Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2008> Índice de artigos > O que está a mudar no trabalho humano > As relações de trabalho na empresa e o sindicalismo > [ Os desafios do sindicalismo europeu ]  
- JANUS 2008 -



Descarregar texto Descarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Os desafios do sindicalismo europeu

Maria Helena André *

separador

Passaram 50 anos sobre a assinatura do Tratado de Roma. A paz, a prosperidade e a unificação da Europa representam os sucessos mais visíveis desta aventura, iniciada por Monnet, Schuman e outros visionários.

Através da negociação, do diálogo e do compromisso, a União Europeia transformou-se numa zona de progresso económico e social, de cooperação e de democracia, única no mundo. A consolidação da democracia em Portugal, os rápidos níveis de desenvolvimento económico e social das duas últimas décadas, embora nem sempre sustentados, devem-se em grande parte à sua adesão à CEE, em 1986.

Ao longo dos anos, o processo de integração da Europa foi-se traduzindo em projectos concretos, como o Mercado Interno, a Moeda Única, as Políticas de Coesão Económica e Social. Gradualmente, a Europa dotou-se de uma dimensão social, que se juntou às componentes macroeconómica, monetária e financeira. Esta dimensão social, apesar de incompleta, tem sido fundamental para o apoio popular à integração europeia.

Também os sindicatos não ficaram indiferentes a este processo. Ao longo dos últimos 50 anos, a construção europeia contribuiu para que olhassem para além das suas próprias fronteiras, desenvolvendo gradualmente novas formas de solidariedade mútua europeia, de cooperação e de trabalho em rede, tendo influenciado o desenvolvimento económico e social. A Confederação Europeia de Sindicatos, criada em 1973, enquanto aliança democrática de sindicatos, baseada no pluralismo e na diversidade, tem contribuído para atingir esses objectivos.

Os sindicatos foram inventados na Europa. Não é por acaso que na Europa as jornadas de trabalho são mais curtas, as férias mais longas, existe uma maior responsabilidade social, sistemas de segurança social mais eficazes, serviços públicos mais universais e menos desigualdades do que noutras partes do mundo. O capítulo sobre a política social, o reconhecimento do diálogo social europeu e uma primeira agenda de política social europeia ambiciosa constituíram contributos sindicais importantes para uma Europa mais social e para o desenvolvimento do modelo social europeu. Seguiram-se a legislação sobre higiene e segurança nos locais de trabalho, condições de trabalho, não-discriminação e igualdade entre os sexos, o direito à informação e à consulta ou a criação dos Comités Europeus de Empresa.

O principal objectivo dos sindicatos na Europa tem sido a procura do equilíbrio entre dinamismo económico e dimensão social, característica que distingue, por exemplo, o modelo europeu do modelo americano.

 

Os novos desafios da Europa

Mas a dura realidade é que, desde os finais dos anos 90, a dimensão social da União Europeia tem sido negligenciada e a Europa não consegue encontrar soluções para reduzir os persistentes e elevados níveis de desemprego. O desemprego afecta grandes franjas da população europeia e contribui para o aumento da pobreza e da exclusão social. Também o mercado de trabalho europeu é mais precário, mais flexível e muitos dos empregos criados são de baixa qualidade, conduzindo a um maior dualismo e a uma maior segmentação.

A aceleração do ritmo de internacionalização da economia, a expansão de políticas neoliberais, as alterações na natureza e no conteúdo do trabalho, as reformas nos sistemas de produção, são alguns dos desenvolvimentos recentes e interdependentes que têm contribuído para pôr em questão o modelo social europeu e a própria posição das organizações sindicais nas sociedades europeias. A redução do peso do sector industrial, o aumento da importância do sector dos serviços, públicos e privados, a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, os desafios demográficos, o envelhecimento da população europeia, a alteração das estruturas familiares tradicionais implicam respostas inovadoras e apropriadas às novas necessidades do local de trabalho, à nova identidade do mercado de trabalho e à própria sociedade.

