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- JANUS 2007 -



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Macau nas relações entre China e Portugal

Arnaldo Gonçalves *

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A ascensão da China a potência global não é explicável sem se tomar em linha de conta o seu relacionamento com alguns países europeus, Portugal e Grã-Bretanha, que ocuparam (ou tomaram) partes do seu território, no século XVI, para aí instalarem entrepostos comerciais que foram fundamentais às suas rotas comerciais. E nelas se mantiveram, em circunstâncias históricas distintas, até às últimas décadas do século XX, quando a soberania (ou administração) desses territórios (Hong Kong e Macau) foi transferida para a República Popular da China.

Macau é para a China uma janela de oportunidades para a penetração – pela passerelle da língua – num continente que é para si prioritário em termos de recursos energéticos, e para a penetração das suas exportações – a África de língua portuguesa, desde há 10 anos organizada na Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP).

 

A política externa de Portugal face à China e a acção dos governos constitucionais

No quadro imediatamente posterior à assinatura da Declaração Conjunta, Portugal surge aos olhos do governo da China como uma pequena potência com capacidade de influência europeia e com um papel insubstituível no contexto geocultural da lusofonia (1). Esta realidade terá sido favorecida quer pelo desempenho português no período de transição quer pelo facto de se manter, depois de 1999, em Macau, uma comunidade portuguesa significativa, com um papel relevante na administração pública, nalgumas profissões liberais e nalguns sectores empresariais. Ao contrário do que prognosticavam vários responsáveis políticos, entre os quais Jorge Sampaio e António Guterres, não só a simbiose luso-chinesa funcionava (2) como se mantinham abertas as potencialidades de Macau na União Europeia, sob o acompanhamento interessado de Durão Barroso (3).

O desempenho de Portugal no palco internacional confirmava uma apetência por um maior protagonismo, no quadro internacional. Membro activo da NATO, da UEO, da OSCE e da OCDE; membro não-permanente do Conselho de Segurança entre 1997 e 1998; fundador, em 1996, da Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa; membro com a Espanha da OEI, Organização dos Estados Ibero-Americanos, Portugal assumia-se parte inteira no redesenhar dos equilíbrios mundiais, na sequência do fim da Guerra Fria e distanciava-se da memória de antigo colonizador.

O regresso à Europa foi para Portugal, de certa forma, o abandono da vocação marítima imemorial, em troca do acolhimento no regaço europeu de que se sentira enjeitado, em parte significativa da sua história.

As potencialidades de “exploração” do capital político decorrente da acumulação da experiência multicultural de Macau foram marcados, num sentido negativo, por esta nova postura. O distanciamento para com a China foi reflexo desse realinhamento de prioridades, interrompido aqui e ali por majestáticas declarações de intenções. Em 2002, o programa do XV Governo Constitucional, presidido por Durão Barroso referia que “a Região Administrativa Especial de Macau será objecto de particular atenção à luz dos acordos celebrados com a República Popular da China. A relação especial com a RAEM deverá ser potencializada, também no sentido de estimular e aproveitar as oportunidades de que a recente adesão da RPC à OMC é exemplo” (4).

Três anos depois, o Programa do XVII Governo Constitucional, presidido pelo socialista José Sócrates, não continha qualquer referência específica à China e à herança histórica e cultural de Portugal no Oriente. Na secção 4, “Responsabilidades na manutenção da paz e da segurança internacionais” uma referência à Ásia, apenas como contextualização dos interesses do país num dado dossier estratégico: o debate da reforma da ONU (5).

 

As relações económicas Portugal-China

As relações económicas entre a China e Portugal têm sido, portanto, o reflexo de um assumido phasing-out da presença portuguesa na Ásia. As explicações são recorrentes: a distância física dos mercados asiáticos; o custo dos transportes; o desconhecimento da língua e da cultura negocial; a refocagem da nossa política externa na integração europeia e nas relações com os países de língua oficial portuguesa (6); a apetência dos empresários portugueses por uma intervenção dirigista do Estado na promoção das exportações (7).

