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- JANUS 2007 -



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Leis para a imigração: convergência europeia em esboço

João Maria Mendes *

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Num momento em que os imigrados residentes em países da União Europeia são cerca de 10 milhões, os esforços para a convergência de políticas de países membros da UE em matéria de migrações, imigração e integração de imigrantes, notórios em finais de 2006 (como se tornou claro na 11.ª Conferência Internacional Metropolis, em Outubro deste ano, em Lisboa) resultam de outra grande convergência, a de três factores distintos que, cada um a seu modo, os condicionam:

• O primeiro factor é o reconhecimento, diversamente partilhado pelas opiniões públicas europeias mas assumido pelos poderes públicos europeus, de que as tendências demográficas dos respectivos países apontam para um envelhecimento acelerado da população, exigindo como contrapartida uma larga e inevitável abertura a novas gerações de imigrantes que reconstituam parcialmente, ao longo das próximas décadas, a força de trabalho na UE.

• O segundo, que parece responder ao primeiro, é a nova pressão migrante Leste > Oeste e Sul > Norte sobre a Europa. A nova pressão Leste > Oeste resulta da queda do muro de Berlim em 1989, da dissolução da URSS em 1991 e das concomitantes crises sociais (e políticas) das ex-repúblicas socialistas do Leste da “Mittel-Europa”, dos Balcãs e da região cárpato--danubiana, e exerce-se em primeiro lugar via Alemanha e Itália, atingindo depois selectivamente outros países europeus, incluindo Portugal; a este cenário de base vieram acrescentar-
-se a crise ou a instabilidade na antiga Jugoslávia, Afeganistão, Irão, Iraque, Somália e Sri Lanka... Quanto à nova pressão Sul > Norte, que se traduz na tentativa de entrada na “fortaleza europeia” de um cada vez maior número de migrantes africanos via Espanha e Itália, era previsível desde os anos 80 e desenvolve-se, até, algo tardiamente.

Esta nova pressão migratória adquire hoje, como foi insistentemente salientado na Conferência de Lisboa, o perfil de migração cidade > cidade, mais do que campo > cidade: são populações urbanizadas que tendem maioritariamente a procurar alternativa de vida nas maiores metrópoles dos países que os acolhem. Lisboa (área metropolitana) conta 4,7 estrangeiros contra 2,2 de média nacional; Paris 14,5 contra 5,6 de média nacional; Amesterdão 48 contra 17; Frankfurt 27,8 contra 8,9.

• O terceiro factor resulta da nova percepção da imigração, ou de parte dela, como ameaça, devido a avaliações erráticas da autoria dos atentados de extremistas islâmicos em Madrid, a 11 de Março de 2004, que fizeram 190 mortos e 1900 feridos, e em Londres, a 7 de Julho de 2005, que fizeram 56 mortos e 700 feridos. Estes atentados despertaram os poderes europeus para a extensão à Europa do “novo terrorismo” inaugurado pelos atentados de 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque e Washington, que fizeram, entre passageiros dos quatro aviões desviados, vítimas nas torres gémeas do World Trade Center e no Pentágono, 3.234 mortos e um número ainda hoje incerto de feridos.

O facto de se ter percebido muito depressa que os autores dos atentados de Londres foram jovens residentes de origem familiar islâmica, membros de comunidades de imigrantes de segunda e terceira geração, onde predominam naturalizados britânicos ou indivíduos nascidos cidadãos britânicos, alertou a Europa para o “desenraizamento estrutural” desse tipo de jovens, resultante da exclusão social, económica ou cultural, de algum modo comparável ao que se passa com as populações jovens de origem magrebina, africana e dispersa dos “ghettos” suburbanos franceses, que ciclicamente tendem a desenvolver picos de violência urbana.

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A “terra dos homens” em questão?

Como salienta, com ironia desafiadora, Jocelyne Cesari, investigadora senior de Ciências Políticas no CNRS (Paris) e na Sorbonne, o “efeito bin Laden” gerou, em numerosos países europeus, um interesse positivo e acrescido, na opinião pública, pela civilização islâmica, traduzido na publicação de livros de especialidade, na consulta exponencial de sites Internet e na atenção a discursos públicos e mediáticos relativos ao islão, do mesmo modo que, nos EUA, o 11 de Setembro tinha recentrado as atenções na minoria muçulmana do país (cf. When Islam and Democracy Meet: Muslims in Europe and in the United States . Nova Iorque: Palgrave, 2004).

