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Tempo de trabalho: a tradição já não é o que era?

António Dornelas *

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Os indicadores e os documentos orientadores das políticas públicas mais recentes sugerem duas afirmações, aparentemente contraditórias. Por um lado, a semana de quarenta horas em cinco dias é um padrão para o qual tendem a convergir a generalidade dos países europeus; mas, por outro lado, aumenta a variabilidade dentro desse padrão, motivada pelas políticas que visam adaptar o tempo de trabalho às necessidades dos trabalhadores e das empresas.

 

O padrão das quarenta horas em cinco dias

De acordo com um estudo recente sobre as condições de trabalho na Europa (1), a duração média do trabalho habitualmente efectuado nos 31 países europeus estudados (2) era a seguinte: 37,4 horas na UE15; 38,2 horas na UE25; 38,6 horas na UE27; 54,1 horas na Turquia. O mesmo estudo revela que na UE27 65,1% dos trabalhadores trabalham habitualmente 5 dias por semana, 58,4% trabalham habitualmente o mesmo número de horas por dia, 74,0% trabalham em regra os mesmo número de dias por semana, 17,3% trabalham por turnos, 60,7% entram e saem do emprego a horas fixas e 6,2% têm mais do que um emprego.

Dito de outro modo, se é claro que continua a existir um padrão de referência, não é menos certo que são muito elevadas as percentagens daqueles cujos horários de trabalho não seguem, num ou mais critérios, o padrão geral.

Por esse motivo e porque são crescentes as pressões favoráveis a reorganizações da duração do tempo de trabalho que potenciem quer as possibilidades empresariais de promover a competitividade, quer de os trabalhadores melhorarem as possibilidades de conciliação entre a vida profissional e a vida profissional e familiar, estão a mudar os termos tradicionais do debate sobre o tempo de trabalho: à duração semanal, junta-se o debate sobre a duração anual; ao tempo normal de trabalho, junta-se a discussão sobre o tempo efectivo e as formas de modulação do tempo normal; à duração mínima acresce a negociação sobre a duração total; a todas elas junta-se a negociação sobre as consequências salariais das decisões sobre o tempo de trabalho.

A figura 1 relaciona dois dos principais parâmetros do debate contemporâneo sobre o tempo de trabalho na Europa – a duração semanal e a rigidez dos horários de trabalho – tornando evidente que os valores médios acima referidos resultam duma grande diversidade de situações nacionais.

Mas mostram também que quanto menor é a duração média semanal do tempo de trabalho habitual maior é, tendencialmente, a percentagem de horários com alguma forma de flexibilidade, seja ela favorável aos empregadores ou aos trabalhadores. Portugal – cuja lei fixa, desde 1996, a duração máxima semanal do tempo de trabalho normal em 40 horas – tem uma duração média relativamente elevada e uma baixa percentagem de horários flexíveis, o que o coloca, em conjunto com a Espanha, no grupo de países europeus em que a duração habitual do tempo de trabalho habitual – normal mais suplementar – é mais elevada e a percentagem de horários flexíveis é mais baixa.

Porque as formas de organização do tempo de trabalho recorrem crescentemente a horários flexíveis e a formas de compensação dessa flexibilidade em tempo livre – os “bancos de horas”, por exemplo – para aumentar o rigor das comparações internacionais recorre-se cada vez mais à duração anual habitual do tempo de trabalho.

A figura 2 mostra que a tendência para a redução do tempo de trabalho prosseguiu nos últimos doze anos. Mas, uma vez mais, essa tendência não é uniforme nos países estudados: é mais vincada nos países da OCDE que tinham ou têm durações anuais mais elevadas – a Coreia e a Irlanda – é de apenas 1% durante o conjunto dos anos de 1994 a 2206 no país de menor duração anual, a Holanda, e verificou-se mesmo um aumento da duração na Dinamarca. Em Portugal a redução foi igual à média.

Quer isto dizer que, actualmente, o padrão das quarenta horas em cinco dias é dificilmente ultrapassável e que, nos próximos tempos pelo menos, os países que já o atingiram ou o ultrapassaram tenderão a centrar a regulação do tempo de trabalho nas excepções – os horários especialmente longos, por exemplo, que ocupam 16,9% do emprego na UE27 – e no aumento da adaptabilidade dos horários de trabalho às necessidades dos trabalhadores e das empresas?

Os indicadores disponíveis mostram que, depois dos dois últimos alargamentos da UE, a resposta será afirmativa e a avaliação das tendências de desenvolvimento recente das políticas públicas na UE aponta na mesma direcção.

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As preferências individuais quanto ao tempo de trabalho

A regulação do tempo de trabalho é um problema complexo, em que as preferências individuais se cruzam com um conjunto de outros factores que excedem largamente os interesses imediatos das empresas.

É por isso que o problema não se resolve apenas com o cálculo feito por André Gorz em 1974 (3) que indica que, em França, bastaria trabalhar 20 horas para manter o nível de consumo de então: nem todos querem “trabalhar menos, para viver melhor”.

Antes de mais, porque nem todas as pessoas estão na mesma situação: a distribuição dos tempos de trabalho pago e não pago varia com os países e entre os dois sexos e as preferências dos trabalhadores variam consoante o tipo de emprego, os níveis de escolarização e de ocupação profissional, os sectores económicos, os níveis de rendimento e os modelos de organização e gestão do trabalho.

E, evidentemente, porque se é inegável que as escolhas individuais são determinadas pelos valores sociais que se partilham, não é menos certo que as condições objectivas de trabalho – rendimento disponível, penosidade, autonomia, qualidade das relações profissionais – e a existência, ou não, de alternativas condicionam, em maior ou menor grau, essas mesmas escolhas.

