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- JANUS 2008 -



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Tratados de Roma: duas vias para a integração da Europa

Fernando Martins *

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No fim de tarde de 25 de Março de 1957, os Tratados de Roma foram assinados por representantes da França, da República Federal Alemã (RFA), da Itália e do Benelux (um bloco de três países fundado em 1944 e constituído pela Bélgica, Holanda e Luxemburgo). (1)

Aqueles documentos criaram a Comunidade Europeia de Energia Atómica (Euratom) e a Comunidade Económica Europeia (CEE). (2)

A Euratom era uma organização de cooperação no campo da investigação nuclear que tinha em vista a utilização pacífica da energia atómica. Nas palavras dos seus mentores, procurava, através do estímulo à produção de energia nuclear, fazer face à evidente e preocupante dependência energética da Europa ocidental, nomeadamente do consumo de combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo. Por outro lado, a Euratom, tal como a Comunidade Económica do Carvão e do Aço (CECA), (3) pretendia ser um instrumento de integração política do espaço europeu, mas o seu modelo era distinto do que deu origem à CEE. Assentava numa concepção mais estreita, definida por Jean Monnet, segundo a qual a integração europeia deveria ser feita e imposta do topo para a base, a partir da legitimidade política transferida pelos governos para uma “autoridade central” como a que geria a CECA desde Julho de 1952. (4)

A CEE, por seu lado, tal como era definida no tratado, estabelecia os pressupostos para a existência, no prazo de doze anos, de um “mercado comum” entre os países signatários e definia os termos da coordenação de políticas económicas entre os Estados membros. Previa a formação de uma união aduaneira que garantisse a livre circulação de mercadorias dentro da zona económica composta pelos signatários e a criação de uma pauta externa comum. Além de se proporem definir uma política agrícola comum (PAC) e de se comprometerem a levar a cabo uma harmonização das suas políticas sociais, (5) os governos signatários criaram, por sugestão francesa, estruturas de decisão política que permitiram integrar na CEE os territórios coloniais belgas e franceses. (6) Por fim, os “Seis” comprometeram-se a que, sobre a unidade económica, se viesse a criar uma união política. (7)

Mas o mais relevante no tratado que criava a CEE era o facto de poder ser comparado a um documento constitucional, nomeadamente ao criar, tal como o tratado que fundou a CECA, instituições de decisão política com poder para promulgar legislação política e, ainda, um Tribunal Europeu de Justiça com legitimidade para interpretar e impor aos Estados membros legislação produzida pelos órgãos da CEE, proclamando a precedência daquela sobre a ordem jurídica e legislativa existente em cada um dos Estados membros. Portanto, e logo desde o início, os tratados de Roma, como o tratado de Paris, limitaram a soberania dos países membros, divergindo desse modo dos tratados internacionais convencionais, pelo que se assemelhavam a documentos constitucionais. (8)

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As origens

Uma das perguntas que pode ser feita a propósito da celebração dos tratados de Roma é a de saber se devem ser vistos enquanto solução para um conjunto de problemas de curto prazo, decorrentes do impacte político provocado pela Segunda Guerra Mundial e pelo agravamento do clima de guerra fria na Europa e à escala mundial, ou se, pelo contrário, se tratara de uma resposta para problemas de médio-longo prazo que se poderão fazer remontar às consequências da Grande Guerra e aos problemas vividos na Europa nas décadas de 1920 e 1930, ou até se não se tratariam de uma tentativa de solução da eterna questão da fragmentação política europeia que remontaria à dissolução do Império Romano do Ocidente no século V.

Como é óbvio, dificilmente se pode descartar uma interpretação sobre as origens da CEE que remeta tanto para causas circunstanciais como para outras mais profundas. Se se evocar o testemunho Jean Monnet, um dos “pais” fundadores das políticas de integração europeia, lá estão, ao tratar das origens do projecto de integração europeia, as causas de curto e médio prazo. Antes da criação da CECA, Monnet reconhecia que o Plano Marshall e a constituição da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE) em 1948 (9) não tinham sido suficientes para vencer os impasses da política europeia. Parecia-lhe evidente que a Europa e a França se encontravam numa encruzilhada perigosa e delicada. O ambiente geral era o de uma “guerra julgada inevitável […]”, fruto de uma “coexistência […] precária” entre os dois “blocos”, e em que tudo era agravado pelo facto de o “diálogo Leste-Oeste” não conhecer “outra regra a não ser a força […].”