Na década de 90, o comércio bilateral (I&E) Portugal-China variava entre os 76 (1990), os 173,8 (1995) e os 453,2 milhões (2000). A parte mais significativa era ocupada por importações da China. Estas cresciam, na década, de 50,2 para 382,4 milhões de euros, o que representa 7,5 vezes do valor de 1990. O ano de 2000 findaria com um saldo negativo para Portugal na balança comercial de 329 milhões de euros (8). O comportamento das exportações portuguesas para o mercado chinês seria deficitário com 25 milhões em 1990 e 52 milhões em 2000, como se relata no gráfico “Balança Comercial Portugal-China, 1999-2000”.

Já quanto ao investimento constatavam-se valores modestos de investimento directo estrangeiro líquido, quer da China em Portugal, quer de Portugal na China. Para um total de 2.699 milhões de euros de IDE líquido em Portugal, a China investiu 103 milhares de euros em 1998, valor que cairia, de forma significativa, em 1999 e 2000. No que respeita ao IDE líquido português na China este seria de 220 milhares de euros (1998), passando para 993 milhares de euros, em 2000. O investimento português no exterior cifrara-se, em 2000, em 6.976 milhões de euros o que dá bem a insignificância do peso do investimento na China. Os anos de 2001 a 2005 confirmam, no essencial, a mesma tendência, conforme se retira do gráfico “Balança Comercial Portugal-China, 2001-2005”.

Verifica-se, assim, um crescimento constante das importações da China, com uma pequena queda em 2001 e 2002 e um salto em 2004 e 2005. No que respeita às exportações passa-se de 60,2 milhões em 2001 para 170 milhões em 2005, duas vezes, portanto, o valor de 2001. O saldo da balança comercial continua negativo (para Portugal), crescendo a uma média de 10% ao ano. Em termos globais, pode dizer-se que as trocas comerciais com a China têm vindo a intensificar-se nos últimos anos, mas no cômputo das exportações portuguesas o seu peso é diminuto.

A China ocupava, em 2004 (9), a 16ª posição das entradas totais de mercadorias e a 26.ª das saídas, o que representava no contexto do comércio com os países extra-UE, respectivamente 4,5% e 1,7%. Nas exportações portuguesas para a China, 90% distribuíram-se pelas máquinas, com 38,7%, madeira, cortiça e papel, com 25,1%, minérios e metais, com 15,2% e produtos acabados diversos, com 9,1%.

Com o objectivo de incrementar o investimento português na China o governo português criaria em Março de 1993 uma linha de crédito de USD 200 e abriria delegações do ICEP em Macau (1988) e em Pequim (1994). Apesar da retórica de sucessivos governantes portugueses os resultados têm sido francamente negativos. Segundo alguns observadores (10) o desinteresse dos empresários pela linha de crédito com a China tem sido ostensivo, considerando-a alguns “pouco atractiva” e “muito restritiva”. Mas, no fundo, ela esconde o desinteresse pela China dos exportadores e investidores portugueses.

Da análise destes dados estatísticos retira-se a interrogação se existem condições (futuras) para uma alteração substancial do panorama de desinvestimento de Portugal na China. Existem, fundamentalmente, quanto a isso duas escolas de opinião: a posição das autoridades portuguesas e de algumas agências que preferem evidenciar o que de positivo já se avançou, nos últimos anos (11); a de sinólogos e estudiosos de relações internacionais que não têm deixado de alertar as autoridades para a falta de dimensão crítica da visão portuguesa quanto à China (12).

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Macau nas relações entre a China, Portugal, a Europa e a África de língua portuguesa

Em visita oficial a Lisboa, em Dezembro de 2005, o premier Wen Jiabao anunciava a elevação das relações bilaterais ao nível da “parceria estratégica”. O governo chinês declarava atribuir grande importância ao desenvolvimento de relações com Portugal, devendo as duas partes empenhar-se em aprofundar as relações bilaterais no sentido de um progresso continuado e consistente. Em quarto lugar enunciava-se a plataforma da cooperação económica e comercial entre Portugal e os países de língua portuguesa como forma de dar campo às suas vantagens comparativas respectivas, em áreas como construção de infra-estruturas, extracção de recursos naturais, telecomunicações, formação profissional e saúde pública.

