contrário de Portugal, a Espanha de Zapatero parece encarar a relação com EUA como secundária, retomando, aliás, o caminho já iniciado por Felipe González em meados da década de 80, quando chegou ao poder.

O interesse espanhol parece então recair sobre o Mediterrâneo, a América Latina e a Europa. Quanto ao Mediterrâneo, os sinais são evidentes e vão desde o reforço dos laços com Marrocos a uma maior atenção em relação ao conflito israelo-palestiniano. A aposta espanhola na realização de uma nova Conferência Euro-Mediterrânica em Barcelona (“Barcelona + 10”) pode também ser um bom exemplo. Em relação à América Latina, Espanha procura maximizar o passado que a aproxima desta região de globo. Uma maior abertura verificada em 2004 quanto a Cuba pode ser um bom indicador desta vontade. A Europa e os desenvolvimentos da UE continuam também estar no centro das atenções do executivo espanhol, como parece indicar o debate interno sobre o Tratado Constitucional Europeu.

« We are a European, Mediterranean and Latin American country », disse Zapatero na Assembleia Geral das NU em Setembro de 2004.

 

O mundo visto de Londres

Já o Reino Unido, um dos “grandes” na Europa, tem uma agenda para as suas relações externas muito mais ambiciosa. Segundo os documentos apresentados pelo British Foreign and Commonwealth Office , as preocupações inglesas são de facto de natureza algo diferente. Desde logo não está presente a identificação de áreas geográficas, países ou regiões, como base para o estabelecimento das prioridades em matéria de política externa, que de algum modo se verifica em relação a Portugal e a Espanha. Ou pelo menos não é o “ponto de partida”.

O Foreign Office identifica “questões prioritárias” em alternativa: o terrorismo global, as armas de destruição massiva, a imigração ilegal, o tráfico de droga, a criminalidade internacional, a prevenção e resolução de conflitos, o melhor funcionamento do sistema internacional, a promoção dos seus interesses económicos (incluindo acesso a reservas energéticas), o desenvolvimento sustentável, a democracia, os direitos humanos e a boa governação. A UE (e outras organizações multilaterais) são identificadas como veículo importante de enquadramento das acções nestas matérias.

Além de mais ambiciosa, a agenda de política externa inglesa é também, talvez deliberadamente, mais ambígua. A definição destas “questões” prioritárias é feita de forma tão abrangente que nelas cabe quase tudo. Mesmo assim, é possível identificar algumas das preocupações mais específicas; são elas: Caxemira e as relações indo-paquistanesas, Darfur e o governo sudanês, o Médio Oriente e o processo de paz israelo-palestiniano, o Irão, o Afeganistão e as relações com os EUA e com a Rússia.

É, no entanto, interessante notar que a agenda externa inglesa, pela forma como é apresentada e defendida, aponta no sentido da definição, não só dos seus interesses externos como no sentido da tentativa de condução da própria agenda europeia, uma vez que em diversas situações se alude à UE como indispensável para a satisfação destes objectivos.

 

Berlim , a Europa e o mundo

Quanto à Alemanha, as apostas externas parecem estar a ser feitas sobretudo através da UE, muito embora este país mantenha uma presença activa na cena política internacional, mesmo quando esta organização se encontra paralisada por circunstâncias diversas.

O reforço das capacidades da UE em matérias PESC e PESD tem sido uma das suas ambições mais marcantes, não só no que diz respeito à promoção de reformas institucionais e de procedimentos das actuais estruturas mas também procurando o fortalecimento das competências UE no âmbito do Projecto de Tratado Constitucional. A proposta de criação dos chamados “ Battle Groups ” parece apontar nesse sentido.

Esta postura alemã, mais interventiva, face a conflitos armados, é provavelmente uma consequência de uma evolução interna verificada ao mais alto nível e personificada em Joshka Fisher e que está bem patente no seu slogan nie wieder Auschwitz ” (nunca mais Auschwitz) por oposição ao slogan do pós-segunda guerra mundial “ nie wieder krieg ” – guerra nunca mais – abrindo assim as portas para a intervenção humanitária da Alemanha, se necessário por meios militares, embora a ênfase seja colocada na prevenção de conflitos.

Uma vez que as atenções parecem estar concentradas na UE, o relacionamento com o exterior é também promovido no seio desta organização. Como acontece, por exemplo, com o seu envolvimento em operações da UE na Geórgia (EUJUST THEMIS) e na Bósnia-Herzegovina (EUFOR ALTHEA).

O relacionamento com os EUA é também um elemento a considerar, quanto mais não seja por via do afastamento alemão de algumas das opções de Washington, como aconteceu em relação à intervenção no Iraque. Em 2004 a Alemanha defendeu a necessidade de pacificação urgente do Iraque, tendo-se, por isso, verificado uma certa redução do fosso que separava George W. Bush e Gerard Schröeder quanto a este assunto. Não se verificando mudanças significativas na posição alemã quanto à intervenção, uma vez que esta aconteceu, procura-se agora trabalhar no sentido da promoção da paz.

