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- JANUS 2008 -



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Sindicalismo e movimentos sociais

Elísio Estanque *

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O movimento operário emergiu, como se sabe, na sequência de um conjunto de convulsões que marcaram a Europa da era moderna, desde finais do século XVIII. Foram as duras condições impostas pelo capitalismo selvagem do século XIX que fizeram emergir o operariado como classe. O nascimento da chamada working class em Inglaterra forjou-se da fusão entre identidades comunitárias e identidades de classe, num quadro de relativa dispersão e sob a influência de ambientes culturais específicos. Ou seja, a classe operária não surgiu, como por vezes se pensa, animada fundamentalmente por objectivos progressistas, revolucionários ou emancipatórios mas, em boa medida, a partir de lutas desencadeadas em nome da defesa da comunidade e muitas vezes contra a inovação técnica, como foi o caso do movimento ludista (Thompson, 1987; Savage, 2004).

Porém, nem a resistência dos trabalhadores à inovação e ao progresso técnico nem a dimensão meramente reivindicativa da acção sindical exprimem a existência de um movimento social. Para Alain Touraine, “não há movimento social enquanto os operários se opuserem à industrialização e partirem as máquinas ou resistirem às novas técnicas... Para que se torne movimento social é necessário que fale em nome dos valores da sociedade industrial e se torne defensor dos mesmos contra os seus próprios adversários” (Touraine, 1994: 285). Assim, um movimento social só existe quando uma dada luta colectiva obedece aos princípios de (i) identidade (uma comunidade mobilizada e animada por um sentimento de pertença), (ii) oposição (a existência de um adversário comum, claramente identificado), (iii) totalidade (com objectivos sociais mais vastos e apoiado por um projecto cultural alternativo) (Touraine, 1984; Dibben, 2004).

Se o movimento operário pode ser considerado um movimento social de classe, isso significa que, historicamente, a acção reivindicativa da classe trabalhadora é inseparável dos objectivos políticos de longo prazo que animaram as suas lutas. Acresce que o sindicalismo foi, desde sempre, pautado pela diversidade das suas lógicas de actuação. O objectivo de conciliar a luta por melhorias salariais e de condições de trabalho com a missão de solidariedade internacionalista só em certas circunstâncias históricas teve algum sucesso. A penetração da doutrina marxista nos meios operários, designadamente na sequência das Internacionais Operárias, contribuiu para desenvolver uma identidade colectiva – “de classe” –, que se propunha guiar os trabalhadores e a humanidade para uma sociedade liberta de injustiças: o socialismo.

A velha palavra de ordem de finais do século XIX, “a empresa aos operários”, exprimiu, desde logo, essa utopia operária fundada na aspiração colectiva de pôr fim à exploração e à dominação social. Mas, apesar de o velho slogan do Manifesto Comunista ter tido efeitos positivos na consciência internacionalista da classe trabalhadora, a grande narrativa da classe operária não passou afinal de uma mistificação. O fenómeno social concreto foi confundido com esse discurso mítico que erigiu o proletariado em hipersujeito e porta-bandeira da revolução, se bem que entre o “nome” e a “coisa” nunca existisse uma real coincidência (Cabral, 1983). Entre a linguagem de classe (Jones, 1989) enquanto entidade homogénea e o fenómeno em si, sujeito a dinâmicas socioculturais específicas, sempre houve mais dissonâncias do que sintonias. Todavia, o discurso produziu identidade ou, pelo menos, identificações colectivas que mobilizaram milhões de trabalhadores.

Apesar de alguns teóricos clássicos do movimento sindical, como o casal S. & B. Webb (1976), terem acentuado acima de tudo a vertente economicista e funcional dos sindicatos – o chamado “sindicalismo de mercado” –, que efectivamente deu lugar às modalidades mais corporativas e institucionais do sindicalismo moderno, diversas correntes colocam antes a ênfase na ideia do sindicalismo como movimento social , a qual é justificada pela conjugação de aspectos como a defesa da democracia directa, o auto-empoderamento e a consciencialização perante os problemas mais amplos da classe. Este sindicalismo de movimento pode, assim, definir-se pelos seguintes traços: i) a afirmação de identidades e interesses colectivos dos trabalhadores; ii) a tensão entre a defesa dos interesses da classe trabalhadora e as lutas mais gerais contra a opressão; iii) a prioridade dada à relação ‘normal' de emprego caracterizada pelos contratos de emprego permanente, em que a actividade grevista teve maior impacto; e, finalmente iv) a representação da classe trabalhadora no seu conjunto e a sua organização em bases nacionais e não internacionais (Melucci, 1996; Dibben, 2004). É claro que estes traços genéricos não se aplicam uniformemente a todos os sindicatos, dada a heterogeneidade dos seus modelos organizativos e formas de intervenção. Por outro lado, a interferência de forças partidárias e as pressões institucionais foram sempre uma constante. Além disso, também os impactos quer das mudanças conjunturais e estruturais, quer dos contextos locais, contribuíram para matizar a diversidade dos sindicatos.

