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- JANUS 2007 -



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O que mudou na situação política internacional

Isabel Ferreira Nunes *

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O reordenamento de preferências em política internacional assumiu na última década uma complexidade que ultrapassa as dicotomias da Guerra Fria. No discurso político valorizou-se a democracia como um critério de integração política, extrapolou-se a fronteira da segurança para fora das áreas de aplicação dos textos dos tratados das organizações de segurança e defesa e as dinâmicas da economia de mercado superaram o filtro das ideologias, projectando-se globalmente.


Narrativas em mudança

Os eventos dos últimos dez anos têm permitido a observação de movimentos distintos. Em primeiro lugar configuraram-se várias assimetrias de poder com a proliferação de movimentos secessionistas nacionalistas na Europa, com a acção militar irregular nos Balcãs e no Médio Oriente e com a afirmação hegemónica norte-americana na sequência das intervenções no Golfo, no Afeganistão e no Iraque. Em segundo, o alargamento e aprofundamento de espaços de integração regional, como aquele que a União Europeia representa, veio comprovar a prevalência das dinâmicas da integração sobre as convoluções dos textos dos tratados e as incertezas dos resultados dos referendos nacionais sobre a Constituição Europeia.

Em terceiro, e no domínio transatlântico, a edificação de novos espaços de segurança como a Parceria para a Segurança e Prosperidade para a América do Norte, na sequência dos acontecimentos do 11 de Setembro, espelhou novas formas de promoção da segurança regional sob a égide dos Estados Unidos, mas também a sua dependência de parcerias alargadas. Em quarto, a instituição de mecanismos de responsabilização internacional como o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Jugoslávia e o Tribunal Penal Internacional criado em 2002 reflectem a reposição de uma lógica de responsabilidade internacional que transpõe as questões do equilíbrio do poder e da motivação utilitária da intervenção internacional. (1) O crescente recurso a este tipo de instâncias veio demonstrar o reconhecimento de mecanismos de responsabilização e penalização dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra a uma escala internacional. Em quinto, a par da intervenção de instâncias de direito internacional, importa também referir o esboçar de uma tendência para um novo tipo de regionalismo que viabilize soluções regionais para problemas locais, em conformidade com o dever de responsabilidade de proteger preconizado pela Cimeira das Nações Unidas em Setembro 2005.

As alterações ocorridas na última década não tiveram apenas repercussão ao nível das relações de poder ou da identidade dos actores que intervêm no quadro das relações internacionais. A construção de novos objectos de referência no âmbito da política e da segurança têm tido reflexo noutros enquadramentos dos quais se destacam três. Em primeiro lugar, pela constituição de novos registos discursivos baseados na securização de temas, até então residualmente considerados. Este processo de securização resultou da percepção de “novas” ameaças indutoras de novas motivações, que justificam e legitimam os efeitos decorrentes da inclusão de novos temas na agenda da segurança (ex: terrorismo, proliferação nuclear, ameaça química, biológica e bacteriológica, proliferação de armas ligeiras, migrações ou o impacto devastador de fenómenos naturais). Em segundo, pelo emprego de práticas securitárias alternativas que reforçaram a construção de agendas políticas e de segurança distintas das da década anterior. Estas práticas têm revelado alguma disfunção no que concerne ao desenvolvimento de respostas bem sucedidas aos desafios assimétricos, desencadeados por actores não-Estado (grupos terroristas, redes de crime organizado ou grupos de resistência armada) ou pela ameaça da proliferação de Estados fracos e de vazios de segurança que a presença de espaços não governados (ex. Somália) representa para a estabilidade internacional. No que concerne ao domínio dos meios empregues, a ideia de uma diplomacia musculada, que caracterizou a primeira metade dos anos 90, tem vindo a ser acompanhada pelo reforço de uma diplomacia dos princípios através do relançamento de tribunais internacionais e da preconização pelas Nações Unidas do dever sustentado dos Estados em relação à protecção dos seus próprios cidadãos. Em terceiro e último, assistiu-se a uma alteração dos instrumentos de reacção às ameaças internacionais em que as coligações de vontades dirigidas por um Estado líder se têm sobreposto à acção estruturada de organizações internacionais como a NATO, a UE ou a ONU. Consideremos então estes três enquadramentos.