Mas apesar da guerra fria, Monnet não ignorava que havia um problema estrutural europeu e que esse problema se chamava Alemanha. Porém, em 1950 Monnet não agiu em resposta a um problema alemão em concreto, mas defendendo uma “iniciativa […] das potências” que avaliasse o problema alemão “como um desafio.” (10) Naquele ano, como consequência do início da Guerra da Coreia e do aumento de compromissos norte-americanos à escala global, a administração Truman lançou um desafio aos aliados europeus. Exigiu-lhes um maior esforço na defesa militar do “Ocidente”, lançando o debate sobre o pleno rearmamento da RFA. Independentemente de a última palavra caber aos europeus e, especialmente, aos franceses, as autoridades norte-americanas reiteraram que veriam com bons olhos um desenlace que apontasse para soluções políticas cujo resultado, além do pleno rearmamento alemão, fosse a integração política da Europa Ocidental.

Nestas circunstâncias, coube a Robert Schuman, ministro dos Negócios Estrangeiros gaulês, produzir, em 1950, uma declaração que esteve na base da criação da CECA. Do ponto de vista dos Tratados de Roma, a CECA foi importante por se tratar de uma solução político-institucional supranacional capaz de limitar danos futuros, para a Europa e para a França, decorrentes da recuperação do poderio económico alemão e do seu subsequente rearmamento. Como “desafio”, e tal como supusera Monnet, o velho problema alemão começava, portanto, a ser resolvido.

 

Negociações e primeiros passos

Mas a CECA não conheceu o êxito nem cumpriu os objectivos esperados. Os Estados membros não estavam dispostos a aceitar a perda do controle político que tradicionalmente exerciam ou em transferir soberania para a Alta Autoridade prevista no Tratado de Paris. Daí que, e até 1955, coubesse à OECE e ao Conselho da Europa protagonizarem iniciativas para a promoção e alargamento da cooperação europeia. Foi assim nos transportes, na agricultura, saúde ou serviços postais, sectores onde se procuraram instituir autoridades supranacionais.

O fracasso destas iniciativas dirigidas à generalidade dos países europeus membros da OECE acabou por travar o processo de construção de modelos políticos supranacionais. Emblemática foi a rejeição pela França da criação da Comunidade Europeia de Defesa (CED) e o fracasso na intenção de constituição de uma Comunidade Política Europeia (PCE). (11) Daí que se possa concluir que a CECA não tinha necessariamente que ser o prólogo da CEE e o Tratado de Paris a antecâmara dos Tratados de Roma.

Foi o impasse no avanço do processo de integração europeu, consequência das limitações da CECA e do Benelux, que acabou por estimular o engenho e a imaginação de homens como Monnet e Paul-Henri Spaak. Isto quando britânicos e escandinavos favoreciam soluções de associação e cooperação para a resolução das questões relativas à construção de uma unidade europeia e os seis países membros da CECA defendiam opções que privilegiavam a unidade política e a integração económica. Foi a partir deste núcleo que se avançou na direcção da chamada construção da Europa, o que foi sempre feito de modo atribulado e tendo em conta a definição e a defesa clara dos interesses nacionais por parte de cada um dos Estados.