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Do Estado-providência aos novos movimentos sociais

A edificação do Welfare State baseou-se num novo modelo social – contratualizado por sindicatos, patronato e Estado – que consubstanciou importantes conquistas para os trabalhadores, elevando os níveis de bem-estar material, garantindo estabilidade de emprego e oportunidades de carreira. O estímulo ao individualismo e ao consumismo traduziu-se na crescente pulverização da acção colectiva, inibindo a tradição de luta do movimento operário. Pode dizer-se que o mercado e o Estado se conjugaram com as estruturas sindicais na promoção de dispositivos de regulação dos conflitos e na criação de políticas sociais que ajudaram a consolidar o emprego como canal privilegiado de mobilidade social e factor de prestígio social.

Tais mudanças tiveram, entre muitas outras consequências, a de alterar significativamente o papel do sindicalismo. A sua crescente influência no plano institucional no desenhar das grandes reformas sociais, enquanto parceiro do Estado, teve como contraponto uma progressiva perda de influência junto das bases, em especial no sector operário, o qual entretanto entrou em perda perante a rápida terciarização do emprego (Gorz, 1999). Todo este processo de transformação deu lugar a novas lógicas de regulação hegemónica, e teve como consequência a “canibalização” das velhas bandeiras de luta do movimento operário, daí resultando, portanto, o reforço da economia capitalista e a fragilização do sindicalismo (Santos e Costa, 2004). Assim, enquanto crescia o sector terciário e a chamada classe de serviço (a classe média assalariada), assistia-se a um progressivo declínio das taxas de filiação sindical, se bem que no funcionalismo público elas se tenham mantido relativamente elevadas, o que se liga ao desenvolvimento de lógicas neocorporativistas de acção por parte dos sindicatos dos sectores mais estáveis do emprego.

Os chamados novos movimentos sociais (NMSs) nascidos na década de 60 trouxeram para a arena política formas criativas de activismo e intervenção pública, introduziram um novo discurso, novas e mais democráticas modalidades de organização, demarcando-se dos velhos movimentos e partidos políticos. Perante o clima da guerra fria que então se vivia, a corrida aos armamentos, a guerra do Vietname, o espectro de uma guerra nuclear, a crise do Estado-Providência, lado a lado com a demarcação perante a ortodoxia leninista e estalinista – sobretudo após a Primavera de Praga –, expandiram-se amplas movimentações e protestos, dinamizados por variados segmentos sociais mas em especial pela juventude escolarizada, propondo-se mudar radicalmente o mundo mas simultaneamente pretendendo transformar o “sistema” e o “mundo da vida” (Eyerman e Jamison, 1991; Habermas, 1998; Touraine, 1994).

O desenvolvimento de uma geração em ruptura com o passado e com as instituições e valores convencionais já se vinha desenhando desde os anos 50, através da música rock , do cinema, da poesia, da arte, da literatura e de outras expressões, em que a rebeldia sem causa da juventude deu lugar a culturas de dissidência que alimentaram o florescimento dos NMSs. Sob diferentes modalidades, o ciclo de protestos que desencadearam – pacifistas, feministas, ambientalistas, estudantis, etc. – trouxeram uma nova aura de utopia e esperança à luta política de então. Contendo no seu seio uma vasta gama de sensibilidades e ideologias (incluindo o trotskismo, o maoísmo e até grupos assumidamente estalinistas), os movimentos dos anos 60-70 parecem ter tido nessa heterogeneidade transclassista a base da sua autonomia. Demarcaram-se da “vanguarda operária” e imprimiram novos contornos à conflitualidade social, enquanto o sindicalismo, por sua vez, não deixou de olhá-los com desconfiança e cepticismo.

Animados sobretudo pelos sectores radicais da juventude politizada das classes médias urbanas, os NMSs mostraram ainda a sua novidade em aspectos como as estruturas flexíveis e formas ad hoc de organização, as lideranças efémeras e relativamente espontâneas, os objectivos de luta simultaneamente imediatos e de longo prazo (o futuro é agora!), as denúncias locais e globais (pensar globalmente, agir localmente!) e ainda a espectacularidade das acções públicas, chamando a atenção dos mass media . A variedade de segmentos sociais por eles “tocados” comprovou a sua capacidade de congregaram alianças de grande amplitude. Mas, tais alianças não se fundaram nem numa estratégia política de longo prazo nem em torno de um modelo alternativo de sociedade. O forte impacto político, social e cultural que os NMSs tiveram obedeceu mais a uma influência e até a uma “contra-cultura” geracional, que se propagou daí em diante e que, mesmo depois do seu esvaziamento, continuou a repercutir-se na sociedade sob diversas formas.

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Informação Complementar

Precariedades

As profundas transformações em curso na esfera laboral reflectem-se simultaneamente nas relações de trabalho e na relação com o emprego, originando diferentes formas de integração profissional e de precariedade. Durante muito tempo pensou-se que o trabalho traria satisfação baseada num equilíbrio entre: o próprio acto de trabalhar e a autonomia que ele conferia; a retribuição económica obtida através do trabalho; e o reconhecimento social, ou status , realizado por via dele.

