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- JANUS 2008 -



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Deslocalização empresarial e trabalho

António Brandão Moniz *

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As questões associadas aos processos de localização empresarial têm vindo a adquirir uma dimensão cada vez mais política do que apenas económica ou técnica. O desenvolvimento tecnológico tem vindo a facilitar uma maior amplitude de escolhas e de orientações relativas à localização das actividades empresariais. Mas o mesmo se passa com a deslocalização das mesmas. As consequências sociais podem ser igualmente importantes pois podem gerar processos de desagregação social, forte mobilidade territorial e, frequentemente, incremento de processos de desigualdade social.

 

Cadeias de valor, externalizações e flexibilidade

O termo “cadeia de valor” foi usado originalmente para descrever a divisão de trabalho cada vez mais complexa na fabricação de bens. Mas hoje em dia é um termo que também se tem vindo a aplicar aos serviços, quer públicos quer privados.

Segundo alguns autores, “é possível dividir o processo de produção em várias etapas, em que cada uma pode ser desempenhada com o máximo de economia numa pequena empresa. Ora, um dos factores competitivos nas economias modernas baseia-se sobretudo nessa reorganização da cadeia produtiva.

Podemos ainda relacionar a cadeia de valor com a flexibilidade, sobretudo a flexibilidade espacial. Este termo refere-se à capacidade que as empresas encontram em alterarem a geografia da sua capacidade produtiva procurando factores de competitividade territorial. Mas também se refere à flexibilidade de descentralização da sua capacidade produtiva através da utilização de trabalho com tecnologias de informação e comunicação (TIC).

 

Características dos processos de subcontratação empresarial

A subcontratação entre empresas tem sido entendida como um passo inicial para uma progressiva deslocalização de actividades económicas, com evidentes implicações nos mercados de trabalho. Ou seja, uma empresa que integrava numa primeira fase todas as actividades de produção e de transformação de matéria-prima até à fase de comercialização, tem tendência, numa segunda fase, a procurar modelos de reestruturação para manter vantagens competitivas.

Algumas fases de produção podem ser adjudicadas a outras empresas mais especializadas, e que assim fabricam essa fase ou componente (eventualmente) com menores custos e maior qualidade, pois trata-se de uma empresa mais especializada nessa actividade específica. No limite, algumas empresas industriais chegam a subcontratar todas as suas fases de fabricação, passando apenas a desempenhar actividades de gestão, coordenação e controlo.

Mas essas empresas subcontratadas podem estar localizadas fora da região ou do país. Além disso, o processo de subcontratação implica uma diminuição das necessidades de trabalho na empresa de origem. Alguns dos seus trabalhadores podem (ou não) ser transferidos para as empresas subcontratadas ou ser despedidos.

Por conseguinte, a subcontratação industrial constitui um mecanismo muito eficiente de organizar a produção industrial através do estabelecimento de acordos de cooperação entre várias unidades complementares de produção, nomeadamente entre o principal contratante e os vários fornecedores ou subcontratados.

Neste tipo de acordo, o principal contratante confia a uma ou várias empresas a produção de partes, ou componentes, de submontagens ou a provisão de serviços industriais adicionais que são necessários para a finalização do produto final do principal contratante, o que lhes permite atingir níveis mais elevados de especialização em determinados campos e sectores (cf. Morcos: 2003).

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1. Tipos de subcontratação:
• Subcontratação de capacidade. Nesta situação, a principal razão que está por detrás da relação de subcontratação é o facto de o principal contratante não ter suficiente capacidade para levar a cabo a fabricação de um componente específico, de uma parte ou material (cf. Cuny; de Crombrugghe, 2000: 16).
• Subcontratação de especialização. Neste caso, o principal contratante confia nos serviços de um subcontratado ou conjunto de subcontratados que têm equipamento ou maquinaria especializada e trabalhadores qualificados para poder levar a cabo tarefas complexas e de precisão (cf. idem).