Mas esse efeito foi largamente ultrapassado por uma nova atitude de suspeição das populações europeias, que tenderam a redefinir as suas minorias islâmicas como “inimigo interno”, espécie de “quinta coluna” na Segunda Guerra Mundial, e, por associação, a agravar a imagem global que faziam da imigração, de novo percepcionada como um “ melting pot ” imprevisível, de onde podem surgir, permanentemente, novas ameaças. Diz a mesma autora: “Em certos países europeus, como a Alemanha, Holanda, Portugal e a Suécia, a suspeição (...) agravou-se, (...) e a atitude dos media contribuiu para reforçar os preconceitos (...) em países como a Grécia, Irlanda, Itália e Holanda”.

Ao mesmo tempo, o “efeito bin Laden” envenenou de forma abrupta as práticas securitárias do poder em matéria de imigração: o Patriot Act adoptado por George W. Bush a 26 de Outubro de 2001, que deu às autoridades policiais estadunidenses extensos poderes no controlo de residentes não naturalizados, foi imediatamente seguido por uma primeira lei anti terrorista em Inglaterra em Dezembro de 2001, e por duas do mesmo tipo na Alemanha, a 8 e 20 de Dezembro de 2001. Em França, uma lei sobre “a segurança quotidiana” foi promulgada a 15 de Novembro do mesmo ano, apertando fortemente os mecanismos de controlo policial sobre os “ ghettos ” suburbanos.

A convergência destes diversos factores – o demográfico, o migratório (ambos estruturais e irreversíveis) e a subversão da avaliação dos dois primeiros pelo “efeito Bin Laden” – está a alterar sensivelmente a ideia que parte da Europa (França, Grã-Bretanha, Suécia, Holanda) fez de si própria desde o pós-Segunda Guerra Mundial até aos anos 70: a de que, apesar das diferenças nacionais, era um “ safe haven ”, uma “terra de asilo” ou uma “terra dos homens”, para evocar a expressão feliz de Antoine de Saint-Éxupéry.

Vale a pena notar que o primeiro abalo desta imagem foi protagonizado pela “zero immigration policy” que respondeu ao choque petrolífero de 1973. Mas, se a imigração estritamente económica foi sendo irregularmente refreada desde então, a imigração “política” substituiu-a: os pedidos de asilo no Reino Unido, por exemplo, passaram de 6.000 em 1985 para quase 100.000 quinze anos depois.

 

Caixa de Pandora

O estabelecimento de políticas claras de imigração e de integração de imigrantes é tradicionalmente um domínio polémico, que suscita paixões que os poderes públicos preferem manter adormecidas, para não exacerbar a latência racista e xenófoba e os confrontos étnicos, religiosos e de interesses entre nativos e imigrados ou apenas entre imigrados de distintas proveniências. Como se dizia no relatório “ Immigration Policy and the Welfare System ” (ed. Tito Boeri, Gordon Hanson, Barry McCormick et. al . Nova Iorque: Oxford University Press, 2002):

“O estabelecimento de políticas de imigração levanta um complexo conjunto de questões interligadas. A imigração pode ter implicações substanciais no bem-estar económico dos países de origem como dos países de acolhimento (...). Mas os mais importantes efeitos da imigração são distributivos: os interesses dos cidadãos nativos podem conflituar com os dos imigrantes; além disso, interesses podem conflituar entre cidadãos imigrados (...). Os problemas da conflitualidade económica são agravados pelas políticas da cidadania, da identidade nacional, e pelas relações internacionais. Escolher políticas da imigração exige aos países que respondam a questões difíceis sobre a definição dos protocolos que permitem aceder a uma comunidade política. E responder a estas questões acorda conflitos raciais e étnicos porque os imigrantes vêm, por definição, de diferentes comunidades”.

Finalmente, e dado que a decisão de emigrar nasce predominantemente, no Leste e no Sul, da instabilidade ou volatilidade da situação económica nacional, por vezes associada à instabilidade, volatilidade ou corrupção política, as políticas de imigração dos países recebedores são, também, uma forma de tomar posição face a essas instabilidades, volatilidades e corrupções, ou face a determinado regime político.