Numa obra de S. Paugam (PAUGAM, Serge - Le Salarié de la Précarité. Paris: PUF, 2000) a sobre este assunto analisam-se as implicações das mudanças em curso no aumento da precariedade. Enquanto esse equilíbrio se manteve, foi possível garantir ao trabalhador uma integração assegurada (1), que correspondia a uma dupla segurança, por um lado, o reconhecimento material e simbólico retirado do trabalho e, por outro, a protecção social associada a um emprego estável e a mecanismos assistenciais que conferiam protecção. Porém, no actual cenário laboral expandem-se três formas de “desvio” a esse modelo: – integração incerta (2): satisfação no trabalho com instabilidade do emprego, como é o caso das empresas em dificuldades, mais ou menos condenadas à redução de efectivos ou ao encerramento; – integração laboral (3): insatisfação no trabalho, mas com estabilidade do emprego, como acontece, por exemplo, em empresas que sofreram reestruturações do sistema produtivo mas permanecem sólidas; – integração desqualificante (4): insatisfação no trabalho com instabilidade do emprego, corresponde à forma mais marcada pela precariedade profissional, como é o caso de muitas empresas multinacionais, onde existe o perigo constante de deslocalização.

Hoje, estes três “desvios” ( sic Paugam) só não constituem um novo padrão porque entre eles permanece uma grande diferença de situações. A condição precária faz aumentar o processo de desilusão social e conduz à redução dos níveis de participação cívica, associativa e política. É sobretudo entre os assalariados próximos da integração incerta e da integração laboral que mais penetra o sentimento de medo perante as formas de poder despótico que proliferam nas empresas, associadas às forças da economia e do mercado. Por seu lado, os assalariados próximos da integração desqualificante sentem um crescente distanciamento em relação à vida colectiva da empresa, e as suas orientações pautam-se pela desilusão e frustração, fechando-se em si próprios ou extrapolando esta atitude para a esfera da vida familiar. Apesar de muitos assalariados considerarem que os motivos de contestação são, hoje, mais fortes do que no passado, a frustração induzida pela precariedade favorece a procura de soluções individuais a nível profissional, dificultando a acção colectiva. Porém, a reflexão colectiva e a sensibilidade em relação à questão da precariedade podem fazer emergir uma nova tomada de consciência que conduzirá a lutas organizadas.

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1 - Segundo dados da OIT (1998), ao longo da década de 1990 as taxas de sindicalização foram fortemente reduzidas em países como Israel (-75,7%), Nova Zelândia (-46,7%), Portugal (-44,2%), França (-31,2%), Reino Unido (-25,2%), enquanto noutros países aumentaram substancialmente, tais como na África do Sul (+126,7%), Espanha (+92,3%), Chile (+89,6%), China e Taiwan (+49,8%), Holanda (+19,3%). No caso português, os últimos dados sistemáticos que se conhecem mostram que entre 1990 e 1997 a taxa de sindicalização passou de 31,7% para 24,3%, uma das mais baixas da União Europeia (UE 15), apenas à frente da França e da Espanha (Visser, 2004.

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* Elísio Estanque

Doutorado pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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Referências bibliográficas

CABRAL, Manuel Villaverde (1983) – Proletariado: O Nome e a Coisa. Lisboa: A Regra do Jogo.

DIBBEN, Pauline (2004) – “Social movement unionism”, in Harcourt , Mark e Wood, Geoffrey (eds.) – Trade Unions and Democracy. Manchester: M. University Press.

EYERMAN, Ron e JAMISON, Andrew (1991) – Social Movements. A Cognitive Approach. Cambridge: Polity Press/Basil Blackwell.

GORZ, André (1999) – Reclaiming Work: beyond the wage-based society. Cambridge: Polity Press.

HABERMAS, Jürgen (1998) – O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: D. Quixote.

JONES, G. Stedman (1989) – Languages of Class — Studies in English Working Class History 1832-1982. Cambridge: C. University Press.

MELUCCI, Alberto (1996) – Challenging Codes. Collective Action in the Information Age. Cambridge: Cambridge University Press.

SANTOS, Boaventura S. e COSTA , Hermes A. (2004) – “Introdução: para ampliar o cânone do internacionalismo operário”, in Santos , Boaventura S. (Org.) – Trabalhar o Mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Porto: Afrontamento, pp. 17-61.

SAVAGE, Mike (2004) – “Classe e história do trabalho”, in Batalha , Claudio, et al. – Culturas de Classe. Campinas, SP: Editora da Unicamp, pp. 25-48.

THOMPSON, E. P. (1987 [1963]) – A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

TOURAINE, Alain (1984) – Le Movement Ouvrier. Paris: Fayard.

TOURAINE, Alain (1994) – Crítica da Modernidade. Lisboa: Instituto Piaget.

VISSER, Jelle (2004) – “Patterns and variations in European industrial relations”, in Industrial Relations in Europe 2004. Bruxelas: Employment and Social Affairs DG.

WEBB, Sidney & Beatrice (1976 [1898]) – The History of Trade Unionism. Nova Iorque: AMS Press.

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Dados adicionais
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(clique nos links disponíveis)

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