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Onde estou: | Janus 2008> Índice de artigos > História dos grandes tratados europeus > [ O Tratado de Versalhes (1919) ] | |||
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Uma paz draconiana? A visão de Versalhes como uma paz draconiana é, porém, falsa, e nasce de uma série de cálculos políticos efectuados em Londres e Berlim, de erros políticos e negociais do principal motor de todo o processo – o presidente norte-americano Woodrow Wilson – e da exaustão física e moral de todos os países vencedores, onde a opinião pública iria virar as costas, de forma inequívoca, a toda e qualquer política de força durante duas décadas (com a possível excepção da Itália fascista onde, claro, é difícil avaliar essa opinião). Vale a pena comparar Versalhes aos tratados impostos durante a guerra pela Alemanha aos países que esta derrotou: Brest-Litovsk (Rússia) e Foçsani (Roménia). As perdas de território, de população, e de recursos naturais, e o avassalamento económico, foram incomparavelmente maiores em função destes dois tratados do que naqueles negociados em Paris. Mais ainda: Brest-Litovsk e Foçsani receberam o aval do Reichstag , que efectuou com essa ratificação uma viragem de 180 graus, deixando para trás a famosa «resolução da paz» de 1917, na qual pedia ao governo imperial uma solução negociada para a guerra. Por outras palavras, quando, após três anos de impasse, a guerra pareceu impossível de se saldar por uma vitória, o parlamento alemão escolheu o caminho da paz sem vitória: mas assim que uma vitória militar pareceu possível, graças ao desmoronar do esforço de guerra russo, o Reichstag aceitou a humilhação dos derrotados, ficando assim a impressão de que a aceitaria de novo em 1918 se as ofensivas desse ano, na frente ocidental, tivessem resultado. A suposta dureza de Versalhes assenta sobre dois conceitos essenciais. O primeiro é o da perda de território; o segundo, o da indemnização financeira a pagar pelo país tido como responsável pela guerra. Comecemos pelo segundo. Segundo o artigo nº 231 do tratado, a Alemanha tinha provocado a guerra. Tão óbvia era esta afirmação, aos olhos dos aliados, que nem sentiram a necessidade de a fundamentar no texto do Tratado. Nas origens do conflito estavam, naturalmente, o assassinato em Sarajevo do arquiduque Francisco Fernando, herdeiro da coroa imperial austro-húngara, e o ultimato humilhante apresentado por Viena a Belgrado. Mas para os aliados, em 1918 e 1919, não restavam dúvidas de que este ultimato, impossível de aceitar, tinha sido acordado entre Berlim e Viena, tendo o governo alemão garantido a sua colaboração militar em caso de guerra generalizada. A posição alemã terá ainda ditado a indiferença da Alemanha a qualquer tentativa de solucionar a «crise de Julho» de 1914. Foi ainda a Alemanha que invadiu a Bélgica (uma nação neutra) e a França, e não o contrário. Assim sendo, e tendo em conta a dimensão da guerra, a devastação causada em vários pontos da Europa (especialmente na Bélgica e no nordeste da França), o número assustador de feridos, mutilados, órfãos e viúvas, e os precedentes históricos – especialmente a indemnização imposta à França após a vitória prussiana de 1870 – era normal que uma indemnização fosse imposta a Berlim. O defensor dessa indemnização, inicialmente, foi o primeiro-ministro britânico, David Lloyd George, que na campanha eleitoral de 1918 tinha prometido «enforcar o Kaiser» e «espremer os alemães até os caroços gemerem». O seu congénere francês, Georges Clemenceau, preferia manter intactos, no pós-guerra, os acordos económicos desenvolvidos pelos Aliados entre 1914 e 1918, que permitiam o rateio de matérias-primas e a partilha de mercados, de forma a punir economicamente a Alemanha, negando-lhe, sobretudo, mercados para a sua produção industrial. Mas tal política feria os interesses comerciais britânicos e americanos, e foi rapidamente posta de parte. As indemnizações voltaram por isso à agenda, e ficou acordada, no tratado de Versalhes, a criação de uma Comissão de Reparações, encarregada de determinar a soma final a pagar e o modo de o fazer. Em 1921 essa soma foi anunciada: 132 mil milhões de marcos-ouro. Mas quando o anúncio foi feito algo de importante tinha já ocorrido: não só os americanos se tinham desinteressado de todo o processo, votando o Senado contra o tratado, como os britânicos, influenciados por John Maynard Keynes, membro da equipa que negociou o tratado (e que esteve sempre em contacto íntimo com