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- JANUS 2008 -



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A coordenação do financiamento da I&D na Europa

Luísa Henriques *

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Em 2000 a presidência portuguesa da União Europeia marcou a agenda política não só com a aprovação da Estratégia de Lisboa, mas também com a criação de um clima favorável à ideia do Espaço Europeu de Investigação (EEI), com a aprovação da comunicação da Comissão (2000)Towards a European Research Área.

A nova política de investigação europeia, centrada no conceito de Espaço Europeu de Investigação, traduziu-se na aprovação e implementação do 6º Programa-Quadro de investigação (2002-2006) que dotou a Comissão Europeia de instrumentos específicos para implementar o EEI, nomeadamente através da coordenação dos executores da investigação com as redes de excelência de investigação e os projectos integrados, visando a futura construção de centros europeus de excelência em ciência e tecnologia; através da coordenação e construção de agendas europeias em tecnologias com as plataformas tecnológicas envolvendo as empresas europeias, e finalmente, a coordenação do financiamento através de redes de agências de financiamento em temas específicos, as ERA-NETs.

 

ERA-NET: um sucesso inesperado na coordenação do financiamento

As ERA-NETs são certamente um dos factores relevantes na criação do ponto de viragem na trajectória do financiamento nacional europeu. Estas redes iniciaram uma nova dinâmica na coordenação dos programas e das políticas nacionais ao nível europeu, construindo um novo espaço de coordenação: o espaço transnacional. Até ao final do século XX o panorama do financiamento da I&D era caracterizado pela existência de actores tradicionais, com missões e espaço de actuação com fronteiras claramente delineadas. Os diferentes espaços – nacional, europeu e internacional – eram definidos pelas fronteiras geográficas e pelos seus actores. No espaço nacional tinhamos os conselhos de investigação, as academias, e mais tarde os ministérios, como responsáveis pela definição e implementação de programas nacionais para o desenvolvimento das equipas e das instituições nacionais de I&D; enquanto no espaço europeu a Comissão Europeia com o Programa-Quadro, a Fundação Europeia da Ciência e as organizações intergovernamentais como o Programa COST e a NATO vêm sendo as responsáveis pelo desenho e implementação de programas europeus de investigação e financiamento de redes e de investigadores. Na interface destes dois espaços existem os acordos de cooperação bilateral ou multilateral entre países e organizações centrados principalmente na mobilidade, custeando cada uma das agências os custos nacionais dessa mobilidade.

No século XXI as fronteiras do espaço de actuação e de dominação dos actores tradicionais começaram a desvanecer-se devido à globalização, às novas formas de produção do conhecimento, ao domínio dos programas europeus nos grandes programas tecnológicos, e à emergência de novos actores, com o mesmo peso ou maior que os actores nacionais, como são exemplo as regiões e as organizações não-governamentais. Este novo contexto de redefinição de posicionamento e de missões dos actores tradicionais no financiamento foi acelerado com o lançamento do espaço europeu transnacional de financiamento resultante da acção conjunta em temas específicos das agências e operadores de financiamento.

As ERA-NET são um instrumento inovador, na construção de uma nova dimensão que atravessa os níveis anteriormente definidos através da coordenação europeia dos financiamentos nacionais, com base na iniciativa dos actores agregados com geometria variável. Estas redes estão centradas na coordenação dos donos e operadores dos programas nacionais de investigação, tecnologia e inovação, ou seja, nos ministérios e agências financiadoras, e organismos de execução com responsabilidades delegadas na operação desses programas. O objectivo principal deste instrumento é o de subsidiar os custos iniciais de transacção da cooperação das agências, com vista ao lançamento conjunto de acções de financiamento, ao nível europeu, com fundos nacionais.

As ERA-NET são dotadas de grande flexibilidade, dado que resultam da dinâmica e vontade dos actores para se coordenarem em temas, sem definição prévia, com três objectivos principais: o levantamento das normas e das regras aplicadas nos programas dos diferentes países europeus e a identificação dos bloqueios à cooperação, mobilidade e ao financiamento de não-nacionais; a identificação de tópicos para a promoção da agregação das equipas nacionais ao nível europeu, e o lançamento de concursos transnacionais com avaliação, selecção e financiamento geridos em conjunto pelos membros da rede, sem a existência de um intermediário. A não delegação a um terceiro é uma das características mais interessantes deste esquema, pois permite aos diferentes operadores construírem relações de trabalho baseadas na confiança, bem como uma maior co-responsabilização das agências no sucesso das iniciativas estabelecendo ainda uma cooperação duradoura que transcende em geral o âmbito das ERA-NETs.

