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- JANUS 2008 -



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Entre os velhos e os novos activismos

Elísio Estanque *

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A acção colectiva, para ter lugar e ganhar impacto social e político, comporta o confronto entre actores e objectivos opostos, mas também (como assinalei na primeira parte) uma exigência identitária, a qual passa pela construção de representações simbólicas, muitas vezes apoiadas na promessa de recuperação do sentido comunitário, que os processos sociais destruíram ou ameaçaram devido à acção predadora do mercado e do Estado. Na Inglaterra do século XIX e noutros contextos mais recentes, de que pode ser exemplo o caso português – com o 25 de Abril de 1974 –, a mobilização popular não se deveu apenas a motivações políticas e económicas (nem a causas racionais, da ordem da “consciência” ou dos “interesses”), mas também, talvez sobretudo, a factores culturais e identitários. E estes foram construídos a partir de estímulos discursivos dirigidos ao imaginário colectivo, em nome da “boa” comunidade, solidária e justa (fosse ela o “povo”, a “classe operária”, o “MFA” ou o “socialismo”), apelando a identificações estruturadas contra um adversário conotado com um passado que agrediu a dignidade, que reprimiu, explorou, etc. A identidade precede os interesses. Mesmo a participação, a solidariedade e o prazer colectivamente partilhado correspondem ao desejo de reconstrução comunitária, quer este seja virado para um passado nostálgico e em nome das “raízes”, quer para um futuro promissor e “emancipatório” ou, o que é mesmo, subjectivamente vivido enquanto tal (Tilly, 1978; Morris, 1996).

Muitas revoluções e protestos sociais ao longo da história começaram por movimentos de carácter disperso e espontâneo baseados nesse tipo de elementos (Skocpol, 1985). Porém, à medida que os movimentos se vão expandindo e ganhando força, à medida que se afirmam as suas lideranças, se estruturam as suas bases organizativas e orientações ideológicas, tende do mesmo passo a reforçar-se a componente formal e, por isso, as conquistas alcançadas pelos movimentos sociais caminham geralmente de par com o apagamento das suas lutas.

O movimento sindical, embora em muitos países também se tenha envolvido nas contestações promovidas pelos NMSs, prosseguiu o seu caminho autonomamente. Mas, sobretudo em sociedades que não passaram por uma forte industrialização, os movimentos reúnem geralmente “novas” e “velhas” lógicas de acção e transportam muito da dimensão comunitária atrás referida. São conhecidos alguns contextos particulares, nomeadamente aqueles onde a luta de massas e o clima de agitação política foram mais intensos – como aconteceu em Portugal – em que o sindicalismo e os movimentos populares se misturaram de tal modo que foi impossível distingui-los.

A Revolução dos Cravos foi vista por muitos como expressão de continuidade dos NMSs da década anterior no plano internacional, um exemplo que chegou a criar expectativas de construção de um modelo “único” de democracia participativa. Mas, ao mesmo tempo, os partidos da extrema-esquerda e o PCP, que integravam essas mobilizações, advogavam uma “ditadura do proletariado” ou sonhavam com um novo enclave “socialista” na Península Ibérica, de matriz soviética. Tais tensões exprimiram não só enquadramentos ideológicos contrastantes, mas igualmente uma combinação dialéctica entre movimentos de velho e de novo tipo.

Seja como for, a “utopia” portuguesa desvaneceu-se rapidamente e a história prosseguiu com a institucionalização da democracia representativa e a posterior adesão do país ao clube da UE. Assim, o campo laboral e as estruturas sindicais foram progressivamente colocadas perante problemas comuns aos outros países europeus, derivados da abertura de fronteiras e da globalização económica.

Entre os efeitos da globalização neoliberal, iniciada na década de 1980, surgiram novas formas de trabalho mais desreguladas e expandiu-se um quadro social marcado pela terciarização, flexibilidade, subcontratação, individualização e precariedade da força de trabalho (e do próprio emprego). Assistiu-se a uma progressiva redução de direitos laborais e sociais, e ao aumento da insegurança e do risco, num processo que se vem revelando devastador para a classe trabalhadora e o sindicalismo neste início do século XXI (Beck, 2000; Castells, 1999). Já não são os direitos laborais que se pretende defender, mas apenas o emprego. E reforça-se a ideia de que “o pior dos empregos é sempre preferível ao desemprego”, o que traduz bem a debilidade em que se encontra hoje o trabalhador. O actual compromisso capital-trabalho não passa de uma aparência de compromisso, ou seja, uma imposição de novas e mais precárias condições ao parceiro mais fraco do contrato (Santos, 2006).