2. Objectivos de subcontratação:
• Redução de custos
• Maior flexibilidade
• Maior qualidade dos produtos
• Mecanismo de resposta às flutuações da procura
• Acesso a regiões com potencial de crescimento económico

3. Benefícios derivados da subcontratação:
• Produtividade acrescida
• Utilização de capacidades suplementares
• Economias de escala
• Transferência de tecnologia
• Mitigação de risco
• Apoio financeiro

As empresas poderão optar por externalizar certas funções inerentes ao seu processo produtivo, na medida em que o recurso ao sistema de preços de mercado (custo de transacção) lhes permita assegurar essas funções a um custo menor que aquele que teria de suportar ao internalizar essas funções. Assim, a subcontratação a nível internacional pode ocorrer quando existe uma cessação parcial ou total da actividade de produção de bens ou serviços nas empresas subcontratadas no próprio país, com redução de mão-de-obra. Desse modo, a mesma actividade pode ser subcontratada numa base regular com outra empresa ou instituição no estrangeiro. A empresa contratante procede à importação desses bens e serviços para assim satisfazer a procura interna no seu país. No caso de subcontratação no estrangeiro, é possível que essa empresa deslocalize algumas das suas actividades através de um processo de externalização do mercado interno. Assim, de acordo com a OCDE, a “deslocalização em sentido lato envolve recurso a subcontratação internacional sem investimento directo” (OECD, 2007)

 

A localização de empresas e mercados de trabalho locais

O termo localização “não significa uma concentração acidental de vários processos produtivos estabelecidos no mesmo local devido à atracção de factores próprios da região. Pelo contrário, as empresas enraízam--se no território, e não é possível conceptualizar este fenómeno sem ter em conta a sua evolução histórica. (...) Toda a unidade de produção em actividade num distrito deve ser simultaneamente considerada como uma entidade dotada de uma história própria – tanto quanto o permite a sua rede de interdependência –, em princípio indissociável do seu terreno de origem, e como uma peça particular num distrito particular” (Becattini, 1994: 21).

De acordo com Maia et al . (2000), “a deslocalização das actividades económicas está profundamente relacionada com a alteração dos factores que presidiram à localização de uma empresa num determinado espaço” (p. 36). Esses factores dizem respeito aos elementos da oferta (custos de fabricação, rendibilidade do investimento, qualificações do mercado de trabalho, produtividade do trabalho, organização do processo produtivo). Dizem respeito também aos elementos da procura (natureza do produto, acesso aos mercados, estrutura e dimensão do mercado de consumo). Podem ainda ter a ver com os factores de competitividade territorial (infra-estruturas de transporte e de comunicação, sistemas regionais de inovação, instituições de formação e de apoio ao investimento). A existência de redes empresariais locais pode também ser um factor de localização empresarial, pois “a aglomeração espacial parece apresentar benefícios importantes, no sentido de que propicia uma proximidade, facilitadora de processos de negociação e cooperação, facilitadora da transmissão de conhecimentos e facilitadora da flexibilidade produtiva e organizativa” (Corvelo et al. , 2001: 86).

Além disso, e de acordo com F. Pike (1992), as pequenas empresas organizadas num sistema de sector industrial único podem competir com as grandes empresas actuando em associação. Isto é podem constituir uma rede de empresas que pode beneficiar das economias de escala do mesmo modo que beneficiam as grandes empresas individualmente. Ora isto significa que as empresas podem beneficiar de uma situação em que o aumento da capacidade de produção e o seu uso completo assegura mais eficiência e custos unitários mais baixos.

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Deslocalização

A deslocalização refere-se a um movimento geográfico de transferência de actividades produtivas, como resultado de um mais vantajoso preço de custo. Assim, os principais determinantes da deslocalização das actividades económicas dizem respeito aos factores de localização empresarial, ao ciclo de vida dos produtos, à divisão internacional e especial do trabalho e ao investimento directo estrangeiro.

Este movimento internacional das actividades produtivas é, não apenas o resultado final de uma estratégia empresarial deliberada, mas também o resultado das relações competitivas entre os diferentes países, com efeitos evidentes na organização dos mercados. A deslocalização encontra-se no centro das questões do emprego nos países em desenvolvimento.