Não dispondo de laços históricos (significativos) com territórios fora da UE, como acontece em relação a Portugal, Espanha e Reino Unido, a Alemanha aparenta procurar a sua afirmação no contexto europeu. As suas preocupações fora do espaço UE concentram-se nas fronteiras desta organização a leste que, no fundo, são também as zonas instáveis mais próximas do seu próprio território.

Ora, se estas são as agendas de alguns países europeus quanto ao seu relacionamento externo durante o ano de 2004, não será exagerado concluir que o caminho a percorrer no sentido da existência de uma PESC é ainda longo. A multiplicidade de centros de decisão é, de facto, ainda, uma realidade.

Provavelmente a existência de uma Política Externa Comum europeia pressupõe a existência de uma verdadeira identidade europeia ainda não inteiramente clara. Somente tal identidade poderá fazer com que a Política Externa Europeia deixe de ser um mero somatório de políticas externas nacionais para as quais a Europa representa apenas um instrumento adicional para satisfação dos seus interesses.

Topo Seta de topo

 

Informação Complementar

A EUROPA E O IRÃO

Apesar dos esforços europeus de projecção de uma imagem internacional una e coesa, subsistem episódios reveladores do estádio incipiente de criação de uma verdadeira Política Externa e de Segurança Comum.

Mas, na verdade, as fracturas nas políticas externas dos Estados-membros nem sempre se apresentam sob a forma de estratégias divergentes em relação a um determinado fenómeno. Por vezes as fracturas podem traduzir-se na adopção em diferentes momentos da mesma estratégia, isto é, muitas vezes o timing escolhido por cada Estado-membro para a adopção de um determinado comportamento depende de inúmeras condicionantes nacionais e pode revelar-se impeditivo das acções comuns.

Em outras ocasiões, a dificuldade de obtenção de consensos intensifica a possibilidade de ocorrência de fracturas entre as políticas externas europeias.

Terá sido o que aconteceu em 2004 perante a possibilidade de desenvolvimento do programa nuclear iraniano. Nessa ocasião três Estados europeus optaram por agir sozinhos perante uma potencial ameaça, ao invés de ficarem à mercê da morosidade europeia no que concerne a assuntos desta natureza. É justamente este contexto que assiste ao nascimento do chamado grupo E3 (Europa 3).

Este grupo, constituído pela França, Reino Unido e Alemanha, tinha como missão procurar sensibilizar as autoridades de Teerão para o abandono do seu programa nuclear em troca de uma aproximação significativa à Europa e ao seu Mercado Único.

Apesar desta proposta ser o reflexo das preocupações europeias quanto a este assunto, a verdade é que as instituições europeias foram claramente ultrapassadas pelo desejo destes países em conduzir o processo de forma mais célere.

O facto de o primeiro contacto com o executivo iraniano ter sido feito pelos ministros dos Negócios Estrangeiros do grupo E3 é bem revelador da secundarização da União e do papel do Alto Representante PESC.

Somente meses mais tarde este grupo envolve o Sr. PESC nestes seus contactos.

O acordo obtido a 15 de Novembro de 2004 entre a União Europeia e o Irão foi, assim, uma consequência das negociações E3/EU (European Union) com as autoridades iranianas, facto este que o próprio texto reconhece: «... once suspension has been verified, the negotiations with the EU on a trade and cooperation agreement will resume. The E3/EU will actively support the opening of iranian accession at the WTO (3).»

Apesar do sucesso final das negociações, não deixa de ser interessante constatar a divisão europeia face ao Irão. Embora com objectivos e preocupações comuns, não foi possível agir em conjunto e o resultado acabou por ser a criação de um subgrupo europeu. De um lado a União e o grupo ad-hoc E3, do outro, o Irão.

separador

1 HILL, Christhoper; WALLACE, William – The Actors in Europe's Foreign Policy . Routledge 1996 pp. 1-16.
2 GEGOUT, Catherine – “The Quint: Acknowledging the existence of a Big Four – US Directoire at the heart of the European Union's foreign policy decision making process”. Journal of Common Market Studies , vol. 40, nº 2, Jun. 2002, pp. 331-344.
3 Apud CROWE, Brian – Foreign Minister of Europe, FPC 2005. http://www.theepc.be

Este artigo foi elaborado com base no estudo dos relatórios “CFSP Watch 2004” elaborados pelos membros da FORNET – European Foreign Policy Research Network consultados em http://www.fornet.info/CFSPwatch.html
Com destaque para os seguintes:
COURELA, Pedro – “Portugal”. Lisboa: Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, s.d.
FLERS, N.A. – “Germany”. Berlim: Institut für Europäische Politik, s.d.
OLIVER, T. – “United Kingdom”. Londres: London School of Economics and Political Science, s.d.
BARBÉ, E.; MESTRES, L. – “Spain”. Barcelona: Universitá Autònoma de Barcelona, s.d.


separador

* Marisa Abreu

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Docente na UAL. Investigadora e membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2005)
_____________

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores