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- JANUS 2008 -



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A Europa moderna a Leste e as identidades políticas (II)

Fernando Amorim *

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O poder da casa dos Habsburgos desenvolve-se a partir dos seus domínios hereditários originalmente situados na actual Áustria e Eslovénia, no séc. XIII (1278), tornando-se proeminente quando Carlos de Habsburgo, filho de Filipe “o Formoso” e de Joana “a Louca” de Castela, e neto de Maximiliano I de Áustria e Maria de Burgúndia (pelo lado paterno) e de Fernando II de Aragão e Isabel I “a Católica” (pelo lado materno) ascendeu aos tronos de Castela e Aragão (Carlos I de Espanha), a partir de 1516, e à coroa do Sacro Império Romano-Germânico, em 1519 (Carlos V), reunindo em “união pessoal”, enquanto herdeiro de quatro casas reais, o Império Romano-Germânico, Aragão, Castela, Nápoles, Sicília, os Países Baixos Holandeses e o império espanhol na América. Ao mesmo tempo, o irmão mais novo, o Arquiduque Fernando I de Áustria tornava-se, em 1526, após a morte de Luís II, rei eleito da Boémia e Hungria, Croácia e Eslovénia (1526-1564).

Após a abdicação (1556), enquanto o filho Filipe II herdava, na Europa Ocidental, o trono espanhol, que ficaria nas mãos dos Áustria de Espanha até à morte de Carlos II e à Guerra da Sucessão (1701-1714), de que resultaria a Paz de Utreque (1713-15), o advento da dinastia francesa dos Bourbon com Filipe V em Espanha e a vitória da política inglesa de equilíbrio de forças, com a Grã-Bretanha a tornar-se em potência arbitral, na Europa Oriental, o irmão, Arquiduque Fernando I, herdava (Evans, 1979) a coroa do Sacro Império (1556-1564), a que juntava o título de ‘Rei Romano-Germânico' de Itália.

 