Porque estão cientes de que uma política de imigração é uma caixa de Pandora, os poderes públicos têm optado, de país para país e ao longo do tempo, por perfis circunstanciais muito variáveis para tais políticas. Se, em 2006, se tornou notória a tendência para o endurecimento das políticas de imigração e integração em países como a Holanda, a Suíça, a Bélgica e a Suécia, o facto deve-se, por um lado, à contaminação destas políticas pelo élan legislativo anti terrorista, e, por outro, à tentativa circunstancial de refrear o crescimento eleitoral das extremas-direitas nacionais, geneticamente anti-imigração, que leva os partidos de poder a antecipar ou a fazer seus, antes de idas às urnas, partes dos programas dessas oposições, geralmente populistas e críticas do próprio regime democrático-
-representativo.

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Informação Complementar

A condição europeia e multicultural

A condição europeia é geneticamente multicultural e resulta da própria história da Europa, inscrevendo-se na sua definição como o rosto contemporâneo de um vasto palimpsesto – mostram-no os clássicos exemplos, nunca isentos de conflitualidade, do face a face entre flamengos e wallons na Bélgica, entre as regiões espanholas com historial de reivindicação autonomista (nos casos basco e catalão suportados por língua própria), entre o Norte rico e industrialista e o Sul pobre e “africano” da Itália, etc..

A própria entrada de Portugal e Espanha para o clube europeu (para já não falarmos do posterior alargamento a Leste) exprimem a positividade desse face a face. O futuro de uma Europa politicamente mais integrada dependerá em primeiro lugar do respeito por essa multiculturalidade que é transportada no seu genoma, e pode dizer-se com segurança que haverá tanto menos Europa quanto os assaltos circunstanciais à sua multiculturalidade forem bem sucedidos, sobretudo ao nível de cada um dos Estados-Nações que dela fazem parte. A alternativa à Europa integrada que respeita a sua própria multiculturalidade é um vasto “mercado comum” estritamente económico, como por vezes a Grã-
-Bretanha desejou.

O acentuar dessa condição multicultural devido ao crescimento das minorias imigradas, residentes ou circulantes na Europa, apenas reforça o perfil histórico de uma vasta região que se abriu progressivamente à convivência com outros, ultrapassando, apenas no século XX, duas guerras que, em grande parte, a destruíram.

A difícil convergência europeia em direcção a políticas de imigração / integração articuladas e solidárias não é, necessariamente, um lance viciado. Pelo contrário, ele é justificado pela magnitude da realidade migratória no mundo de hoje, que se agudizará nos próximos anos. Ela vai processar-se diante de um pano de fundo por um lado subvertido pelas urgências securitárias anti terroristas, por outro marcado por duas tradições distintas do acolhimento de comunidades estrangeiras: a britânica, “comunitarista”, que tendeu a instalar tolerantemente identidades étnicas em territórios onde a autoridade do Estado como que se amaciava (e que tem equivalentes estadunidenses nas “Chinatowns” e nas “Little Italies”), e a francesa, onde o Estado republicano e laico exigia aos imigrados o respeito pelas normas nacionais, numa espécie de abdicação voluntária pela sua própria identidade de origem (como a recente querela do chador expressivamente exemplificou”.

Sejam quais forem os contornos da convergência jurídica que poderá produzir “leis da imigração” mais europeias e menos nacionais, parte do futuro da Europa dependerá da sua capacidade para manter a sua multiculturalidade genética apoiada nas necessárias políticas que a sustentam – e que são os diferentes multiculturalismos que, ao longo da sua história contemporânea, foi capaz de instalar.

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Viragem britânica para 2007: quotas para búlgaros

A adopção, em Outubro de 2006, pelo Governo britânico, de restrições à entrada de imigrantes romenos e búlgaros, que possam vir a procurar trabalho na Grã-
-Bretanha após a adesão dos dois países à UE, em Janeiro de 2007, foi bem recebida pela parte da opinião pública britânica que considera insustentável a abertura sem limites à mão de obra de Leste, e suscitou, naturalmente, protestos por parte das autoridades da Roménia e Bulgária, bem como críticas internas.

Oficialmente, a revisão da política de “porta aberta” à imigração de Leste deve-se à inicial subestimação, por parte das autoridades britânicas, do número de imigrantes que procurariam trabalho no país, na sequência do alargamento da UE a dez novos países centro e leste europeus, em Maio de 2004. Os previstos 15.000 imigrantes (dos oito primeiros desses dez países) previstos transformaram-se rapidamente em centenas de milhar, maioritariamente oriundos da Polónia.