Distinguindo, como o faz, Portugal com a qualidade de “parceiro estratégico” a diplomacia de Pequim intenta retribuir a disponibilidade de Portugal com a sua abstenção no Conselho Europeu, favorecer o levantamento do embargo de armas à China (decretado pela União e mantido por pressão dos países do Norte da Europa), aproveitando o facto do presidente da Comissão Europeia ser português [José Manuel Durão Barroso] e de, na qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva, ter favorecido o incremento de relações bilaterais e a imagem da China em Portugal.

Potenciando a vertente de relações com África, foi criado, em Setembro de 2003, o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial com os Países de Língua Portuguesa de Macau, com um secretariado permanente em Macau. Através dessa iniciativa, a China designou Macau como plataforma preferencial no contacto com os países de expressão portuguesa.

A Segunda Conferência Ministerial do Fórum, realizada entre 25 e 26 de Setembro de 2006, em Macau, veio reforçar a importância desta cooperação anunciando a subida das trocas comerciais entre China e países CPLP para 50 mil milhões de dólares em 2009 (actualmente são 33 mil milhões) (13). As trocas comerciais entre a China e a CPLP cresceram mais de 30% em 2005, com a Angola e o Brasil a ocuparem 93,5% do comércio bilateral. O Brasil foi o principal beneficiado com o incremento de 1,7% nas exportações para a China e de 28,9% nas importações. Angola surge em segundo lugar com exportações no valor de 3581 milhões de dólares, o que corresponde a um acréscimo de 72,2%.

É intuitiva a importância das relações económicas e comerciais da China com África, designadamente com os países de língua oficial portuguesa. As razões decorrem, desde logo, da segurança e dependência energética da China de fontes de petróleo e gás natural, indispensáveis à especialização do modelo económico e industrial. A China é já o segundo maior consumidor de recursos energéticos do mundo, depois dos Estados Unidos, sendo 60% das suas importações de crude provenientes do Médio Oriente.

A aposta sustentada de empresas chinesas na África de língua portuguesa e o apoio a iniciativas internacionais que países africanos organizam (14) abre um nicho de negócio extremamente apetecível, porque a China pratica preços extremamente concorrenciais e tem uma aproximação extremamente soft às singularidades do poder político africano. Abre-se com ele a possibilidade de parcerias com empresas que decidem prospectar aquele mercado, mas não dispõem de conhecimentos locais e referências.

Nesta estratégia de envolvimento Portugal surge, por vontade própria, mais como um espectador do que um protagonista.

O legado histórico da presença portuguesa descansa sob a lápide de uma comiserante auto-suficiência.

 

Conclusão

Com a saída de Macau e depois, de Timor-Leste, Portugal recuou para as suas fronteiras europeias e dedicou-se de alma e coração à integração no espaço europeu. Bom aluno do processo europeu, Portugal passou a projectar o seu “espaço estratégico” adentro das fronteiras europeias. Isso influiu nas relações comerciais e no nosso investimento externo. Os anos que se seguem a 1999 assistem a um claro phasing out do investimento português na Ásia e em Macau. Portugal não capitalizou na explosão consumista da economia chinesa, nem na transformação da antiga capital do Império do Meio numa das mais cosmopolitas cidades da Ásia. Manteve uma relação sentimental, saudosa, mas economicamente pouco proficiente. Do lado da China a mesma coisa. Portugal não terá dimensão crítica para as empresas chinesas.

Ao criar, em Setembro de 2003, o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial com os Países de Língua Portuguesa de Macau, e ao sedeá-lo em Macau, a China deu um sinal claro de que quer projectar a imagem de uma nação aberta ao mundo, cosmopolita, mercantil, tolerante e apoiante dos países em vias de desenvolvimento. Nação disponível para investir e ajudar esses países, livre da arrogância de grande potência. Trata-se de uma estratégia de grande alcance que pode conduzir à constituição de círculos de influência da China em África.