A luta pela Europa Oriental e Balcãs: austríacos, venezianos, otomanos e russos

A partir de então, o poderio dos Áustria cresceria a ponto de dominar mais de metade da Europa. O longo reinado de Leopoldo I (1657-1705) foi contemporâneo da ascensão da Prússia e do início da rivalidade e dualismo austro-prussiano na Alemanha, mas também do apogeu do conflito com os turcos otomanos. Na sequência da batalha de Viena de Áustria (1683) que pôs fim a um cerco otomano de dois meses e da batalha de Zenta que colocou um ponto final no avanço turco pela Europa, marcando o início do declínio do seu império e a hegemonia da dinastia Habsburgo na Europa central, seria assinado o Tratado de Carlowitz (26-01-1699). Este foi o resultado das negociações saídas de um congresso que durou dois meses entre o Império Otomano e a Santa Liga de 1684 que coligou o Papado (Inocêncio XI), o Sacro Império sob a égide da dinastia de Habsburgo, a república de Veneza, a Polónia e a Rússia. A participação da Rússia, de que resultariam as campanhas da Crimeia e de Azov, constituiu o primeiro envolvimento no jogo de alianças formais com as potências europeias, marcando o início de uma série de guerras russo-turcas que se prolongariam até ao século XX. Por este tratado, que punha fim à guerra austro-turca de 1684-1699, os Otomanos cediam a maioria da Hungria, a Transilvânia e a Eslovénia à Hungria, a Podillya (na actual Ucrânia) à Polónia, e a Dalmácia e Moreu (Península do Peloponeso na Grécia) à república de Veneza (que os Otomanos recuperariam na guerra de 1714-18). A derrota e as condições humilhantes impostas aos otomanos incutiram-lhes o sentimento e a vontade de ressarcir essas perdas, particularmente contra Veneza, que consideravam a potência mais fraca das duas vencedoras, aproveitando a aparente incapacidade de reacção da Rússia e da Áustria, envolvidas na Guerra da Sucessão de Espanha. Assim, entre 1714 e 1718 eclodiu a 8.ª guerra Turco-Veneziana, a última entre as duas potências e que se saldou pela vitória otomana e a perda das possessões venezianas na península grega do Peloponeso. Ainda assim, Veneza reuniu uma força combinada que incluía o Papa Clemente XI e os Estados Papais, o apoio financeiro da França e a participação militar naval de Malta e de Portugal (reinado de D. João V) na Batalha do Cabo Matapão (19-07-1717) onde a esquadra portuguesa obteve uma vitória que obrigou os turcos a procurar refúgio na ilha de Cerigo. Não obstante, a frota portuguesa teve de proteger a de Veneza, derrotada no combate. Valeu-lhe, também, a intervenção em seu socorro da Áustria do imperador Carlos VI (fracassado pretendente à coroa espanhola que os portugueses e aliados tinham feito aclamar em Madrid como Carlos III) em 1716, abrindo uma nova frente traduzida na guerra Austro-Turca de 1716-18. As vitórias austríacas em Peterwardein e Belgrado forçaram os Otomanos a assinar, em 21-07-1718, o Tratado de Passarowitz, localidade situada na actual Sérvia. O Império Otomano, por um lado, e a monarquia Habsburgo e a República de Veneza pelo outro concordaram em pôr fim à guerra. O tratado de paz reflectia a realidade militar: os otomanos perdiam o banato de Temeswar, o norte da Sérvia, incluindo Belgrado, o norte da Bósnia e a Valáquia menor, mas recuperavam de Veneza o Peloponeso e Creta, ficando a sereníssima república com as ilhas jónicas e a Dalmácia. Este tratado representa o período de expansão territorial máxima do império dos Habsburgos e o consequente desenvolvimento do Estado austro-húngaro, porquanto, em 1737-1739, a 4.ª guerra austro-turca que coligou a Áustria e a Rússia conduziria à recuperação pelos otomanos de Belgrado e da Valáquia menor pelo Tratado de Belgrado (18-09-1739) e ao início da rivalidade entre os antigos aliados (eram-no desde 1726) – Áustria e Rússia – a propósito dos países balcânicos. A retirada austríaca da guerra forçou a Rússia a aceitar a paz com os Otomanos pondo fim ao conflito que com estes travava, a guerra Russo-Turca (1735-1739) pelo controlo do acesso ao Mar Negro. Com efeito, salvaguardada a neutralidade da Pérsia (1732-35), que estava em guerra com a Turquia (1730-36), a Rússia lançara campanhas sobre o sul da Ucrânia, o Cáucaso e Crimeia, buscando o controle desta, do mar de Azov e do Mar Negro. Apesar das vitórias sobre os turcos, as derrotas militares do aliado austríaco e a paz separada que este obteve (o Tratado de Belgrado), bem como a iminente ameaça de invasão, a norte, pela Suécia, obrigaram a Rússia a assinar o Tratado de Nissa (03-10-1739) que pôs fim ao conflito com os Turcos. Com esta paz separada o sultão turco logrou dividir os aliados: apesar de pressionados pelos russos a retirar em direcção a Constantinopla o sultão reconheceu o imperador Habsburgo como protector de todos os súbditos otomanos cristãos, o que era uma pretensão russa, e estes, pese embora o seu avanço até ao Mar Negro e a confirmação da posse de Azov, não conseguiram anexar a Crimeia e impor a presença de uma esquadra russa no Mar Negro (Quataert, 2005).