os seus congéneres alemães), tinham chegado à conclusão de que as indemnizações paralisariam a economia alemã, parceira comercial importante de Londres, e por isso toda a retoma económica europeia. A Alemanha afirmou não poder pagar as indemnizações; a Grã-Bretanha, que delas pouco precisava, acreditou, e imediatamente começou a minar este aspecto de Versalhes; o resultado foram longos anos de negociação e renegociação da mesma questão, tendo estas, como pano de fundo, a insistência americana no pagamento das dívidas contraídas durante a guerra pelas nações aliadas. Podia a Alemanha suportar a indemnização imposta pelos Aliados? Provavelmente sim. Segundo o historiador Niall Ferguson, no seu livro The Pity of War , o esforço financeiro para pagar as indemnizações, nos anos em que a Alemanha cumpriu as suas obrigações, foi menor do que o da França após 1870. Mas os governos republicanos que se seguiram à derrota, num contraste flagrante com os da R.F.A. após 1945, não aceitaram a responsabilidade moral do conflito e decidiram subverter, tanto quanto possível, o Tratado de Versalhes. Conseguiram os governos alemães do primeiro pós-guerra escapar à enorme dívida interna gerada pela guerra, culpando a França, que, com apoio belga, ocupou em 1923 o Ruhr para exigir o cumprimento do tratado, pela hiperinflação que se seguiu – e depois usaram a hiperinflação para forçar a renegociação da dívida, através de, sucessivamente, os planos Dawes (1924) e Young (1929). Pôde assim, através desta estratégia de alto risco, a economia alemã, cuja infra-estrutura estava intacta, ser relançada, sendo impossível de prever, no início dos anos 20, a Grande Depressão do final da década. A França abandonada As perdas territoriais por parte da Alemanha foram provocadas por interesses de ordem diversa, por vezes contraditórios, dos aliados. Havia antigos agravos por resolver, tais como a Alsácia e a Lorena, anexadas por Bismarck em 1870; havia o desejo de Woodrow Wilson, expresso nos «14 Pontos» – cuja aceitação pela Alemanha estava espressa no armistício de 1918 – de dar a cada nacionalidade histórica – incluindo, claro está, a Polónia – um Estado, com fronteiras seguras e, se possível, acesso ao mar; e, finalmente, houve uma tentativa de rectificar algumas fronteiras existentes, precisamente para garantir a Estados vítimas de agressão alemã – como a Bélgica – fronteiras mais fáceis de defender. A complexa geografia europeia, mal entendida por Wilson, tornou impossível estabelecer critérios rigorosos, e da falta destes nasceu a simples impressão de que as anexações tinham como fim único punir a Alemanha, cujo território, dividido pelo acesso polaco ao mar, sofreu importantes alterações. Mas não nos devemos esquecer de alguns dados de primeira importância: se, para as grandes potências não continentais (Estados Unidos, Reino Unido) as anexações eram um mero detalhe, algo a limitar sempre que possível, para as potências continentais as anexações eram um elemento-chave nas negociações em curso. À Itália, no Pacto de Londres de 1915, tinham sido prometidos territórios que agora, em Paris, e depois de mais de meio milhão de mortos em combate, lhe eram negados; e americanos e britânicos impossibilitaram a Paris anexar a Renânia, ou transformá-la num Estado-tampão independente. Foram estes planos radicais substituídos pela desmilitarização da Renânia e uma promessa de aliança tripartida entre Washington, Londres e Paris. Por outras palavras, Washington e Londres, tendo assegurado a destruição da frota alemã e o fim do império colonial alemão (sendo as colónias alemãs transformadas em mandatos e distribuídas por algumas potências aliadas), tinham também, em seu entender, garantido a sua segurança futura; o mesmo não se podia dizer da Itália e sobretudo da França, cuja população e potencial industrial continuavam bem inferiores aos da Alemanha. Ficou assim a França exposta a uma potencial retaliação. Para atenuar os receios franceses, foi prometida a criação da já mencionada aliança defensiva entre Estados Unidos, Reino Unido e França, para lá da Sociedade das Nações: nunca a Alemanha ousaria desafiar a França, sabendo que ao fazê-lo teria de enfrentar também os Estados Unidos e o Império Britânico. Só que, ao rejeitar o Tratado de Versalhes, o Senado americano rejeitou também esta aliança, e Londres, escudando-se por trás da decisão americana, fez o mesmo, deixando a França perante uma Alemanha em grande parte intacta, queixosa e com todo o seu potencial industrial preservado.