Discursos e motivações

Na última década assistiu-se a uma alteração dos argumentos valorativos do discurso político e de segurança baseados na securização de novos fenómenos e eventos. Este processo de securização veio acentuar a dicotomia entre a ideia da excepcionalidade, da modernidade e da secularidade do Ocidente versus a tradicionalidade e religiosidade do Oriente. A securização de novos temas implicou a construção de novas representações de identidade, a edificação de novas narrativas de segurança e novas construções do Outro como inimigo ou como aliado. A perpetuação destas novas representações de identidade manifestou-se de uma forma coerciva em relação a outras representações de natureza oposta. O empolgamento do choque de civilizações, o uso de imagens que demarcaram a “velha Europa” continental representada pela França e pela Alemanha, da “nova aliança” entre os Estados Unidos e os aliados da coligação que apoiaram a intervenção no Iraque em 2002 e as acções de política externa de natureza cooperativa baseadas em associações de interesses internacionais coligados, como se observou em 2001 em relação ao Afeganistão, são ilustrativas daquela oposição.

Os novos discursos securitários adoptados pelos Estados e pelas organizações internacionais, em particular as de segurança e defesa, deram lugar a outras securizações de risco e ameaça. Entre estes encontram-se os da proliferação de armas, do terrorismo, dos espaços não governados, da deslocalização de refugiados, das doenças epidémicas e dos desafios ao equilíbrio ambiental. A securização de novos temas, não tem relevado exclusivamente da instrumentalização de novas ameaças em nome da segurança nacional do tradicional Estado-nação, mas também da globalização dos seus efeitos (emigração ilegal, crime organizado e terrorismo) sobre a estabilidade internacional e sobre a integridade de espaços políticos integrados como o da União Europeia.

Do mesmo modo, actores Estado (ex. Irão e Coreia do Norte) e não-Estado (ex. al-Qaeda) recorreram a invocações securitárias como as da secularidade, da tentativa de hegemonização ocidental, da ameaça que o modelo demoliberal representa aos fundamentos das suas identidades reconstruídas e à integridade da sua fé, da invocação do choque entre o profano e o sagrado ou mesmo da recuperação do móbil neocolonialista como factor de mobilização de vontades negativas.

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Práticas políticas

A argumentação baseada no nacionalismo, na instigação da consciência de pertença étnica ou na força mobilizadora da unidade religiosa tem caracterizado a acção internacional de forças e práticas desestabilizadoras. As agendas internacionais e nacionais de segurança consolidaram-se em torno dos valores da democracia, do liberalismo económico e das liberdades e direitos fundamentais invocados como “critérios de convergência” e indicadores de boas práticas de governação. A valorização destes aspectos decorre, no plano das práticas, de uma alteração dos paradigmas unificadores da nova ordem securitária, sejam eles os da preservação da identidade nacional, da protecção da segurança nacional, da funcionalidade das instâncias de governação, da contenção das ideologias, da legitimidade, da secularidade ou dos fundamentos tradicionais do Estado-nação (soberania, territorialidade, autoridade, segurança e defesa). O reordenamento de novos paradigmas das relações internacionais tem vindo a colocar desafios à funcionalidade dos Estados e das instituições. Na ordem internacional tem prevalecido a convicção de que a estabilidade se restabelece ou mantém pelo efeito dissuasor das capacidades materiais e pela expectativa da vitória pela via da superioridade tecnológica militar. O desfasamento entre a invocação de princípios políticos e dispositivos legais, os meios de restituição da segurança e os riscos e ameaças tem deixado transparecer os limites da resposta a novos desafios. Disto são exemplo o emprego de meios militares e policiais tradicionais para fazer face a situações de guerra assimétrica (Chechénia e Iraque), a incapacidade para conter a violência perpetrada por grupos irregulares (Ruanda 1995, Somália desde 1993, República Democrática do Congo 1997-2000 ou Sudão 2003-2004) com motivações étnicas e religiosas pela via do direito e da força militar, do emprego de meios militares para conter formas de convicção religiosa extremada (Afeganistão sob o regime Taliban) ou mesmo da ineficácia do controlo da proliferação e transnacionalização de manifestações de violência urbana sustentada por comportamentos anti-sociais (Holanda e Bélgica 2004 e França 2005).


