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Janus 2006



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A europeização das políticas externas nacionais

Marisa Abreu *

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A ideia de que as politicas externas nacionais na União Europeia têm vindo a sofrer alterações significativas não é hoje uma novidade. A emergência de uma política externa comum ao nível europeu assim o determina e até mesmo estimula a sua transformação. Mas, ao contrário do que tem vindo a acontecer em outras áreas de actuação da União Europeia, a análise do impacto da Europa no modo de condução das políticas externas nacionais não tem sido objecto de estudos aprofundados.

A maior parte dos analistas concentra a sua atenção em outros domínios de actuação da União, com particular destaque para as questões socioeconómicas, nomeadamente no que diz respeito à construção e funcionamento do mercado único.

Este fenómeno, apesar de compreensível dada a relevância que assumiram estas temáticas em momentos decisivos da construção europeia, contribuiu para um menor conhecimento do real impacto do projecto de construção de uma política externa comum europeia sobre as políticas externas de cada Estado-membro.

A afirmação da Europa no sistema internacional e o desenvolvimento do seu papel na política mundial para além da esfera estritamente económica incentivam os estudos sobre o tema.

Se a relação entre a UE as políticas domésticas dos Estados-membros sempre foi complexa, a verdade é que o estudo deste impacto quanto à política externa nacional coloca toda uma série de dificuldades. Desde logo sobressai o facto de, por vezes, se tornar extremamente difícil isolar o chamado “efeito UE” de outros fenómenos a nível global, bilateral ou nacional susceptíveis de provocar efeitos idênticos. O estabelecimento de uma verdadeira relação “causa-efeito” é determinante, mas por vezes muito difícil neste domínio.

Fenómenos como a globalização, a Guerra Fria e o seu término, o 11 de Setembro ou o terrorismo internacional são igualmente passíveis de produzir efeitos semelhantes. Por outro lado, as políticas externas nacionais são afectadas por diferentes fenómenos não só no sistema internacional mas também no ambiente doméstico, que podem influenciar as suas posições de um modo tão intenso como a UE.

O desafio é ainda mais vasto se pensarmos que a complexidade aumenta quando as políticas nacionais são, elas próprias, um dos principais factores de influência sobre a UE. Isto acontece em todos os domínios e em particular na política externa.

Tanja Börzel (1) descreve esta interacção com recurso à ideia de uploading e downloading no relacionamento entre os Estados e a UE. Este pensamento parece bastante interessante para a compreensão da dinâmica de reciprocidade e da sua utilização neste contexto. Se os executivos nacionais desempenham funções-chave, quer no processo de tomada de decisão, quer na implementação das políticas da UE, então a verificação do referido “efeito-UE” torna-se ainda mais difícil.

Isto significa que o próprio conceito de europeização não está ainda totalmente clarificado. Se a ideia de que a UE afecta os seus Estados-membros parece pouco controversa, o modo como esse efeito se processa já não é tão linear. De uma forma simplista, já não se trata de verificar se a Europa age sobre os seus Estados-membros mas como age, com que intensidade, em que domínios, com que ritmo e em que momentos (2). O objectivo será uma maior compreensão dos efeitos da evolução do sistema europeu de governação sobre os Estados-membros. Esta, sim, tem-se revelado uma tarefa intrincada. Particularmente no que concerne a uma das áreas mais sensíveis: a política externa.

Neste domínio os obstáculos parecem multiplicar-se. A própria definição de política externa pode revelar-se problemática – que dizer da análise de política externa – variando desde as abordagens mais restritivas que a reduzem às “relações entre os Estados” (3), passando pelos que a identificam de forma ambígua como “actividade governamental exterior” (4), até chegarmos às definições mais abrangentes que se perdem na noção de “relações externas” (5). Embora a multiplicidade de definições seja interessante do ponto de vista teórico, a verdade é que a escolha da definição é determinante para a análise do impacto da Europa. Ora, justamente esta escolha não é unânime nem pacífica, apresentando-se como mais uma barreira. Por outro lado, o facto de esta ser uma área dita sensível para os Estados-membros afasta-nos das facilidades.

Podemos, no entanto, falar da existência de sinais que apontam no sentido de uma maior harmonização das políticas externas dos Estados-membros ou, pelo menos, de uma evolução no sentido da convergência de posições neste domínio.

