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- JANUS 2007 -



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Portugal: os "sem direito" ganham casa por dois anos

Clara Viana *

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O exemplo português dos “sem direito” a realojamento mostra como as políticas relativas à imigração e à integração dos imigrados são por vezes tiradas estritamente semânticas, ou números de ilusionismo.

Enquanto nos bairros de barracas da Área Metropolitana de Lisboa, e em consequência da sua longuíssima agonia, o espaço vital está a ser disputado entre últimos residentes e máquinas de demolição, o governo de José Sócrates decidiu baralhar as cartas e dar de novo: para o executivo socialista, o problema deixou de ser providenciar uma casa a quem não a tem, mas sim o que farão do seu futuro as populações realojadas. A palavra-chave é “autonomização”. Ao que tudo indica, os primeiros a experimentar a “fórmula” serão os chamados “sem direito”: afinal vão ter um tecto para substituir as barracas onde residem, mas em prol da dita “autonomização” o seu realojamento será feito a título provisório. Têm dois anos para mostrar o que valem – ganham um realojamento temporário para, durante esse período, reconstruírem as suas vidas.

Não se sabe ao certo quantos são os “sem direito”, embora seja consensual que o seu número ascende a largos milhares. “Sem direito” é como são conhecidos os que chegaram às barracas depois de 1993, o ano em que se concluiu o recenseamento no Programa Especial de Realojamento (PER). Como a inscrição no PER tem sido a condição sine qua non para garantir o realojamento e não existe outra operação em curso para além dele, os que chegaram depois – a imigração entretanto não parou – viram-se na situação de não poder estar nem em lista de espera para serem realojados nem de permanecer nas barracas que lhes têm servido de abrigo e que estão a ser deitadas abaixo.

Entre os “sem direito” há quem circule de concelho em concelho à procura de ser realojado – são os profissionais do expediente. As autarquias apontam-nos para justificar a sua acção expedita no terreno: deitar abaixo uma barraca é impedir que esta seja de novo reocupada, tornando o realojamento um processo infindável. Mas como os técnicos no terreno admitem, não são os “oportunistas” que estão em maioria entre os “sem direito”, um contingente onde se multiplicam os “casos sociais”. Por exemplo, são muitas as mulheres sós com filhos a cargo.

No geral é gente sem quaisquer meios. Mas foram eles que começaram a ser despejados pelo poder local, que se declarou sem meios financeiros para acolher mais este contingente suplementar, pelo menos enquanto não der por concluído o PER, o que em alguns casos só deverá acontecer em 2009.

 

As intenções do PER

Lançado em 1993 por um dos governos de Cavaco Silva, o Programa Especial de Realojamento assumiu como objectivo acabar com os bairros de barracas das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto através da demolição destes e sua substituição por mais de 48 mil novos fogos (com construção subsidiada a 80 por cento pela administração central, correndo o remanescente por conta das autarquias). Segundo o recenseamento então efectuado nos bairros degradados das áreas de Lisboa e Porto, das barracas para casas novas deveriam passar cerca de 163.000 pessoas, representando um total de 48.416 famílias.

Cinco anos foi então o prazo avançado para a conclusão desta mega operação. Já lá vão 13 e a execução do PER ainda anda pelos 65 por cento, o que significa que falta realojar cerca de 15.000 famílias, das quais 12.000 residem na área de Lisboa. É também em torno da capital que se encontra o maior número de “sem direito”, facto que se deve em grande parte à composição dos núcleos degradados: a Norte, são maioritárias as famílias de origem portuguesa; a Sul, as que vieram de África.

Por ocasião do Natal de 2005, com pessoas a viverem ali parede meias com montanhas de escombros e outras a serem postas fora dos abrigos miseráveis que as acolhiam, sem que frequentes vezes lhes tivesse sido providenciada um tecto alternativo, a Comissão de Justiça e Paz da Confederação dos Institutos Religiosos de Portugal endereçou um documento ao primeiro-ministro José Sócrates onde se questionava o seguinte: “Para os casos em que não há alternativa à barraca é legítima a demolição?”.

Há não só um problema ético, como legal com o que estava e continuou a acontecer nos concelhos de Amadora, Loures, Cascais, Setúbal, entre outros. Alguns autarcas admitiram-no: ao pôr pesssoas na rua, destruindo o tecto que tinham e sem lhes dar outro alternativa, as câmaras estão a atentar contra a Constituição portuguesa, que consagra o direito à habitação.

Esta situação não inibiu o tradicional jogo de empurra entre governo e poder local. As câmaras, a cujas mãos se arrasta o PER, declararam-se na sua maioria exauridas por este esforço pioneiro e socorreram-se também do estrito quadro legal que enquadrou a iniciativa. O mesmo que não lhes permitirá acudir aos que chegaram depois de 1993 ou que vincula os realojamentos à necessidade de construção nova para o efeito. Esta última disposição foi alterada em 2003, de modo a permitir que as autarquias também se servissem do PER como instrumento de reabilitação urbana, autorizando-as a deitar mão a fogos devolutos para fins de realojamentos. Sem resultados.