A própria face do capitalismo está em profunda mutação. Desde a queda do comunismo, o capital tem o mundo a seus pés, apesar de o proteccionismo continuar a existir em muitas partes do mundo. O modo de funcionamento dos mercados financeiros e dos bancos, associado ao aumento de novas formas de investimento, como os fundos especulativos (hedge funds), ou fundos das empresas de capitais de risco (private equity) sofreram alterações profundas. Utilizam empresas tradicionais como vectores de especulação em lugar de promoverem o aumento do investimento em novas tecnologias, em investigação e desenvolvimento, em capital humano. Este novo capitalismo constitui uma ameaça para a segurança do emprego, o desenvolvimento sustentado, a inovação e a própria capacidade de negociação dos sindicatos, uma vez que se preocupa exclusivamente com os interesses dos seus accionistas (shareholders), colocando para um plano secundário os interesses dos seus trabalhadores (stakeholders) e das comunidades em que se inserem. A grande mobilidade do capital, a procura de lucros mais elevados e mais rápidos, o desmantelamento das barreiras comerciais, as novas tecnologias e as novas formas de organização do trabalho e da produção contribuem para alterar a natureza das relações entre empresas e no seio das mesmas, aumentando a sua capacidade de mobilidade, permitindo a transferência das suas actividades para sistemas de produção mais baratos.

Topo Seta de topo

Portugal é um dos países da União Europeia que mais tem sofrido com os processos de deslocalização e de encerramento de empresas, pondo em risco a coesão territorial e social do nosso país. Estes processos têm profundas consequências para a acção sindical, muitas vezes obrigada a gerir exclusivamente as consequências sociais dos mesmos, sem ter tido, por via do não cumprimento da legislação europeia e nacional em matéria de informação e de consulta, a oportunidade de antecipar a mudança e de preparar, através de acções de formação e reorientação profissionais ou de outras iniciativas de políticas activas, os trabalhadores e trabalhadoras.

As formas de trabalho atípicas e o emprego precário têm aumentado nos últimos anos ao longo dos ciclos económicos, contribuindo para a redução da qualidade do emprego. Actualmente, cerca de um trabalhador em cada cinco trabalha a tempo parcial e cerca de um em cada sete tem um contrato a termo, podendo conhecer uma sucessão quase interminável deste tipo de contratos. Nos países onde o trabalho a tempo parcial se encontra relativamente bem integrado na regulação do direito social e do direito do trabalho, trabalhar a tempo parcial resulta de uma escolha das mulheres, e cada vez mais dos homens, que adaptam as horas de trabalho às suas necessidades pessoais, conciliando trabalho com vida privada. Mas, apesar de em Portugal as mulheres trabalharem sobretudo a tempo inteiro, na grande maioria dos países da UE, as mulheres trabalham a tempo parcial, ou porque não existem empregos a tempo pleno, ou porque não existem estruturas de acolhimento das crianças a preços razoáveis e de qualidade. As consequências destes tipos de contrato relativamente ao nível de salários, ao acesso às prestações sociais, à formação profissional contínua, ou à própria motivação do(a)s trabalhadore(a)s são negativas, tanto a nível pessoal como da própria coesão e progresso social.

É neste ambiente de profunda recomposição dos sistemas de produção e financeiros mundiais, de alterações ao nível da protecção dos trabalhadores, implicando profundos processos de reestruturação ao nível do trabalho, do emprego e dos sistemas de protecção social, que os sindicatos devem agir a todos os níveis.

É óbvio que nenhum país está em condições de responder por si só a estes desafios. Os processos migratórios ou as consequências das migrações e da mobilidade transfronteiriça implicam que haja necessidade de se encontrarem estratégias e “regras de tráfego” comuns. Nalguns casos, as condições de trabalho deste(a)s trabalhadore(a)s não estão longe da mais abjecta exploração, com consequências negativas para os mercados de trabalho dos países de acolhimento, como a concorrência desleal nos salários, deixando os países de origem confrontados com elevadas penúrias de mão-de-obra, a fuga dos cérebros ou ainda o êxodo dos jovens.