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Novos activismos em rede e novos desafios sindicais

Tomados por muitos como factores de bloqueio ao crescimento económico e ao desenvolvimento, os sindicatos queixam-se, com razão, de que estamos a regressar aos tempos “satânicos” de Marx. Mas, apesar disso, a mítica classe operária que alimentou o discurso sindicalista do passado está em irreversível desagregação e não surge no horizonte nenhuma outra entidade capaz de congregar a unidade dos assalariados. As actuais pressões do mercado e da economia global deixam aos sindicatos uma margem de manobra cada vez mais estreita, mas por outro lado o esforço de actualização por parte das estruturas sindicais tem sido diminuto e insuficiente para responder aos problemas da actualidade.

Nas últimas décadas, enquanto a economia e os mercados deixaram de estar confinados a fronteiras, o movimento sindical revelou grandes dificuldades em agir para lá do âmbito nacional (e muitas vezes sectorial). A globalização revela-se contraditória e gera efeitos paradoxais, por vezes justapondo lógicas globais e locais. Expressão dessas contradições foi a recente onda de movimentos sociais que se reclamam de “alterglobalização”. Os repetidos protestos desencadeados desde a cimeira da OMC em Seattle, em 1999, que culminaram com os encontros do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre e noutras cidades, revelaram alguns aspectos inovadores das novas redes de activismo global do século XXI.

Apesar de o sindicalismo apenas timidamente se ter envolvido nessas iniciativas, o actual contexto apresenta um conjunto de novos desafios para o movimento sindical e outros movimentos sociais. Diversos autores e académicos têm formulado a necessidade de se criarem novas alianças e dinâmicas internacionalistas, como condição para revitalizar o sindicalismo perante as preocupantes desigualdades e injustiças que se acentuam em todos os continentes, alegando que a globalização do capital exige respostas igualmente globalizadas por parte das suas vítimas (1) (Waterman, 2002; Estanque, 2007).

Daí o apelo à criação de novas redes de activismo transnacional. Estas, porém, só poderão fortalecer-se com um sindicalismo de novo tipo – um sindicalismo de movimento social global – orientado para a intervenção cidadã, que se estenda para além da esfera laboral; que passe das solidariedades nacionais para as transnacionais, de dentro para fora, dos países avançados para os países pobres; que não abdique da defesa dos valores democráticos, mas em que estes se alarguem à democracia participativa (nas empresas, escolas, cidades, comunidades, etc); que coloque as questões ambientais e a defesa dos consumidores, dos saberes e tradições culturais locais no centro das suas lutas e negociações; que resista ao capitalismo destrutivo através de um maior controlo sobre o processo produtivo, os investimentos, a inovação tecnológica e as políticas de formação e qualificação profissional; que pense os problemas laborais no quadro mais vasto da sociedade, da cultura ao consumo, do trabalho ao lazer, da empresa à família, do local ao global (Estanque, 2004; Hyman, 2002).

Mas tudo isto pressupõe uma estratégia ambiciosa que rompa com a prática de acomodação ao funcionamento burocrático em que boa parte do sindicalismo de hoje se deixou enredar. Exige uma reflexão séria e uma atitude autocrítica e porventura mais humilde da parte das actuais lideranças. Por exemplo, o recurso aos meios informáticos, que os movimentos “alterglobalização” têm sabido utilizar desde Seatle, a extraordinária capacidade que a Internet e o ciberespaço disponibilizam para aceder, acumular e divulgar a informação em fracções de segundo, mostra como o activismo “virtual-real” poderia ser uma poderosa arma ao serviço do movimento sindical (Ribeiro, 2000; Waterman, 2002). Mas permanece no ar a dúvida sobre se os seus dirigentes, formados no velho modelo nacional-industrial, conseguirão responder a estes desafios ou se deixarão definhar um sindicalismo já em acelerado processo de descredibilização.

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Informação Complementar

A burocracia nos sindicatos

Para além das condições sociais mais gerais, cujos impactos sobre a acção sindical foram em muitos casos devastadores, o processo de fragilização por que vêm passando os sindicatos nas últimas três ou quatro décadas deve-se também a responsabilidades que lhes são próprias. A questão da democracia interna, a tendência à burocratização, a resistência à renovação das lideranças e as dificuldades de manter uma permanente ligação às bases constituem alguns dos obstáculos que se colocam à revitalização do sindicalismo.

