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Neste ensaio abordamos a importância da flexibilidade do emprego na construção de uma economia competitiva e capaz de criar empregos mais produtivos, desmistificando-se a ideia que associa a flexibilidade com a precariedade dos laços contratuais. Na verdade, a flexibilidade é um fenómeno de natureza económica que se desenvolve independentemente da natureza das relações contratuais existentes. Contudo, são estas que moldam o percurso típico de um trabalhador no mercado de trabalho. Podemo-nos socorrer da arte clássica da Grécia Antiga para descrever este percurso: um trajecto pelos difíceis “meandros” da estabilidade laboral. A palavra meandros , de origem grega, com uma transcrição geométrica perfeita, ilustra a dificuldade de progressão que alguns segmentos da população enfrentam no mercado de trabalho. A relação entre a flexibilidade económica e as restrições às formas contratuais impostas pela legislação existente leva ao aparecimento de fenómenos de marginalização que se podem perpetuar no tempo e que conduzem à segmentação do mercado, numa só expressão “que se perdem nos meandros das transições entre empregos”.
O mercado de trabalho português As economias modernas caracterizam-se pela criação e destruição contínua de postos de trabalho; um processo saudável que garante a formação de postos de trabalho mais produtivos. Ao mesmo tempo, nalguns países, observamos uma alteração na composição do emprego, com uma diminuição da incidência do emprego com contratos sem termo e um aumento de formas alternativas de emprego, nomeadamente, emprego por conta própria e com contrato a termo certo. Daqui resulta uma inevitável associação, mas sem nexo causal, entre a flexibilidade e a precariedade no funcionamento do mercado de trabalho. Em Portugal, esta assimetria na evolução da composição do emprego tem-se vindo a acentuar com os contratos com termo e o trabalho independente a representarem uma percentagem crescente do emprego total. A legislação laboral existente em Portugal condiciona esta evolução. O actual quadro legal do mercado de trabalho protege de forma desequilibrada os trabalhadores com vínculo definitivo, promovendo a segmentação do mercado de trabalho. De facto, a coexistência de diferentes tipos de contratos incentiva a utilização excessiva de contratos a termo certo e de “falsos independentes” (que em Portugal tem tradução nos “recibos verdes”). Estas dicotomias contratuais geram os meandros do mercado de trabalho que se tornam difíceis de ultrapassar. A existência de um número elevado de trabalhadores independentes ou com contratos de curta duração transmite uma falsa ideia de flexibilidade, que tem associada custos de eficiência e de bem-estar para trabalhadores e empresas (ver gráfico "Emprego independente e emprego com contrato com termo, 1995-2005"). Portugal caiu num ciclo vicioso. Os custos de eficiência impostos pela deficiente regulamentação do mercado de trabalho revelam-se nos baixos níveis de formação, que causam baixa produtividade (rendimento), que por sua vez não promovem mais investimento em capital humano (formação). A legislação laboral está assim associada ao sentimento de precariedade. Estas perdas de eficiência levam a assinaláveis perdas de bem-estar, não só porque o crescimento económico é penalizado, mas porque o nível de satisfação dos trabalhadores com o emprego é reduzido. Surge na economia um paradoxo entre o grau de protecção ao emprego induzido pela legislação e a preocupação dos trabalhadores com a perda do emprego. De facto, como ilustrado no gráfico, os resultados de vários inquéritos internacionais mostram que são os trabalhadores em países com legislação de protecção ao emprego mais restritiva que se sentem menos protegidos (têm um maior sentimento de insegurança com o emprego). O paradoxo é aparente já que traduz apenas a segmentação do mercado e o elevado risco apercebido pelos trabalhadores de que, ao perderem o emprego, podem cair em períodos de desemprego muito prolongados e com óbvios custos económicos e sociais. A legislação do trabalho e a composição contratual do emprego A legislação do trabalho define os direitos laborais associados a cada forma contratual, protegendo os trabalhadores com emprego sem termo certo na medida em que define e restringe as condições de dissolução do posto de trabalho. Contudo, a protecção do emprego sem termo coexiste com formas contratuais alternativas, que têm o objectivo de acomodar “novas” necessidades do mercado (por exemplo, os contratos com termo certo, o trabalho de grupo ou os trabalhadores temporários). A existência desta multiplicidade de formas contratuais cria uma elevada segmentação do mercado de trabalho. Em economia nada é mais perverso para a eficiência e funcionamento dos mercados do que a existência de segmentação. A afectação dos recursos torna-se mais difícil e a remuneração das características produtivas dos trabalhadores mais incerta, resultando em investimentos – em capital físico e humano – sempre inferiores ao desejável (a primeira parte do ciclo vicioso). Paralelamente, como forma de compensar a rigidez das restantes relações laborais, a segmentação resulta na concentração excessiva de rotatividade de empregos numa parte (cada vez menos minoritária) dos trabalhadores. O impacto negativo sobre a formação de capital humano e, consequentemente, sobre a produtividade e o bem-estar destes indivíduos pode superar o eventual impacto positivo que estes tipos de contratos têm sobre o nível de emprego. O argumento favorável à criação de novas formas contratuais utiliza a qualidade dos empregos gerados como base da sua sustentação. No entanto, a evidência sobre os salários e a rotatividade nesses empregos parece indiciar que grande parte desses empregos é de rotina e com baixa produtividade. A possibilidade, teórica, de esses contratos serem utilizados pelas empresas para assumir um maior risco e gerarem emprego de maior produtividade não parece ser validada empiricamente.