Esta convergência de diferentes posições nacionais para um “posição comum europeia” parece ter sido induzida pelo processo de Cooperação Política Europeia – CPE (EPC – European Political Cooperation ) nascido nos anos 70 e que antecedeu a PESC.

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Foi esta cooperação que facilitou o início de um processo de articulação de posições em diferentes assuntos no domínio da política externa e fez com que se desejasse o seu aprofundamento. De estranhar seria se mais de três décadas de evolução não deixassem marcas a este nível.

Neste sentido, podemos falar de alguns indicadores de adaptação dos Estados-membros à emergência de uma Política Externa Europeia e que estão na base desta ideia de convergência.

De acordo com Michael Smith, podemos agrupar estes indicadores em três domínios: o social, o burocrático e o constitucional (6).

No domínio social falamos essencialmente das evoluções verificadas a nível intergovernamental e transgovernamental desde o início da cooperação politica europeia. De facto, desde essa altura verificou-se um aumento significativo da “socialização de elites” nestes dois níveis. Ao mais alto nível, entre governos e entre estruturas governamentais dos Estados-membros. Os primeiros por definição com limitações temporais e os segundos com carácter de permanência.

Os governos tendem a aproximar-se e a efectuar consultas prévias sobre determinados temas aos seus parceiros (não necessariamente todos) antes de tomar decisões. O que significa que foram desenvolvidos hábitos de conjunto, de engrenage , que permitem cada vez mais a emergência na UE de uma “ Communauté de vues ” em determinados assuntos. As elites governativas estão mais familiarizadas umas com as outras, o que facilitou o sucesso da CPE.

Para tal contribuíram não só as reuniões multilaterais oficiais mas sobretudo o desenvolvimento de relações sociais entre governos: almoços, jantares, visitas e até mesmo excursões (7). A atmosfera “de clube” parece ter desempenhado um papel importante, bem como o sigilo e a ausência de jornalistas ou de grupos de interesses. No fundo, falamos do desenvolvimento de um clima de confiança entre elites governativas que facilitou a CPE.

A nível transgovernamental foi desenvolvida uma rede de comunicações mais densa e cada vez mais institucionalizada. Desde o COREU (Correio Europeu – rede de telex que liga os Estados-membros), aos grupos de trabalho e de especialistas transnacionais que preparam relatórios conjuntos e influenciam posições comuns, até ao aparecimento de embaixadas conjuntas, muitas foram as evoluções.

A “velha” concepção de Estado-Nação tem conhecido algumas evoluções no sentido da emergência de um comportamento colectivo.

No domínio burocrático as mudanças ocorridas em todos os organismos nacionais responsáveis pela política externa sugerem que os Estados-membros são influenciados pela UE a mudar a organização da condução da sua política externa. A CPE exigiu aos Estados mais funcionários nesta área, fossem estes temporários ou não. Durante as Presidências da UE, por exemplo, todos os Estados reforçaram – e continuam a fazê-lo – o número de pessoas a trabalhar nestas áreas; algumas acabam mesmo por ser integradas em sectores entretanto criados. Os Conselheiros de Política Externa ( CFSP Counselors ) junto das representações permanentes de cada Estado-membro poderiam ser também um bom exemplo.

Ainda neste domínio, a EPC encorajou a expansão dos serviços diplomáticos nacionais, uma vez que se passou a cobrir temáticas antes não tratadas, isto é, a “agenda” da CPE por vezes não coincidia com as áreas tradicionais de interesse dos Estados-membros e apesar disto as novas regras ditavam o conhecimento destes novos dossiês.

De um modo geral, os serviços diplomáticos “voltaram-se” para a Europa. Os assuntos europeus passaram a desempenhar um papel determinante nos Estados. Em consequência, na década de 70 e 80 quase todos os serviços beneficiaram de um reforço financeiro.

Quanto ao domínio constitucional, muitos foram os Estados-membros que tiveram necessidade de efectuar alterações constitucionais por causa da CPE. Aliás, o debate nacional sobre a participação em certas áreas da CPE foi particularmente interessante em certos países, como é o caso dos países neutrais, e levou ou a alterações constitucionais ou a novas interpretações dos textos existentes.