Este deslocamento para África – triangulado por Macau – pode revelar-se, se for aproveitado em todas as potencialidades, de enorme interesse para os empresários que queiram aproveitar, associando-se em parcerias com empresas chinesas, num momento especial das relações da China, com alguns dos seus antigos parceiros do Movimento dos Não-Alinhados. Uma relação que segundo vários analistas está para ficar.

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1 - Neste sentido Joaquim Negreiros, ibidem e José Manuel Duarte de Jesus — “Para uma política Portugal-China: avaliação e estratégia”. Intervenção produzida no Colóquio “25 anos de relações políticas e diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China”, 6 de Dezembro de 2004, n/publicado.
Ainda Heitor Romana — “A estratégia de Portugal para Macau”. Anuário Janus: 1999. Disponível em http://www.janusonline.pt/1999_2000\1999_2000_3_1_13.html

2 - Houve uma estratégia concertada dos responsáveis políticos portugueses para reduzir ao mínimo o número de quadros portugueses a ficarem em Macau depois de 1999, por receio de retaliações da China.

3 - A 17 de Junho de 1992 a União Europeia e Macau assinariam no Luxemburgo um acordo de cooperação comercial, económica e tecnológica concedendo ao território o tratamento de nação mais favorecida. O acordo manter-se-ia em vigor depois da transferência de soberania.
Ver http://ec.europa.eu/comm/external_relations/macau/intro/index.htm.

4 - Disponível em: http://www.parlamento.pt/actividade_parlamentar/programa_gov/progr_xv_gov/programaxv.html

5 - Cf. Programa do XVII Governo Constitucional.
Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/Governos/Governos_Constitucionais/GC17

6 - Neste sentido, Miguel Santos Neves — “Towards a common China Policy for the EU; a Portuguese perspective”. In Richard Grant (edit.) — The European Union and China. A European strategy for the Twenty-First Century . London: Royal Institute of International Affairs,Chatam House, 1995, p. 76.

7 - Ver Teresa Moreira — “Um olhar sobre as relações económicas entre Portugal e Macau desde 1999 e perspectivas futuras”. XXIII Conferência Internacional de Lisboa, Portugal na Europa e no Mundo. Disponível em http://www.ieei.pt/index.php?article=2175&visual=5

8 - Dados fornecidos pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério de Economia e da Inovação a partir de dados de base do Instituto Nacional de Estatística.

9 - Últimos dados consultados em detalhe.

10 - Moisés Fernandes — “Após Macau: perspectiva sobre as relações luso-chinesas depois de 1999”. Comunicação apresentada ao IV Congresso Português de Sociologia.

11 - Ver posição do ICEP em http://www.icep.pt/portugal/comercio.asp

12 - Ver Bernardo Futscher Pereira — “Relações entre Portugal e a República Popular da China”. Revista Relações Internacionais , Junho de 2006, pp 65-73.

13 - O ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Mário Lino, anunciaria na conferência ser objectivo de Portugal duplicar as exportações para a China e duplicar o investimento chinês em Portugal. Puro wishful thinking .
Ver: http://tsf.sapo.pt/online/interior.asp?id_artigo=TSF173801&seccao=economia

14 - A última cimeira da CPLP teve lugar em Bissau a 17 de Julho de 2006. A China ofereceu ao governo guineense um apoio de 800 mil dólares para a organização do encontro. Cf. http://africa.expresso.clix.pt/guinebissau/artigo.asp?id=24760617

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* Arnaldo Gonçalves

Licenciado em Direito na Universidade de Lisboa. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Doutorando em Ciência Política na Universidade Católica Portuguesa. Professor Convidado de Ciência Política e Relações Internacionais, Instituto Politécnico de Macau. Consultor Jurídico do Conselho de Administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais de Macau.

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Dados adicionais
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