Uma nova ordem? Estamos assim perante uma nova ordem europeia que nunca chegou a imperar como quiseram os seus arquitectos, especialmente Wilson. A democracia parlamentar não vingou nos Estados recém-criados, dominados pelo nacionalismo e o medo de uma revolução bolchevique; e as antigas democracias, que deveriam intervir de forma determinada para manter a paz no velho continente, contando, se para isso fosse necessário, com o apoio do novo mundo, não o fizeram. O público americano desinteressou-se da sorte da Europa, virando as costas aos esforços de Wilson e ferindo profundamente a Sociedade das Nações; também a Grã-Bretanha se ausentou do continente, esforçando-se por manter intacto o seu império; e a nova ordem ditada por Versalhes ignorava de todo a recém-nascida União Soviética, que para a sua elaboração não fôra escutada. As alianças defensivas estabelecidas pela França – com a Bélgica, a Polónia, a Checoslováquia, a Roménia e a Jugoslávia – de pouco valiam. Ainda antes de 1933 sucessivos governos alemães puderam, com o apoio de Moscovo, renovar o seu poderio bélico, ao mesmo tempo que sabotavam o apuramento de responsabilidades por crimes de guerra e que, como vimos, travavam o pagamento de indemnizações, insurgindo-se, com o apoio de forças nacionalistas e de um aparelho estatal herdado do velho Reich , contra Versalhes. Nem Paris nem Londres, minadas pelo desejo de paz das respectivas populações, tiveram força política para defender Versalhes e impedir a proliferação de conflitos entre velhas e novas potências europeias: Grécia e Turquia, Polónia e União Soviética, Hungria e Roménia e Itália e Jugoslávia, entre outros. Por último, o fracasso da nova ordem foi acompanhado pela rejeição historiográfica da interpretação feita pelos Aliados, em 1919, das origens da guerra: historiadores alemães (como, por exemplo, o conde Max Montgelas) e, sobretudo, americanos (S.B. Fay e Harry Elmer Barnes) sugeriram, nas suas obras, que era impossível simplesmente afirmar a culpabilidade alemã sem a demonstrar, e avançaram a ideia de que os governos de 1914 tinham perdido controlo dos acontecimentos, não podendo evitar a catástrofe. Todos tinham culpa – e por isso mesmo ninguém a tinha. Reflectindo o desejo popular de um novo isolacionismo americano, esta reinterpretação dos acontecimentos que antecederam o conflito veio reforçar o pacifismo europeu, que se esforçava por preservar, apesar do insucesso da Sociedade das Nações, o sonho de uma diplomacia aberta e democrática, e por demonstrar que a duração da guerra resultava não da adesão dos soldados a noções de cidadania e patriotismo, mas antes da manipulação de tais conceitos por governantes incompetentes ou cínicos.Informação Complementar O Tratado de Versalhes - pontos principais 1. Tentativa de estabelecer uma nova ordem mundial, assente sobre a universalização do Estado-nação (conseguida através do desmembramento dos impérios multinacionais europeus), sobre a segurança colectiva e o desarmamento mútuo, e sobre a diplomacia transparente, a ser conduzida através da Sociedade das Nações; 2. Responsabilização da Alemanha pela guerra de 1914-1918, forçando-a a arcar com os custos de compensação pela destruição de vidas e bens ocorrida durante o conflito (embora a determinação desses custos fosse adiada até Maio de 1921); 3. Reconhecimento de um Estado polaco, com fronteiras defensáveis e acesso ao mar; 4. Devolução imediata à França, sem plebiscito, do território perdido na guerra de 1870; 5. Entrega à França das minas de carvão situadas na