O investimento directo estrangeiro (IDE, ou FDI -Foreign direct investment ) constitui um agregado de actividades económicas empresariais que é parte da contabilidade financeira de um país. Faz parte também dos dados estatísticos da balança de pagamentos. Este tipo de investimento integra as seguintes características:

• A aquisição de parte do capital e/ou empréstimo de capital através de aquisições ( mergers and takeovers ), de cooperações ( joint ventures ), e do estabelecimento de novas empresas subsidiárias;
• Lucros obtidos por subsidiárias externas que são ganhos reinvestidos e
• Transferências de capital de empresas-mãe para subsidiária (Bartels e Pass, 2000, p. 44).

Este processo implica a existência de vantagens competitivas na internacionalização das empresas: vantagens de propriedade, de localização e de internalização (Dunning, 1998). Para isso é necessário deter activos intangíveis que não são acessíveis aos concorrentes do pais para onde a empresa se internacionaliza. A rendibilização desta vantagem pode ser feita por internalização das actividades no exterior. Mas pode também ser cedido o uso dessa vantagem mediante uma licença (ou contrato). Os factores de localização no mercado de destino são também importantes. Por exemplo, a dimensão do mercado, o nível de desenvolvimento das infra-estruturas e as tendências de crescimento, e a existência de políticas de apoio ao investimento.

Como Gaston e Nelson (2002) referem, a maior porção dos fluxos de IDE a nível internacional é dirigida para países industrializados. Este padrão tem sido mais ou menos estável desde meados do século passado até hoje. Por exemplo, no período de 1980 a 2001, os países desenvolvidos receberam uma média anual de 76 % de todo o IDE a nível global. Os países em desenvolvimento receberam uma média anual de 24 % desse fluxo de capital. Portugal também apenas conhece um aumento acentuado de IDE após a adesão à CEE.

A normalização de muitos processos empresariais combinados com a digitalização da informação tornou possível a deslocalização das actividades económicas (ou a sua externalização). Isso levou à introdução de uma divisão internacional do trabalho de processamento de informação.

 

Deslocalização e mercados de trabalho

A deterioração das condições do mercado de trabalho, especialmente para os trabalhadores não qualificados, tem sido uma questão central em muitos países da OCDE durante as últimas décadas.

A deslocalização de empresas tem estado frequentemente aliada à questão da crescente penetração das importações vindas de países com baixos salários. Esses produtos importados incluem também o comércio de produtos intermédios. E esse fluxo comercial tem muitas vezes consequências adversas no mercado de trabalho pouco qualificado dos países desenvolvidos, pois esses são os primeiros a ser excluídos do processo de trabalho.

Um dos argumentos mais vezes avançados para explicar o aumento do desemprego em países desenvolvidos baseia-se em três dimensões:

1) mudança geográfica das actividades produtivas para países em desenvolvimento,
2) utilização de sistemas de subcontratação nesses países em desenvolvimento, ou
3) aumento de importações a partir de países em desenvolvimento.

De qualquer modo, pode dizer-se que as mudanças nos sistemas comerciais de troca internacional produziram sempre significativos efeitos adversos sobre o emprego. Isso tem vindo a acontecer, em particular, nas indústrias e sectores de trabalho intensivo. Os principais têm sido os sectores têxteis, de vestuário, dos produtos florestais, do mobiliário, calçado, bebidas, alimentação e tabaco.