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No 6.º Programa-Quadro foram apresentadas 229 propostas de ERA-NET com um financiamento solicitado de €393 milhões. Destas, 71 eram acções de apoio à coordenação (SSA) e 158 acções de coordenação (CA), envolvendo mais de 2.000 agências nos mais variados tópicos. Foram seleccionadas 71 acções de coordenação, que designaremos como ERA-NET, e 26 acções de suporte à coordenação, que chamaremos de pré-ERA-NET, com um financiamento global de €180 milhões, envolvendo mais de 1.000 participantes.

A importância das ERA-NET deriva não só da dimensão e espaço alcançado num período curto de tempo, mas também da identificação feita dos temas em que acções de coordenação transnacionais são necessárias. Existem tópicos cuja natureza intrínseca e modo de organização são mais susceptíveis de uma coordenação ao nível transnacional que outros. Por exemplo, as tecnologias de informação são visivelmente um tema ausente, dado que a sua coordenação europeia é feita através do programa-quadro; ou as ciências básicas, cujo financiamento é feito ao nível nacional. Em contraste, verifica-se uma preferência das ERA-NET na coordenação dos chamados bens colectivos, como o ambiente, incluindo clima e mar ou a energia.

 

Portugal e o puzzle do Espaço Europeu de Investigação

O EEI é visto na imagem da Comissão Europeia como puzzle composto pelos diferentes países europeus e as ERA-NET como o catalizador da sua construção.
A única peça do puzzle europeu que falta integrar é Portugal. A questão que importa esclarecer é como as agências financiadoras de I&DT portuguesas vêem as ERA-NET e se se consideram ou não parte do puzzle.

A participação portuguesa nas redes ERA-NETs é pequena. Portugal apenas participa em 27 das 72 (nota de rodapé 1) ERA-NET em curso. As ciências do mar são o tema com maior número de ERA-NET (4), com a participação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) ou do GRICES (Gabinete de Relações Internacionais da Ciência e do Ensino Superior), seguido da energia (3), com a participação da FCT ou do INETI (Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação). Os temas científicos em que Portugal participa em duas ERA-NET são a química, as ciências sociais, a genómica de plantas e dos patogénios, a inovação e a biodiversidade (FCT e os Governos das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores). Seguem-se depois temas em que só existe uma ERA-NET e em que Portugal está presente: segurança (Ministério da Administração Interna), aeronáutica, complexidade, segurança alimentar e física das partículas (FCT).

A FCT é a agência de financiamento nacional com maior número de participações em ERA-NET (19), as restantes organizações nacionais participam apenas em uma ou duas, em áreas da sua responsabilidade de coordenação, como é o caso da segurança com a participação do MAI, ou da inovação com a participação da Agência de Inovação.

Algumas conclusões preliminares são possíveis sobre a inserção portuguesa neste espaço, centradas em três dimensões: a estratégica, a dos actores e a das prioridades.

A dimensão estratégica não pode ser analisada sem a sua inserção na problemática mais geral do papel dos pequenos países na integração no espaço europeu. As comunidades científicas e tecnológicas dos pequenos países são pequenas e tendencialmente especializadas, dada a falta de massa crítica para poder estar presente, ao nível da excelência, em todos os domínios. Em Portugal, como nos restantes países da sua dimensão, a especialização resulta em geral de dois processos: da acumulação institucional de conhecimento ao longo dos anos com níveis de excelência internacional e massa crítica; e o segundo através do desenvolvimento de tópicos ligado às especificidades locais e naturais. Quando redes desta natureza são construídas num processo bottom-up, em regra são escolhidos como parceiros os actores considerados incontornáveis no desenvolvimento desse tema ao nível europeu. Veja-se, como exemplo, a elevada participação de Portugal nas redes ligadas ao mar.

A inserção nessas redes pode resultar de uma vontade nacional de investir no desenvolvimento de um tópico emergente ou de recuperar atrasos, ganhando economias de aprendizagem na inserção europeia. Exemplos desta vontade é a inserção de Portugal nas redes das nanociências ou da genómica de plantas.