O que determina o aumento das formas de emprego alternativas? Em Portugal assistimos a um crescimento rápido do peso das formas de emprego alternativas que, ao longo da última década, são os maiores contribuintes líquidos para o crescimento do emprego total. Certamente que a composição do emprego varia com o ciclo económico. Em fases baixas do ciclo, em que o grau de incerteza do investimento é maior, é natural observar-se um aumento dos contratos que reduzam o risco para a empresa. Contudo, num prazo mais alargado a composição do emprego é determinada por outros factores inerentes à essência das relações laborais. Por um lado, essa repartição é função da elasticidade de substituição entre trabalhadores com diferentes tipos de contratos. Quanto mais difícil a substituição de um trabalhador com contrato sem termo por outra forma de emprego, menor a elasticidade de substituição. Por exemplo, a elasticidade é baixa entre os corpos dirigentes, mas é mais elevada entre os aprendizes. Da mesma forma, a elasticidade de substituição é superior em profissões pouco qualificadas, mas a forma como a empresa organiza a sua produção (por exemplo, a tecnologia utilizada) condiciona o grau de substituibilidade. É, assim, expectável que a incidência de formas alternativas de emprego seja mais elevada em sectores de actividade com maiores elasticidades de substituição, por exemplo, numa vasta secção do sector de serviços. Por outro lado, os custos associados com cada tipo de contrato condicionam a decisão das empresas. Na economia, a eficiente afectação de recursos é determinada pelos preços, em particular pelos preços relativos dos diferentes factores de produção. O mercado de trabalho não é excepção; a afectação de trabalhadores entre as diferentes formas de emprego é função dos seus custos relativos. Quanto maiores os diferenciais de custos associados ao emprego com contrato sem termo, maior a incidência de outras formas de emprego. Esta diferença resulta não só de custos salariais – associados às características produtivas dos trabalhadores –, mas também de outros custos não salariais, como pensões, contribuições e/ou impostos. As diferentes formas contratuais diferem também de maneira assinalável nos custos de despedimento impostos pela legislação laboral. Na tentativa de evitar estes custos (não produtivos) as empresas recorrem mais intensamente às formas alternativas de emprego, em detrimento do mais habitual emprego com contrato sem termo. Flexibilidade e duração do emprego Apesar do aumento da frequência dos empregos de curta duração, a relação laboral típica é de longa duração. Em 2006, cerca de metade dos trabalhadores portugueses com mais de 45 anos trabalhavam há mais de 20 anos com o mesmo empregador. Mas para aqui chegar, um trabalhador português teve, em média, três empregos distintos, com as mudanças de emprego concentradas no início da vida activa. Curiosamente, indivíduos com maior nível de escolaridade têm um menor número de empregos, o que significa que a educação pode ter um papel de sinalização no mercado de trabalho. Por outras palavras, os indivíduos com mais escolaridade utilizam essa vantagem relativa para conseguir melhores empregos sem terem que “experimentar” um elevado número de postos de trabalho. No mercado de trabalho, as relações laborais longas assumem um importante papel económico já que lhes estão associadas rendas económicas, partilhadas entre os trabalhadores e as empresas, com origem na acumulação de capital humano específico. Não se pode pensar que a flexibilização do emprego transformaria completamente as relações laborais em favor de ligações curtas. Pensá-lo seria ignorar décadas de evidência empírica de relações laborais tipicamente de longo prazo. Mesmo em economias com legislações laborais mais flexíveis – por exemplo, Estados Unidos da América –, a relação laboral típica é longa. Tais relações existem e existirão porque são vantajosas para o empregador e o empregado; a acumulação de capital específico ao posto de trabalho beneficia a empresa na forma de maior produtividade e o trabalhador na forma de salários mais elevados.
Consequências da existência de contratos com e sem termo A coexistência de diferentes formas contratuais no mercado de trabalho gera uma concorrência entre elas no momento de decisão da empresa e do trabalhador sobre a forma contratual a adoptar. No mercado, a flexibilidade e a precariedade confundem--se. A excessiva protecção associada aos contratos sem termo promove uma rotação exagerada, diminuindo o bem-estar dos trabalhadores com contrato a termo certo ou que trabalham como “falsos independentes”, anulando, assim, os ganhos de flexibilidade que estas formas de emprego introduzem. Uma reforma parcial da legislação laboral que crie novas formas contratuais, supostamente adequadas às actuais exigências do mercado, apenas acentua a segmentação do mercado de trabalho. Desta forma, será sempre uma substituta pobre de uma reforma mais profunda, que reduza os custos de despedimento (monetários e processuais) e avance no sentido de uniformizar as diferentes formas contratuais. A protecção ao emprego existente é ineficaz e não garante um nível de segurança no emprego compatível com a sua rigidez. Estes meandros , forma elegante de reproduzir a natureza na Grécia Antiga, tornam-se altamente indesejáveis para o funcionamento eficiente do mercado de trabalho.* Mário Centeno Doutor em Economia pela Harvard University – EUA. Desempenha funções de Director-Adjunto no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. Os seus interesses de investigação científica concentram-se no mercado de trabalho e na microeconometria, tendo, nessas áreas, publicações em revistas científicas internacionais.
** Álvaro Novo Doutor em economia pela University of Illinois, Urbana-Champaign – EUA. Economista no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. Os seus interesses de investigação. Emprego independente e emprego com contrato com termo, 1995-2005 Segurança com o emprego e protecção legal ao emprego
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