Mas, apesar de tudo, a existência destes indicadores de convergência não nos permite, por si só, falar de europeização das políticas externas nacionais.

Se tomarmos como certa a definição do conceito de europeização avançada por Cláudio Radaelli, que a entende como um “processo de construção, difusão e institucionalização de regras formais e informais, procedimentos, políticas, estilos, modos de actuação e interesses e normas partilhados que são em primeiro lugar definidos e consolidados a nível das estruturas da UE e depois incorporados na lógica do discurso doméstico (…) nas estruturas políticas e nas políticas públicas dos Estados-membros” (8), não será exagerado entender a convergência como apenas um factor interessante de analisar mas em relação ao qual os dados disponíveis não permitem ainda isolar as suas causas. A europeização pode ser uma das causas, do mesmo modo que a cooperação internacional em determinados assuntos, a participação em determinadas organizações internacionais ou o ambiente internacional também o poderão ser.

Talvez num futuro próximo a investigação quanto a estas questões permita clarificar alguns aspectos.

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Informação Complementar

TRÊS CRITÉRIOS POSSÍVEIS DE VERIFICAÇÃO DA EUROPEIZAÇÃO DAS POLÍTICAS NACIONAIS

Adaptação nacional e/ou convergência política

Questões a considerar:
1. Ocorreu a convergência e/ou adaptação da política externa nacional às normas e directivas da União Europeia?
2. A convergência pode ser verificada directamente através da existência de delegação de funções de regulação para Bruxelas?
3. Verificaram-se mudanças de comportamento em resultado da cooperação transnacional?
4. As estruturas nacionais ou os processos políticos alteraram-se em resultado do processo de integração europeia?

Projecção nacional (Projecção da política nacional para as estruturas europeias)

Questões a considerar:
1. Existiu pressão por parte do Estado no sentido da inclusão dos seus objectivos nacionais na agenda da União?
2. Verificaram-se benefícios para o Estado que decorressem da actuação da União Europeia nesta matéria?
3. Qual o grau de dependência do Estado em relação à União para a satisfação dos seus interesses nacionais?

Reconstrução de identidade (Internalização da “Europa”)

Questões a considerar:
1. Ocorreu na acção externa do Estado o privilegiar da identidade europeia?
2. Que normas, emanadas da União Europeia, se aplicam no modo de condução da política externa do Estado?

Fonte: WONG, Reuben – “The Europeanization of Foreign Policy”. In HILL, C.; SMITH, M. (eds) – International Relations and the European Union , The New European Union Series, Oxford University Press, 2005. Traduzido e adaptado.

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1 BÖRZEL, T – “ Pace - Setting, Foot-Dragging and Fence-Sitting. Member States Responses to Europeanization ”. Queen's Papers on Europeanisation, Nº 4, 2001. http://qub.ac.uk/ies/onlinepapers/poe4-01.pdf
2 BÖRZEL, T.; RISSE, T. – « When Europe Hits Home: Europeanization and Domestic Change ». European Integration Online Papers, vol. 4, Nº 15, 2000. http://www.eiop.or.at/eiop/texte/2000-015a.htm
3 CALVERT, P. – “ The Foreign Policies of New States ”. Londres: Wheatsheaf, 1986, p. 1.
4 SMITH, S.; SMITH, M. – “ British Foreign Policy ”, Londres: Unwin Hyman, 1988, p. 15.
5 CLARKE, M.; WHITE, B. (eds) – Understanding Foreign Policy , Elgar, Aldershot, 1992.
6 SMITH, M. – “Conforming to Europe: the domestic impact of EU foreign policy co-operation”. In Journal of European Public Policy 7 : 4 Outubro 2000, pp. 613-631.
7 NUTTALL, S. – “The CFSP at Maastricht: old friend or new enemy?”. Fifth Biennal International Conference of The European Community Studies Association , Seatle 29 Maio - 1 Junho 1997, Apud SMITH, M., 2000.
8 FEATHERSTONE, K.; RADAELLI, C. (eds) – The Politics of Europeanization , Londres: Oxford University Press, 2003, p. 30.


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* Marisa Abreu

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Docente na UAL. Investigadora e membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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