Tanto a nível europeu como internacional começa a fazer-se sentir a necessidade de regulação, como forma de responder à influência crescente das empresas multinacionais. A prova são os acordos-quadro internacionais que, nos últimos três anos, têm sido celebrados ao nível de algumas empresas multinacionais. A sua influência ainda é modesta e não existe um padrão claro relativamente aos seus conteúdos, que variam entre acordos similares às convenções colectivas tradicionais e acordos que são uma extensão de códigos de conduta da empresa. Evitar a confusão, em nome da responsabilidade social, com o diálogo social e a contratação colectiva é tarefa essencial do(a)s trabalhadore(a)s e respectivo(a)s representantes.

 

Que respostas sindicais?

No plano europeu, os sindicatos têm lançado diversos alertas sobre os riscos relacionados com o desmantelamento da Europa social e a possível reacção negativa dos trabalhadores. Evitar este risco implica um compromisso renovado com a Europa Social, com a estratégia de Lisboa, incluindo os objectivos e pressupostos lançados no ano 2000, no âmbito da União Europeia alargada.

E isto não será possível sem a forte mobilização e participação activa dos sindicatos, apesar de estarem sob fogo cerrado e de terem de se confrontar com novas estratégias, tanto da parte das organizações patronais, como dos próprios governos. A tentativa de anular a importância da acção e da representação colectiva dos trabalhadores, em nome do respeito da liberdade individual e da ilusão de que, negociando sozinhos, os trabalhadores podem obter resultados mais vantajosos, não passa de uma falácia.

Recentemente, um comentador alemão declarou a morte dos sindicatos (apesar de “os familiares mais próximos a manterem em segredo”) (1). É inegável que os níveis de densidade sindical baixaram entre 1990 e 2003 de 15,5% para 12,4% nos EUA e de 33,1% para 26,3% na União Europeia (2), a idade média dos membros está a aumentar, a imagem que têm nem sempre é positiva. É verdade que os empregadores estão a usar estratégias novas, promovendo as deslocalizações, o trabalho ilegal, a economia subterrânea, tornando o mercado de trabalho inseguro e precário.

E os sindicatos não podem limitar-se a deitar as culpas à globalização, às mudanças económicas estruturais, à hostilidade dos governos ou à hipotética relutância dos jovens em aderirem aos sindicatos. Têm de agir. Em certa medida, o movimento sindical à escala global tem de ter a capacidade de se “auto-reinventar” para poder fazer face aos desafios do século XXI. E não há tempo a perder!

Hoje, tal como no passado, a chave do sucesso dos sindicatos reside na sua capacidade de melhorar a situação do(a)s trabalhadore(a)s e de promover a justiça social; a luta por salários decentes, a promoção da higiene, saúde e segurança nos locais de trabalho, a determinação do tempo de trabalho, da igualdade de tratamento e de oportunidades, ou a existência de redes de protecção para aqueles que se encontram impossibilitados de trabalhar continuam a fazer parte da agenda.

O desenvolvimento do diálogo social e da negociação colectiva, a todos os níveis, é mais importante do que nunca, como forma de continuar a pugnar pelos interesses do(a)s trabalhadore(a)s, confrontados com um mercado de trabalho mais flexível, obrigando-os a novas necessidades de protecção e de apoio, sempre que forem obrigados a transitar entre emprego e desemprego, formação contínua e responsabilidade familiar. Esta é a competência que diferencia os sindicatos das restantes organizações da sociedade civil, conferindo-lhes capacidade e autoridade para aceitarem ou rejeitarem os resultados das negociações, sejam elas sobre a procura do equilíbrio entre maior adaptabilidade à mudança e maior segurança, quer para as empresas, quer para os trabalhadores ou outras matérias.

Mas terão de se adaptar aos novos desafios: recrutar os seus associados entre os trabalhadore(a)s no sector de serviços, em franca expansão, dedicar maior atenção às empresas multinacionais e às PMEs, criar laços de solidariedade com pessoas oriundas de países e culturas diferentes, trabalhar em conjunto com outras organizações e atrair o(a)s jovens e as mulheres para o movimento sindical (3).