bacia do Sarre, território esse a ser entregue à Sociedade das Nações durante quinze anos, ao fim dos quais um plebiscito deveria determinar o seu futuro (venceu a reintegração na Alemanha); 6. Imposição de restrições severas à dimensão das forças armadas da Alemanha (exército profissional de 100.000 homens, limitações ao número e tamanho de navios de guerra, proibição do uso de submarinos e aviões de combate), e neutralização de zonas fronteiriças; 7. Transformação das colónias alemãs em mandatos, distribuídos por várias nações aliadas (Reino Unido, França, Bélgica e Japão) que por eles seriam responsáveis perante a Sociedade das Nações; 8. Responsabilização de entidades militares alemãs pelas atrocidades cometidas em 1914 na Bélgica e em França; 9. Criação de mecanismos legais para a resolução de conflitos provocados pela transferência forçada, durante a guerra, de bens móveis e imóveis; 10. Imposição de restrições aduaneiras sobre a Alemanha, de forma a que esta não protegesse o seu mercado interno – ou explorasse a sua posição geográfica – para financiar o pagamento das indemnizações devidas aos Aliados.
Portugal e o Tratado de Versalhes Portugal foi representado sucessivamente em Paris por duas delegações distintas, lideradas, respectivamente, por Egas Moniz e Afonso Costa. Poucos países terão depositado tantas esperanças nas negociações como Portugal, cuja corrente intervencionista, encabeçada por Afonso Costa, queria, de uma só vez, à custa da Alemanha, resolver a situação financeira do país, modernizar as forças armadas, aumentar o património colonial, e alcançar uma posição de destaque na Sociedade das Nações que lhe permitisse escapar à aliança inglesa. Segundo documentos apresentados pela delegação portuguesa, Portugal ambicionava receber mais de oito mil e quinhentos milhões de marcos-ouro, pois a guerra tinha causado – alegadamente – a morte de 273.547 portugueses da metrópole e das colónias, uma cifra que os Aliados rejeitaram por completo. Assim sendo, poucos países aliados terão ficado tão decepcionados com o texto final, que quase não menciona Portugal e que deitou abaixo as ambições dos intervencionistas. O facto de Portugal continental ter escapado ileso ao conflito e a fraca prestação do exército, sobretudo nas campanhas africanas, foram os grandes responsáveis por esta derrota diplomática. O que recebeu Portugal no final da guerra? Seis torpedeiros austríacos, dois dos quais nunca chegaram a Portugal, e o pequeno território de Quionga, na margem sul do rio Rovuma. Tais concessões não constam do Tratado. Em 1921 foi anunciado que Portugal receberia 0,75% do total das compensações financeiras a ser pagas pela Alemanha (um pouco menos de mil milhões de marcos-ouro). Porém, devido às sucessivas revisões da dívida alemã (ver texto principal), pouco deste dinheiro entrou nos cofres do Estado, não chegando nem para saldar as dívidas de guerra para com a Grã-Bretanha. De acordo com o anexo 4 do artigo 298, introduzido por Afonso Costa, Portugal recorreu à arbitragem internacional para obter alguma compensação pelos efeitos das incursões alemãs nas colónias africanas antes de os dois países estarem oficialmente em guerra, iniciando uma longa e demorada batalha legal que acabou com uma vitória alemã. Portugal teve ainda de suportar a suposta ofensa de à Espanha, neutra, ter sido atribuído o lugar não-permanente no Conselho Executivo da Sociedade das Nações que Afonso Costa ambicionava para Portugal.* Filipe Ribeiro de Meneses
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