As restrições britânicas atingirão em primeiro lugar a força de trabalho fracamente qualificada, sobretudo apta a trabalhar no processamento de produtos alimentares e na agricultura, sendo aberta uma quota inferior a 20.000 postos anuais (19.750) nestes dois sectores. Mas a nova política restritiva será implementada por uma nova instituição, o “Migration Advisory Council” (Conselho Consultivo para a Imigração), que avaliará simultaneamente o estado do mercado de trabalho britânico e a evolução das políticas sobre trabalhadores migrantes nos restantes países membros da UE.

Ao mesmo tempo, não foram propostas quaisquer restrições ou quotas a búlgaros e romenos que pretendam estabelecer-se na Grã-Bretanha como trabalhadores por conta própria, numa antevisão de concorrência com o exército de actuais “canalizadores” polacos. As primeiras estimativas oficiais revelaram que um terço do total de imigrantes chegados à Grã-Bretanha, na sequência da “abertura da UE a Leste”, são trabalhadores por conta própria.

Os últimos números conhecidos antes do fecho desta edição do JANUS mostram que 427.000 pessoas chegaram à Grã-Bretanha oriundas da Polónia e de sete outros Estados do Leste europeu, mas esse número pode ascender a 600.000, incluindo os empregados por conta própria, ou trabalhadores independentes.

Migrantes búlgaros ou romenos invulgarmente qualificados, como engenheiros e médicos, serão igualmente admitidos ao abrigo de um programa de quotas, mas as autoridades britânicas prevêem que o seu número dificilmente excederá os 100 por ano. Estudantes búlgaros e romenos em instituições reconhecidas pelo Estado poderão trabalhar a tempo parcial – nesta situação encontravam-se, em 2006, pouco mais de 1.200 indivíduos.

Um sistema de multas pesadas (1.000£ para pessoas individuais, 5.000£ para empresas e pessoas colectivas) tentará impedir a contratação ilegal, à luz da nova política, de estrangeiros.

Críticas internas

Mas, no seio do Partido Trabalhista e não só, os críticos das medidas anunciadas em Outubro sustentam que tais medidas apenas fomentarão o trabalho clandestino dos imigrantes globalmente considerados, fazendo crescer a importância da “economia paralela”. Um ex-ministro para a Europa, Keith Vaz, disse que estas medidas são “inaplicáveis, indesejáveis e desnecessárias”, além de atingirem a reputação da Grã-Bretanha como motor do alargamento. Os liberais-democratas (via Nick Glegg) afirmaram que estas medidas “vão desviar parte dos atingidos para a Europa do Sul”. Só os conservadores deram o seu acordo genérico (através de David Davis) ao anúncio das restrições, embora acrescentando que são insuficientes e não respondem à totalidade das questões hoje levantadas à Grã-Bretanha pela imigração e a livre circulação de pessoas na UE.

Claramente, o Governo trabalhista decidiu anunciar as medidas restritivas depois de conhecidos os resultados de uma sondagem de opinião credível (do Harris Institute para o Financial Times ), segundo a qual 75% dos britânicos passaram a ser favoráveis à criação de um plafond anual para novos imigrantes – uma alteração considerada significativa pela organização Migration Watch (Observatório das migrações), como reconheceu o seu presidente, Andrew Green.

O Reino Unido, a Irlanda e a Suécia foram os únicos países da UE a garantir o livre direito ao trabalho, sem restrições, a imigrantes oriundos da Europa de Leste depois do alargamento de 2004. Em geral, os Estados membros da UE, embora respeitando formalmente o direito dos cidadãos oriundos dos novos países membros, geraram “moratórias” e “regimes de transição” de sete anos para conseguirem gerir, sem crises, o impacto nas respectivas economias das vagas migratórias, provocadas pelos alargamentos políticos. Os poderes políticos nacionais são igualmente sensíveis ao impacto migratório, sobretudo em época de desemprego acentuado ou crescente.

O ano de 2007 abre, assim, diante de uma viragem política britânica significativa, que poderá vir a influenciar, quer as políticas nacionais dos Estados membros da UE, quer a tentativa de convergência europeia em matéria de enquadramento das migrações.

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* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola Superior de Cinema e Teatro e na Universidade Autónoma de Lisboa. Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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