Afirmar que a globalização é boa ou má é demasiado simplista. O seu impacto económico e social tem sido demasiado desigual para que possamos tirar esse tipo de conclusões. Se, por um lado, abre novas oportunidades ao mundo em desenvolvimento, também provoca novos tipos de insegurança e de desigualdade para os quais temos de encontrar respostas. E isto só pode ser feito a nível internacional, através da acção colectiva. Um dos objectivos da nova Confederação Sindical Internacional, fundada em Novembro de 2006, é justamente o de “construir um movimento sindical baseado na mudança social, abrindo a via para uma globalização benéfica para todos” (4). Os sindicatos europeus têm a responsabilidade de mostrar que é possível realizar esta ambição. Têm de se implicar de uma forma mais activa na construção de uma UE que desempenhe um papel muito mais importante do que até agora na regulação da globalização. O diálogo social transnacional, tal como os sindicatos, foi inventado na Europa. É uma das características mais significativas do modelo social europeu. É da responsabilidade dos sindicatos dar-lhe um conteúdo e uma forma que permitam responder aos novos desafios mundiais e também às novas aspirações das trabalhadoras e trabalhadores europeus e mundiais.

separador

Topo Seta de topo

Informação Complementar

Os desafios do sindicalismo europeu

A nível europeu, os sindicatos cresceram a par do processo de integração europeia. Aprenderam a trabalhar em conjunto, a criar redes de solidariedade e de cooperação, a influenciar o rumo das nossas sociedades e economias, tanto a nível nacional como europeu.

Parte do sucesso económico e social da Europa, dos níveis de bem, estar de que gozamos nos nossos países, sobretudo se comparados com outras regiões do mundo desenvolvido ou em desenvolvimento, deve-se à acção responsável dos sindicatos. Hoje, característica única no mundo, os parceiros sociais europeus – organizações sindicais e patronais – podem negociar acordos que têm o mesmo valor e força que uma lei ou um acordo colectivo.

Iludam-se aqueles e aquelas que pensam que já não têm lugar num mundo globalizado, que nos nossos dias os trabalhadores não necessitam de representação e apoio colectivos e que são capazes de defender melhor os seus interesses individualmente!

As empresas e o capital são cada vez mais móveis. A precariedade no mercado de trabalho, a baixa qualidade no emprego, é a moeda de troca. As principais vítimas são as mulheres e os jovens. Os trabalhadores serão cada vez mais confrontados com um tipo de vida activa não linear. Terão de trabalhar mais anos, com períodos de formação, de desemprego, de pausas sabáticas ou parentais, de mudança de carreira, que não devem pôr em causa os equilíbrios pessoais e individuais.

Só os sindicatos podem negociar os equilíbrios necessários a favor dos trabalhadores nesses períodos de transição. Este é um enorme desafio que se lhes coloca! Para o enfrentar com sucesso necessitam de sofrer reformas profundas, não possíveis sem o apoio das trabalhadoras e dos trabalhadores.

separador

Topo Seta de topo

1 - STEINGART, Gabor – “Death of the Unions. A Casuality of Globalisation”, Der Spiegel online , 27 Outubro 2006.

2 - A percentagem relativa à UE refere-se a 2002. Visser , Jelle – “Union Membership Statistics in 24 countries”, Monthly Labour Review , Janeiro 2006: 38-49

3 - WADDINGTON, J. e HOFFMAN, R. (2000) – Trade unions in Europe: Facing challenges and Searching for Solutions . Bruxelas: European Trade Union Institute.

4 - Programa da CSI aprovado pelo Congresso Fundador da CSI, Viena, 1-3 Novembro 2006.

separador

* Maria Helena André

Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (Inglês/Alemão) pela Universidade de Lisboa e possui diversos cursos de línguas. Membro do Secretariado da Confederação Europeia de Sindicatos, desde 1992, tendo ocupado o cargo de Secretária Confederal e, desde 2003, de Secretária Geral Adjunta.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Mudança na estrutura do emprego na UE-25 de 2000 a 2005 (em milhões de empregos)

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -

Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2009)
_____________

2009

2007

2006

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997