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Mas a verdadeira fraqueza dos Habsburgos revelar-se-ia quando em 20-10-1740 Carlos VI de Áustria, o derrotado pretendente Habsburgo na Guerra de Sucessão de Espanha (León Sanz, 2003), abriu uma crise sucessória semelhante, desta feita, no Sacro Império, no Reino da Boémia e da Hungria, quando a linha sucessória masculina desapareceu com a sua morte. Pese embora a sua preocupação em, através da “Pragmática Sanção (1713)”, ver reconhecidos os direitos de herança da filha Maria Teresa, iniciou-se a Guerra da Sucessão de Áustria (1740-1748) quando a França, Prússia (grande rival da Áustria a norte), Baviera e Saxónia renegaram e contestaram os direitos da filha do malogrado imperador. A Prússia conquistou a Silésia austríaca; a Baviera fez eleger o seu príncipe eleitor, Carlos Alberto, genro do anterior imperador e irmão de Carlos VI (José I) como imperador Carlos VII, mas veria a Baviera ser conquistada pelas tropas austríacas. No final, Maria Teresa faria valer os seus direitos e conseguiria a manutenção do império sob a égide dos Habsburgos ao obter a eleição do marido Francisco I como imperador do Sacro Império em 1745. O Tratado de Aix-la-Chapelle (18-10-1748) reconheceria a realeza de Maria Teresa. Apesar de a França lhe restituir os Países Baixos a austríaca viu-se forçada a ceder os ducados de Parma, Placência e Guastalla, no norte de Itália a Filipe de Bourbon, duque de Parma (1748-1765) e filho de Filipe V de Espanha, bem como vários territórios na Lombardia (oeste) ao aliado Carlos Emanuel III, duque de Sabóia tornado rei da Sardenha (Browning, 1993). A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) mais não foi do que a continuação daquele conflito, procurando Maria Teresa recuperar o território perdido e enfraquecer a aliança anglo-prussiana através da formação de uma vasta coligação que juntou Áustria, Rússia, Sacro-Império, França, Saxónia e Suécia contra a Prússia, Reino Unido, Hanôver e Hesse-Cassel. A morte da imperatriz Isabel da Rússia quando as suas tropas já ocupavam Berlim conduziu ao colapso da coligação anti-Prússia (o milagre da casa de Brandeburgo) A Prússia afirmou-se como uma quinta grande potência, desafiando a tradicional superioridade da dinastia dos Habsburgos na Alemanha e o equilíbrio europeu, apesar de o tratado de Hubertsburgo (15-02-1763) entre a Prússia e a Áustria e Saxónia, em conjunto com a Paz de Paris, entre o Reino Unido, França, Espanha e Portugal (10-02-1763), e que punham fim ao longo conflito no plano europeu, não ter conduzido a significativas alterações nas fronteiras europeias. A Prússia de Frederico II logrou manter a Silésia, a província mais industrializada da Áustria, passando a controlar o comércio externo para a Europa Oriental. No entanto, a sudeste, a Áustria manteria a sua hegemonia face aos Turcos, com uma vasta zona fronteiriça sob o controlo directo de Viena e que subsistiria até 1870 (Evans, 1979). Este conflito constituiria o último grande confronto militar multilateral na Europa, antes da eclosão da Revolução Francesa e das Guerras Napoleónicas (final do século XVIII).

 