Já nos anos 20, Robert Michels (1) concebeu a chamada lei de bronze da oligarquia, reflectindo sobre o funcionamento dos partidos e sindicatos, em que chamou a atenção para os efeitos perversos do crescimento organizacional, que leva à criação de estruturas de poder que promovem e reproduzem os interesses dos próprios dirigentes em desfavor das bases. A questão não é, portanto, nova. Também nos anos 30 do século passado, Anton Pannekoek (2), um velho marxista que desde cedo criticou o regime soviético e que privilegiava a defesa dos conselhos operários e da autogestão como solução alternativa para a emancipação da classe operária, referia, num texto de 1936, que a organização sindical “já não é uma assembleia de operários; forma um corpo organizado, que possui uma política, um carácter, uma mentalidade, tradições que lhe são próprios. Os seus interesses são diferentes dos da classe operária, e nunca recuará para os defender. Se algum dia os sindicatos perdessem a sua utilidade, ainda assim não desapareceriam.” Ainda segundo ele, muitos sindicatos tornaram-se grandes organizações, dominadas por dirigentes e quadros que funcionam numa base profissional, burocratizaram-se, familiarizaram-se com a linguagem institucional e patronal, tratam os empresários de igual para igual ao mesmo tempo que se afastaram da realidade laboral e ignoram as condições degradantes em que trabalham as camadas mais vulneráveis e desqualificadas da força de trabalho.

Se estas tendências e perigos de perversão burocrática por parte do sindicalismo já vinham sendo apontadas desde as primeiras décadas do século passado, nos últimos cinquenta anos elas acentuaram-se ainda mais. Embora se possa argumentar que tais características não são generalizáveis a todas as experiências de organização e acção sindical – uma afirmação que só pode merecer concordância –, o certo é que os traços de rigidez, as restrições à democracia interna, a perda de capacidade inventiva e de dinamismo por parte das principais correntes do movimento sindical se foram tornando particularmente notórias, sobretudo a partir dos anos 60. A emergência dos novos movimentos sociais (NMSs), nesse período, ajudou a revelar ainda mais essa realidade.

1 - MICHELS, Robert (2001) – Para uma Sociologia dos Partidos Políticos na Democracia Moderna. Lisboa: Antígona.

2 - PANNEKOEK, Anton (1934) – O Sindicalismo , em http://www.marxists.org/portugues/pannekoe /1936/01.htm (acesso em 22 de Setembro de 2007).

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1 - Aqueles sectores particularmente dependentes e precários que a nova tecnocracia, isto é, a nova classe capitalista transnacional (Sklair, 2001) considera como os “detritos” da avassaladora onda da (boa) globalização.

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* Elísio Estanque

Doutorado pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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Referências bibliográficas

BECK, Ulrich (2000) – Un nuevo mundo feliz: la precaridad del trabajo en la era de la globalización. Barcelona: Paidós.

CASTELLS, Manuel (1999) – A sociedade em Rede — A era da informação: economia, sociedade e cultura, Vol. 1, São Paulo: Paz e Terra.

ESTANQUE, Elísio (2004) – “A Reinvenção do sindicalismo e os novos desafios emancipatórios: do despotismo local à mobilização global”, in Santos, Boaventura S. (org.) – Trabalhar o Mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Porto: Afrontamento, p. 297-334.

ESTANQUE, Elísio (2007) – “A questão social e a democracia no início do século XXI: participação cívica, desigualdades sociais e sindicalismo”, Finisterra – Revista de Reflexão Crítica, vol. 55/56/57.

HYMAN, Richard (2002) – “Europeização ou erosão das relações laborais?”, Revista Crítica de Ciências Sociai , 62. Coimbra: CES, p. 7-32.

MORRIS, Paul (1996) – “Community Beyond Tradition”, in Paul Heelas et al. (eds.), Detraditionalization. Oxford: Blackwell, 223-249.

RIBEIRO, Gustavo Lins (2000) – “Política Cibercultural: ativismo político à distância na comunidade transnacional imaginada-virtual”, in Alverez, S., Dagnino, E. e Escobar, A. – Cultura e Política nos Movimentos Sociais Latino-Americanos. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 465-502.

SANTOS, Boaventura S. (2006) – A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. Porto: Afrontamento.

SKLAIR, Leslie (2001) – The Transnational Capitalist Class. Oxford/Malden, MA: Blackwell.

SKOCPOL, Theda (1985) – Estados e Revoluções Sociais. Lisboa: Editorial Presença.

TILLY, Charles (1978) – From Mobilization to Revolution. Addison/Mass: Wesley Publishing Company.

WATERMAN, Peter (2002) – “O internacionalismo sindical na era de Seattle”, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 62.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Percepção subjectiva dos conflitos de interesse na sociedade (%)

Link em nova janela Atitudes perante a importância do "mérito", por categoria de classe (%)

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