Macroameaças entre a norma e a eficácia

Na última década perpetuou-se a coexistência de duas tendências no uso de instrumentos normativos e meios materiais nomeadamente na resolução de crises e conflitos internacionais. Por um lado, o recurso a mecanismos de soft power com base no consenso, no compromisso, na negociação e no multilateralismo. Por outro, o uso de instrumentos de hard power apoiados no emprego do poder militar e no ‘minilateralismo’. Na sequência dos acontecimentos do 11 de Setembro reforçou-se a prática minilateralista através da constituição de coligações de vontades, orientadas por um Estado líder, com o objectivo de conter novas identidades e desafios promotores de insegurança. A contenção destas representações ocorreu de duas formas. Por um lado, pela afirmação normativa do Ocidente projectada como parte da sua herança cívica, humanística e política assente na democracia, nos direitos e liberdades fundamentais e na invocação da reposição da ordem e da liberdade enquanto valores. Por outro, pela mobilização supostamente eficaz de meios internacionais coligados contingentemente e não sob a forma estruturada de uma organização ou aliança de natureza permanente como a NATO, a ONU ou a União Europeia.

O prometido sucesso do multilateralismo tem vindo a ser substituído por vontades conjunturalmente associadas, mas tem também deixado espaço para o encontro de soluções regionais para problemas locais, ao nível das crises e dos conflitos, como sugere a intervenção de actores regionais (ex. Jordânia, Israel e Autoridade Palestiniana nos Acordos de Oslo em 1999) ou como parece antecipar a intervenção da União Africana (ex. missão no Sudão 2006) com a futura constituição de uma força regional e com a sua dotação de meios técnicos, de comando e controlo para resolução de crises no continente africano.

Nos últimos anos assistiu-se a uma projecção das ameaças para os macrodesafios da dependência energética, da proliferação nuclear, dos espaços não governados, das deslocações de refugiados, do genocídio e das catástrofes naturais. Se as ameaças tendem a assumir proporções manifestamente menos previsíveis, desterritorializadas e deslocalizadas em relação aos cenários tradicionais, o mesmo pode ser observado no que respeita aos instigadores da insegurança e aos intervenientes na reposição da ordem. Entre 1996 e 2004, noventa e seis novos grupos armados (ver caixa) conduziram operações que cabem no âmbito da acção terrorista, do paramilitarismo, da insurreição, do separatismo, do crime organizado, do sectarismo e da violência étnica, pondo em causa a eficácia das instituições políticas, a sustentabilidade de novos modelos de governação e o emprego dos meios militares tradicionais na reposição da segurança. (2) Porém, é face aos desafios externos e às limitações internas das organizações, dos Estados e das instituições que os mesmos se adaptam por forma a melhor reagir colectivamente, que os modelos de segurança defendidos pela NATO e pela Política Europeia de Segurança e Defesa se ajustaram a novas realidades e que o encontro de formas sustentadas da estabilidade internacional pode ser alcançado.

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1 - O Tribunal Criminal Internacional para a ex-Jugoslávia, estabelecido pela Resolução 827 do Conselho de Segurança das Nações Unidas de Maio de 1993, foi o primeiro a ser instituído para o julgamento de crimes de guerra desde o final da Segunda Guerra Mundial.
2 - Em anexo estão apenas representados os grupos que surgiram na Europa e Médio Oriente entre 2000 e 2005.


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* Isabel Ferreira Nunes
Licenciada em História pela Faculdade de Letras de Lisboa (1986). Mestre em Estratégia pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1991). Doutora em Ciência Política (variante Relações Internacionais) pela Universidade de Twente, na Holanda (2006). Subdirectora do Instituto da Defesa Nacional. É autora de diversos trabalhos de investigação. Colabora com a Universidade de Twente e Universidade Autónoma de Lisboa.


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