Numa economia global, os países são conduzidos para usar intensivamente os recursos (sejam eles naturais ou humanos) de que estejam melhor fornecidos ou capacitados. Noutras palavras, os países mais desenvolvidos deveriam concentrar-se mais em actividades de capital intensivo ou de elevada qualificação, enquanto os países em desenvolvimento se deveriam concentrar em actividades de trabalho intensivo ou de baixas qualificações. Mas esta situação não tem sido assim linear. Pode observar-se, contudo, que desde 1990 a 2006, 70% das importações industriais norte-americanas vinham de outros países da OCDE, ou seja, de países desenvolvidos. Em contraste, as importações vindas de países em desenvolvimento, apesar de terem aumentado nos anos 80, apenas contabilizavam 2,1% do PIB norte-americano (cf. Lawrence, 1994, p. 13). Além disso, Sachs e Shatz (1994, citados por Lawrence: 1994, idem) consideram que no período de 1978 a 1990, o comércio com países em desenvolvimento reduziu o emprego industrial nos Estados Unidos em 5,7%, num valor global calculado para o emprego nesse sector em cerca de 1%. No entanto, outros autores sublinham que a magnitude da deslocalização (pela subcontratação internacional) é demasiado pequena para poder influenciar as mudanças observadas nos salários e no emprego norte-americano. Concluem que as mudanças no mercado de trabalho interno foram devidas sobretudo a factores domésticos (cf. Lawrence, 1994: 16).

Para Villemus, “o impacto das deslocalizações deve ser avaliado à luz desta diversidade de formas de produção no estrangeiro. As deslocalizações puras , (...) destroem directamente empregos, uma vez que consistem em fechar ou em reduzir uma actividade, a fim de transferi-la para o estrangeiro, antes de os produtos fabricados regressarem para serem comercializados no mercado de origem” (Villemus, 2007: 52). A destruição de emprego constitui um dos principais problemas sociais relacionados com os processos de internacionalização da economia e do desenvolvimento empresarial. No entanto, isso não significa que tenha de ser um processo de relação causa-efeito. Existem estratégias equilibradas que evitam os efeitos negativos. E são esses que devem ser procurados, pelos empresários, pelos governos e também pelos parceiros sociais. Trata-se de um desafio a resolver em conjunto.

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* António Brandão Moniz

Sociólogo especializado em Sociologia do Trabalho e das Organizaç\ões. Doutorado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Presidente do IET – Centro de Investigação em Inovação Empresarial e do Trabalho, Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Nova de Lisboa (UNL).

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Referências bibliográficas

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BECATTINI, G., 1994 – “O Distrito Marshalliano – uma noção socioeconómica” in BENKO, G.; LIPIETZ, A. (orgs.) – As Regiões Ganhadoras – Distritos e Redes, os novos paradigmas da Geografia Económica. Oeiras: Celta Editora: 19-31.

CORVELO, S. et al ., 2001 – Redes Interorganizacionais. Lisboa: INOFOR.

CUNY, C.; DE CROMBRUGGHE, A., 2000 – Guide for the Creation of Industrial Subcontracting Partnership Promotion Centres (or Exchanges). United Nations Industrial Development Organisation.

DUNNING, J. (ed.), 1998 – Globalization,.Trade and Foreign Direct Investment. London: Elsevier.

DUNNING, J.; R. NARULA, 2004 – Multinationals and Industrial Competitiveness: A New Agenda. Cheltenham: Edward Elgar, pp. 320.

GARRIGÓS-SOLIVA, D.; DE CROMBRUGGHE, A.; SARRIÓN, E. – Practical Case Studies on Industrial Subcontracting and Partnership. United Nations Industrial Development Organisation.

LAWRENCE, R. Z., 1994 – Trade, Multinationals and Labour. National Bureau of Economic Research Working Paper Number 4836.

MAIA, P. (coord.), 2000 – Deslocalização de empresas e emprego. Lisboa: OEFP, 190 pp.

MORCOS, J.-L., 2003 – Subcontracting versus Delocalization? A survey of the literature and case-studies from the SPX network. Viena: UNIDO

OECD, 2007 – International Direct Investment Statistics on CD-ROM: 1981-2006. Paris.

PIKE, F., 1992 – Industrial Development Through Small-Firm Cooperation – Theory and Practice. Genebra: OIT.

STIGLITZ, J., 2002 – Globalization and its discontents. Londres: Penguin Books, 288 pp.

VILLEMUS, P., 2007 – As deslocalizações de empresas. Ainda teremos emprego amanhã?. Porto: Ed. ASA.

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