A delimitação “final” euro-ortodoxa

Mais a Leste, em 1768, a fim de conter o iminente avanço russo, a Turquia do sultão Mustafá III (1757-774), aliada à Confederação polaca de Bar que se opunha ao avanço russo na Polónia, declarou guerra à Rússia (25-09-1768). Esta nova guerra russo-turca (1768-1774) serviu para demonstrar a completa dimensão do poder militar da Rússia, aliada ao Reino Unido, e que avançou através dos principados do Danúbio. A esquadra russa do Báltico fez a sua primeira aparição no Mediterrâneo, destruindo a armada turca em Chesmé (5 a 7-07-1770), assistindo-se ao colapso total do Império Otomano, a braços com revoltas no Egipto e na Síria (McCarthy, 2001). Pelo tratado de Küçük Kaynarca (21-07-1774) os Otomanos reconheciam a independência do Canato da Crimeia, na realidade sob dependência da Rússia e formalmente anexado em 1783; o acesso directo desta ao Mar Negro; a cedência de Edisan no sudoeste da Ucrânia, junto à Moldávia, entre o Dniepre e o Bug, que permitia o acesso terrestre directo ao Mar Negro; o porto de Kerch e a fortaleza de Yenikale na Crimeia; a região de Kabardino no norte do Cáucaso; o direito de passagem pelo Estreito dos Dardanelos (antigo Helesponto), situado no Noroeste da Turquia e ligando o Mar Egeu ao Mar de Mármara; a eliminação das restrições de acesso ao mar de Azov e o direito de protecção russa aos cristãos ortodoxos do império otomano. A tentativa otomana de recuperar estes territórios levaria a nova guerra russo-turca (1787-1792) e terminou numa marcha triunfal de Catarina II e do seu aliado austríaco José II pela Crimeia e na Paz de Jassy (9-01-1792) que confirmava a anexação da Crimeia e de Edisan e o rio Dniestre como linha de fronteira russo-turca na Europa, mantendo-se inalterável a fronteira asiática no rio Kuban (norte do Cáucaso) (Jelavich, 1983). A partir de então, com a presença das forças russas perto da foz do Danúbio, a “questão oriental” tornou-se um problema central nos assuntos europeus, gerando receios e preocupações das potências que doravante procuraram assegurar-se de que os Estados otomanos não caíam em mãos alheias, alimentando assim o ressurgimento dos nacionalismos nesta região (1800-1914) com os resultados que conhecemos enquanto rastilho da primeira convulsão mundial.

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Informação Complementar

Dinastia dos Habsburgo (Áustria) - 1526-1918

Habsburgo
Fernando I 1520-1564
Maximiliano II 1564-1576
Rodolfo II 1576-1612
Matias 1612-1619
Fernando II 1619-1637
Fernando III 1637-1657
Leopoldo I 1657-1705
José I 1705-1711
Carlos VI 1711-1740
Maria Teresa 1740-1780

Habsburgo-Lorena
José II 1780-1790
Leopoldo II 1790-1792
Francisco II 1792-1835 (tornou-se Imperador Francisco I de Áustria em 1804, reiniciando-se a contagem nesta data)
Fernando I 1835-1848
Francisco José I 1848-1916
Carlos I 1916-1918

 

Dinastia Romanov

Dinastia Romanov
Miguel I ( Mikhail ) (r. 1613 - 1634 e 1634 - 1645)
Aleixo I ( Alexis ) (r. 1645 - 1676)
Teodoro III ( Fiódor ) (r. 1676 - 1682)
João V ( Ivan ) (r. 1682 - 1696)
Pedro I, o Grande ( Piotr ) (r. 1682 - 1725)

Imperadores da Rússia
(1721-1917)

Pedro I, o Grande ( Piotr ) (r. 1682 - 1725)
Catarina I ( Iekaterina ) (r. 1725 - 1727)
Pedro II ( Piotr ) (r. 1727 - 1730)
Ana (r. 1730 - 1740)
João VI ( Ivan ) (r. 1740 - 1741)
Isabel ( Ielizaveta ) (r. 1741 - 1762)
Pedro III ( Piotr ) (r. 1762)
Catarina II, a Grande ( Iekaterina ) (r. 1762 - 1796)
Paulo I ( Pavl ) (r. 1796 - 1801)
Alexandre I ( Aleksandr ) (r. 1801 - 1825)
Nicolau I ( Nikolai ) (r. 1825 - 1855)
Alexandre II ( Aleksandr ) (r. 1855 - 1881)
Alexandre III (Aleksandr) (r. 1881 - 1894)
Nicolau II (Nikolai) (r. 1894 - 1917)

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* Fernando Amorim

Licenciado em História pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em História – História Moderna, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FL/UL). Docente da UAL. Investigador do Observatório de Relações Exteriores. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores. Editor do anuário Janus.

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Referências bibliográficas

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McCARTHY, Justin (2001) – The Ottoman Peoples and the End of Empire. Hodder Arnold, 2001. ISBN 0-340-70657-0.

QUATAERT, Donald (2005) – The Ottoman Empire, 1700–1922. Cambridge University Press, 2005. ISBN 0-521-54782-2.

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Dados adicionais
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