Em meados de 1955, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos “Seis” reuniram--se em Messina, Itália. Deste encontro saiu uma declaração, obra dos representantes do Benelux, que demonstrou vir a ser um movimento no caminho do supranacionalismo através da assunção por todos da bondade da criação de um mercado comum a “Seis”. O passo seguinte foi a criação de um Comité presidido por Spaak e que, num relatório produzido no Outono de 1955, tornou evidente a aproximação entre aqueles que pretendiam a criação de um mercado comum (Benelux) e os que advogavam a constituição de uma comunidade dedicada às questões da energia nuclear (França). Em Março de 1956, a Assembleia da CECA discutiu o relatório Spaak, que acabou aprovado com apenas um voto contra. O relatório foi depois aprovado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos “Seis” (Veneza, 29 de Maio de 1956). O Comité passou à condição de Conferência que tinha como objectivo produzir os tratados para a criação de um mercado comum e de uma comunidade de energia nuclear. Em Fevereiro de 1957, reuniram-se em Paris os seis ministros dos Negócios Estrangeiros e especialistas nas questões tratadas, culminando o encontro no acordo de todos sobre os pontos mais polémicos ainda em discussão. Em Março procedeu-se à assinatura em Roma dos dois tratados. Três anos após o fracasso da criação da CED e da PCE, um projecto de integração europeia, apesar de reduzido no número de Estados participantes, dava um importante passo. O alcance do evento era tanto mais relevante quanto Spaak veio a confessar que a intenção daqueles que redigiram e aprovaram os Tratados de Roma não era apenas integração económica, mas a criação de uma união política. Ora o projecto só foi bem sucedido por decorrer de um desígnio de integração económica ambicioso mas realista, adequado àquilo que os países signatários necessitavam e reclamavam. Tivesse ele sido construído à imagem dos tratados que deram vida à CECA ou à Euratom, a história da Europa e da sua integração teria sido muito diferentes, podendo-se presumir que poderia até não ter acontecido.

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Informação Complementar

A Europa dividida

Após a celebração dos Tratados de Roma, os britânicos propuseram a criação de uma zona europeia de comércio livre. A redução das tarifas alfandegárias no comércio de produtos industriais entre os Estados membros e o convite à participação de diversos países neutrais como a Suécia, a Áustria e a Suíça foram as coordenadas da estratégia britânica. Como consequência deste esforço, em Novembro de 1959 foi assinada uma convenção que criou a EFTA (1). Tratava-se de uma realidade limitada pela geografia e pela demografia, mas não pela expressão económica. Não ambicionava liderar um projecto de integração europeia, o que a impedia de se tornar, ao contrário da CEE, no embrião de um bloco alternativo à URSS e aos EUA.

Em 1959, a Europa encontrava-se dividida em vários blocos. No lado não comunista existiam três grupos de estados: CEE, EFTA e um terceiro composto por países menos desenvolvidos e periféricos (Islândia, Irlanda, Turquia, Grécia e Espanha). Do lado comunista havia o COMECON, a Jugoslávia e a Albânia.

As primeiras alterações a esta situação ocorreram em Dezembro de 1969 com a chegada de Georges Pompidou à presidência da França. Na Haia reuniu-se uma cimeira da CEE sob o lema “ relançar a Europa ”, negociando-se a entrada de novos países. Dinamarca, Irlanda e RU foram admitidos em 1973. A Europa passava a estar menos dividida e o RU e a França (mas também a Alemanha), protagonizavam, trinta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, um projecto que redefinia os seus lugares na Europa e no Mundo.

1 - Associação Europeia de Comércio Livre, constituída pelo RU, Dinamarca, Suécia, Áustria, Suíça, Noruega e Portugal. Em 1961, a Finlândia junta-se a este grupo de países na EFTA sem, no entanto, renunciar ao relacionamento especial que mantinha com o COMECON.

 

A França do General de Gaulle e a CEE

Em 1961, a República da Irlanda, o RU e a Dinamarca pediram a sua adesão à CEE. Em 1962, a Noruega seguiu o mesmo caminho. Numa conferência de imprensa realizada a 14 de Fevereiro de 1963, o presidente francês Charles de Gaulle bloqueou qualquer possibilidade de alargamento da CEE ao afirmar que o RU não se encontrava preparado para ingressar no Mercado Comum. Nesta posição vislumbrava-se o cuidado de de Gaulle em reservar para a França o papel de grande potência europeia, mesmo que Paris dependesse, para manter o seu poder e o seu estatuto, do potencial económico que a CEE, escorada na RFA, lhe conferiam. A atitude de de Gaulle revelava ainda o reconhecimento das contradições historicamente presentes na política externa do RU, mas também o facto de a entrada dos britânicos na CEE promover no seio desta organização desafios políticos e económicos com custos excessivos para a França.