A segunda dimensão prende-se com quem deve participar nestas redes. A integração nestes espaços europeus favorece aqueles que têm responsabilidades directas na problemática em questão e que são detentores e executores de programas estratégicos. Em Portugal verifica-se uma concentração da participação dessas redes na FCT. Contudo, esta agência tem a sua acção centrada no financiamento de I&D através de concursos genéricos em todas as disciplinas científicas. A participação de outras organizações nacionais nestas redes, com ou sem a FCT, poderia trazer vantagens de complementaridade, beneficiando as outras organizações do conhecimento aprofundado não só das temáticas em desenvolvimento a nível europeu, mas também dos actores e dos seus processos de trabalho. Esta complementaridade já acontece nas mudanças globais, energia e segurança alimentar. Este investimento tem elevado retorno nacional, dado que estas redes estão a transformar-se em loci preferenciais para a construção ou aprofundamento de parcerias estratégicas institucionais para acção no EEI.

Finalmente, a dimensão da escolha de prioridades. Como qualquer país pequeno, Portugal não tem recursos que lhe permitam estar presente em todos ou quase todos os temas, como é o caso de grandes países como a Alemanha ou a nossa vizinha Espanha. Contudo, as organizações portuguesas não deveriam estar ausentes de temas em que possa existir interesse estratégico nacional ou de competências para uma maior integração europeia. A ausência de Portugal da rede da metrologia exemplifica um desses casos preocupantes.

Em conclusão: a integração no EEI é crucial para atingir dimensão crítica e presença nas dinâmicas de produção de conhecimento. Esta integração passa não só pela escolha dos temas a investir, mas também pela inclusão da dimensão europeia nos planos estratégicos das organizações nacionais.

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Informação Complementar

Construindo o Espaço Europeu de Investigação

A ideia da construção de um espaço comum europeu para a investigação não é nova. Desde o pós- guerra que os governos europeus têm vindo a lançar grandes infra-estruturas de ciência em domínios onde só um esforço financeiro intergovernamental e de massa crítica faz sentido. Um dos exemplos mais paradigmáticos é a criação do CERN (1954) para a investigação nuclear.

Foi no início da década de 1970 que a ideia de coordenação da investigação nacional ao nível europeu começou a ser desenvolvida no seio da Comissão Europeia. A primeira tentativa de criação desse espaço foi a criação do COST (1971), para a definição da agenda estratégica de investigação, e da Fundação Europeia da Ciência (1974) como a agência de financiamento da investigação europeia. Contudo, estas iniciativas ficaram aquém da expectativa criada. O conceito de Espaço Europeu de Investigação ficou irreversivelmente a fazer parte da política europeia, em 2000, na Cimeira de Lisboa. A Cimeira de Barcelona (2002) aprofundou o conceito, com a criação do “Mercado Interno de Investigação”e a quantificação do investimento necessário para a sua construção (nota de rodapé 2). A comunicação da Comissão Europeia (2005) inseriu o conceito do EEI no seu contexto envolvente através do triângulo investigação-educação-inovação como racional para a construção das políticas públicas.

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1 - No relatório oficial são referidas 71 ERA-NET, mas os nossos cálculos com base na informação publicada indicam-nos 72 ERA-NET. A diferença pode residir em alguma rede que tenha sido terminada na fase de implementação.

2 - A despesa de I&D deverá atingir 3% do PIB europeu em 2010.

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* Luísa Henriques

Doutora em Socioeconomia da inovação pela École National Supérieure des Mines de Paris e em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (UTL). Assessora Principal na Fundação para a Ciência e a Tecnologia e investigadora associada do SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações do ISEG.

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Referências bibliográficas

CALLON, M. (2001) – Partenariats entre recherche publique et entreprises privées: Politique d'aide et recherche agricole: Bilan et perspectives. Paris: M. Dron et Lattre-Gasquet. Paris, INRA: 223-266.

GIBBONS, C. L., NOWOTNY, H., SCHARTZMAN, S., SCOTT, P. e TROIW, M. (1994) – The new production of knowledge. Londres: Sage Publications.

LARÉDO, P. e MUSTAR, P. (2004) – “La recherche publique en France: évolutions et enjeux.” Le Banquet- Centre d'Étude et de Réflexion pour l'Action politique 19-20 (Janeiro de 2004).

CEC, Hovart, et al (2006) ERA-NET Review Report of the Independent Expert Review Group.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Mapa dos diferentes níveise actores do espaço transnacional europeu

Link em nova janela Domínios e temas dos programas nacionais coordenados pelas ERA-NET (2002-2006)

Link em nova janela Principais temáticas das ERA-NET, da participação portuguesa e principais actores nacionais

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