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Surge o Prohabita

Por seu lado, o governo começou por insistir que estas tinham ao seu alcance, para completar o PER e deitar mão aos “sem direito”, um novo programa lançado em 2004. Trata-se do Prohabita, que tem como objectivo a resolução das situações de grave carência habitacional (e não só o problema das barracas) e que é financiado, também em grande parte, pela administração central. Vários meses e raríssimas candidaturas depois, o executivo de José Sócrates deu por resolvida a questão, prometendo o que durante anos foi sendo apresentado como inviável. Apesar das demolições, que irão prosseguir, será garantido um tecto alternativo mesmo àqueles que não se encontrem inscritos no Programa Especial de Realojamento.

Foi isso que anunciou, em Setembro de 2006, o ministro do Ambiente, Nunes da Silva, de quem neste executivo depende a pasta da habitação: através de uma nova lei, a ser aprovada em breve, “a situação das famílias não recenseadas (no PER) será contemplada por via de um direito a realojamento temporário, durante dois anos, em regime de reserva apoiada, e sujeito a um acompanhamento pela Segurança Social, visando a autonomização no fim desse período”. Desconhece-se ainda onde serão colocados os “sem direito”, nem como será alcançada a sua desejada “autonomização”.

O anúncio ministerial pareceu a numerosos conhecedores do dossier um número de ilusionismo. Como não é disso que se trata, resta saber – o que mudou então? Terá bastado, como era há muito desejo das autarquias, a transferência de responsabilidades do poder local para a administração central? Tratar-se-á de um mero problema de “vontade política”? Ou estará a nova lei condenada a não produzir efeitos no terreno? Será um simples paliativo, que adia sem resolver?

 

“Acção Solidariedade Imigrante”

O drama em desenvolvimento na cintura de Lisboa só saltou para os media há pouco mais de um ano, quando os jovens da Associação Solidariedade Imigrante, na sequência de uma nova série de demolições, levaram para aqueles territórios métodos de contestação aprendidos junto de movimentos alternativos europeus.

Terá sido devido a essa visibilidade recém--adquirida que, ao fim de tantos e penosos anos, os “sem-direito” poderão sair do limbo a que foram remetidos? O seu destino já não é “da barraca para a rua”, mas de um modo paradoxal em relação a que se aponta como objectivo maior, a referida “autonomização”. O que este volte-face veio, uma vez mais, mostrar, é como o seu destino se encontra, no essencial, dependente da decisão (ou vontade) de outros.

A moratória que irá agora transformar os “sem direito” em futuros realojados a prazo faz parte de uma iniciativa mais vasta, por via da qual se pretende alterar as regras em vigor no que à habitação social diz respeito, segundo indicou, em Julho de 2006, o secretário de Estado do Ordenamento do Território, João Ferrão. Apelidado de “Porta 65”, numa referência ao artigo da Constituição que consagra o direito à habitação, o novo pacote pretende sobretudo alcançar dois objectivos: facilitar o acesso das populações residentes em barracas ao mercado de aluguer, assumindo-se o Estado como intermediário / fiador entre estas e os proprietários; e sobretudo transformar a habitação social num local de passagem – enquanto subsistem dificuldades – em vez de uma morada vitalícia, como tem sido a regra.

Como casa nova não significa necessariamente mudar uma história de vida, é óbvio que esta batalha extravasa em muito o estrito âmbito de propiciar um tecto a quem não o tem. E a base de partida não é propícia a optimismos. Em 1993, segundo revelou o recenseamento para o PER, 43,9 por cento da população activa residente nos bairros de barracas auferia rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional. Até hoje, o tipo de empregos dominante não se alterou com o realojamento, embora o desemprego tenha vindo a aumentar.

Há ainda outro espelho: mesmo com o afã construtivo potenciado pelo PER, o parque de habitação social em Portugal representa apenas três por cento do edificado, quando a média europeia se situa nos 20 por cento. O que é que isto significa? “Que só os mais desgraçados é que lá estão”, concluiu em tempos a ex-secretária de Estado socialista da Habitação, Leonor Coutinho.

 

Paradoxos

Existem sinais que apontam para alguma tendência positiva, como, por exemplo, o registo de maiores êxitos escolares entre as crianças e jovens realojados. Mas é também possível confirmar factores de risco no que foi sendo feito. Por exemplo, criaram-se guetos de habitação social, que vivem agora entregues a si próprios. Nada que não tivesse sido alvo de alerta quando do lançamento da operação, que em muitos casos repetiu em território português o que já fora experimentado em fracasso noutros países europeus.

O longuíssimo curso do PER ditou também o seu corte com a realidade. Nas famílias que continuam à espera, ocorreram divórcios, novos casamentos, houve crianças que cresceram e que se tornaram, por sua vez, chefes de família, enquanto à sombra do PER iam prosperando obscuros negócios imobiliários. É uma das consequências de se ter vinculado, por lei, os realojamentos a nova construção. Uma situação paradoxal, tendo em conta a realidade do parque edificado em Portugal. Foi o que, em 2003, também concluiu o governo do social-
-democrata Santana Lopes, que então se pronunciou pela “evidente dissociação” entre o PER e a realidade retratada pelo censo de 2001: a nível nacional, existiam 544 mil fogos devolutos, para além de subsistirem ainda cerca de 27 mil “alojamentos não convencionais”, que é o nome oficial dado às barracas e afins. Como sublinhou também a Comissão de Justiça e Paz no documento enviado ao primeiro-ministro, em Portugal continuam a existir casas a mais sem gente e gente a mais sem casa.

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* Clara Viana

Jornalista do PÚBLICO.

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