O comportamento da França de de Gaulle no seio da CEE ao longo da década de 1960 demonstrou o desejo, por parte de Paris, de controlar cada detalhe da sua existência. A França não recusou apenas o alargamento da Comunidade (contrariando um desejo partilhado pela quase totalidade dos restantes Estados membros) (1). A França não participou nos trabalhos do Conselho de Ministros durante seis meses de 1965, além de que impôs aos seus parceiros a utilização do direito de veto, pondo fim às decisões por maioria em reuniões de Conselho de Ministros (acordo de Luxemburgo de Janeiro de 1966). Finalmente, recusou qualquer atribuição de mais poderes aos órgãos supranacionais da Comunidade. Até à saída de de Gaulle da presidência francesa em 27 de Abril de 1969 (2), a integração europeia viveu o seu impasse político mais prolongado.

1 - Em 1966, o RU viu novamente vetado pela França o seu pedido de adesão.

2 - Na segunda metade da década de 1960 nada mudou na Europa a “Seis” para além da fusão das Comissões da CECA, Euratom e CEE.

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1 - Os dois tratados começaram a vigorar no dia 1 de Janeiro seguinte. Foi por insistência da RFA que a sua assinatura se produziu simultaneamente. O governo de Bona temia que a França perdesse interesse pelo “mercado comum” a partir do momento em que se criasse a Euratom. Klaus Larres, “International and security relations within Europe” in Fulbrook, Mary (ed.), Europe Since 1945 , s. e., 2001, p. 230. Para uma interessante e completa narrativa das negociações que conduziram à celebração dos tratados de Roma, Alan S. Milward, The European Rescue of the Nation-State , 2.ª ed., 1999, pp. 196-223.

2 - Tratava-se de um “documento multifacetado” composto por 248 artigos, quatro anexos, treze protocolos, quatro convenções e nove declarações. O artigo 235 proclamava que a “cooperação” poderia estender-se a “qualquer área” desde que os seus membros assim concordassem. Ao contrário da CECA, que tinha uma duração de cinquenta anos, a CEE era criada por um “período ilimitado.” Amstrong, David; Lloyd, Lorna e Remond, John, From Versailles to Maastricht. International Organization in the Twentieth Century , s. e., 1996, pp. 149-150.

3 - Nascida em Abril de 1951 na sequência da assinatura do Tratado de Paris.

4 - Milward, op. cit. , pp. 324-325.

5 - Os órgãos da CEE eram o Conselho de Ministros, o Parlamento conjunto para a Euratom, CEE e CECA, a Comissão, o Tribunal e os Comités Económico e Social.

6 - Milward, op. cit. , pp. 218-220.

7 - Previa-se ainda, por exemplo, a livre circulação de pessoas e de capitais, uma política comum de transportes, a criação de um Fundo Social Europeu e de um Banco Europeu de Investimentos. Amstrong ; Lloyd e Remond , op. cit ., pp. 150-151. Urwin Derek W. – The Community of Europe: A History of European Integration since 1945 , 2ª ed., 1995, pp. 76-87.

8 - George, Stephen – “Rome, Treaty of” in The Oxford Companion to Politics of the World – Krieger, Joel (Editor in Chief), s. e., 1993. p. 799.

9 - Eram membros da OECE a Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Islândia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, Turquia e Reino Unido. Em Outubro de 1949 a RFA passou a pertencer àquela organização e em 1950 os EUA e o Canadá tornaram-se membros associados. A primeira tarefa da OECE foi executar o Programa de Recuperação Económica estabelecido com base na ajuda Marshall.

10 - Monnet, Jean – Memórias: A Construção da Unidade Europeia , s. e., 1986, pp. 256-257.

11 - O fracasso da CED conduziu à criação da União Europeia Ocidental (UEO) em Outubro de 1954.

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* Fernando Martins

Licenciado em História pela FSCH/UNL. Mestre em História dos Séculos XIX e XX (Secção Século XX) pela mesma Faculdade. Doutor em História pela Universidade de Évora. Investigador do Centro de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora, no Instituto de História Contemporânea e no Centro de História da Cultura na FSCH/UNL. Docente universitário.

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