Um exemplo clássico dessas diferenciações é o da posição dos homens e das mulheres no mercado de trabalho e na repartição das tarefas ditas domésticas, ilustrado na figura 4 com dados referentes aos 27 estados membros da União Europeia.

Porque a desigualdade de género é um facto, é de esperar que as atitudes das mulheres e dos homens perante o tempo de trabalho seja, também ela, diferente. Mas da dupla desigualdade de género na participação no mercado de trabalho de trabalho e na vida familiar não decorre automaticamente que a redução da desigualdade deva ser obtida unicamente no mercado de trabalho.

De facto, um inquérito publicado há cinco anos (4) indicava que, para o conjunto dos quinze Estados membros da UE mais a Noruega, 15% das mulheres e 9% dos homens prefeririam trabalhar a tempo parcial de forma permanente, enquanto 61% das mulheres e 75% dos homens não estavam interessados nesse regime de trabalho.

A análise dos indicadores dum inquérito internacional periódico mostra, além disso, que as preferências individuais quanto ao tempo de trabalho são diversificadas (5).

Assim, em Portugal 58,8% dos inquiridos em 2006 preferem manter a duração do tempo de trabalho, 17,7% gostariam de a aumentar e 23,7% prefeririam trabalhar menos horas por semana. Solicitados a escolher entre três alternativas – “trabalhar mais e ganhar mais”; “trabalhar o mesmo e ganhar os mesmo”; “trabalhar menos e ganhar menos” – 49,3% optam pela primeira hipótese, 47,4% pela segunda e 3,3% pela terceira alternativa, não sendo significativas as diferenças de género quanto ao desejo de reduzir o tempo de trabalho.

Nestes termos, mesmo que a preferência dos trabalhadores fosse o critério único de decisão – e não é, como se mostrou acima – está longe de estar demonstrado que a generalidade dos assalariados desejasse reduzir o tempo de trabalho, já que, mantendo o valor horário deste, tal corresponderia a uma redução do salário mensal.

É, portanto, possível que, em Portugal, a redução da duração semanal do tempo normal de trabalho de quarenta e quatro para quarenta horas, feita em 1996 (6), corresponda ao fim duma excepção portuguesa face aos parâmetros europeus e que, doravante, os termos do debate nacional sobre o tempo de trabalho sigam, mais ou menos de perto, os termos do debate europeu.

 

A regulação do tempo de trabalho

Os estudos disponíveis mostram que quer a legislação, quer a negociação colectiva de trabalho influenciam positivamente a redução e a adaptação do tempo de trabalho às diferentes realidades económicas e sociais. Porém, a importância dum de doutro tipo de instrumentos de regulação varia de país para país.

De facto, a comparação entre as duas colunas da figura anterior e destas com os valores constantes da figura 1 mostra várias coisas: primeiro, que é muito variável a importância relativa da lei e da contratação colectiva de trabalho na determinação do tempo de trabalho; segundo, que, em muitos países, é elevada a diferença entre o limite legal máximo e a duração do tempo de trabalho normal; terceiro, que está longe de ser constante a relação entre o tempo normal de trabalho colectivamente contratado e a duração habitual do tempo de trabalho.

Daí resultam duas conclusões: primeiro, que a lei e a contratação colectiva de trabalho são utilizadas em todos os países europeus na regulação do tempo de trabalho; segundo, que, para poder regular com eficiência o tempo de trabalho efectivo e a sua adaptação às necessidades dos trabalhadores e das empresas, é indispensável que a negociação colectiva desempenhe o papel que a lei, por ser e dever ser geral, não pode desempenhar.

Dito de outro modo: a regulação do tempo de trabalho está hoje submetida à influência de instrumentos legais – comunitários e nacionais – , de instrumentos contratuais colectivos, de negociações directas entre empregadores e trabalhadores e de decisões unilaterais dos empregadores.

Num mundo em que a realidade social correspondesse exactamente às normas em vigor, a ordem indicada no parágrafo anterior corresponderia inteiramente à relevância económica e social destas fontes de ordenação do tempo de trabalho.

E no mundo em que vivemos?

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1 - PARENT-THIRION, Agnès et al. – Fourth European Working Conditions Survey. Dublin: Eurofound – European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 2007.

2 - Os 27 Estados membros da UE, a Croácia, a Noruega, a Suíça e a Turquia.

3 - Ver BRUNNHES, Bernard et al. – 35 heures: le temps du bilan. Paris: Desclée de Brower, 2001 : 8

4 - BIELENSKI, Harald et al . – Working time preferences in sixteen European Countries. Dublin: Eurofound – European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions, 2002.

5 - CHAMBEL, Maria José. In FREIRE, João (coord.) – Orientações perante o Trabalho e Relações Laborais – Relatório Preliminar , ICS, não publicado. O estudo baseia-se no questionário do ISSP, aplicado em Portugal em 2006.

6 - Cf. Lei 21/96.

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* António Dornelas

Sociólogo. Professor Auxiliar Convidado do Departamento de Sociologia do ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e Investigador do CIES/ISCTE - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Duração semanal e rigidez dos horários de trabalho

Link em nova janela Duração anual do tempo de trabalho (2006)

Link em nova janela Estrutura comparativa do emprego: UE-25

Link em nova janela Regulação legal e contratual

Link em nova janela Dias de férias e dias feriados

Link em nova janela Duração semanal do trabalho (2006)

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