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- JANUS 2008 -



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A OIT e a regulação da globalização

Paulo Bárcia *

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O impacto social do processo de globalização está hoje fortemente presente na agenda internacional e é objecto de uma já extensa literatura académica. Vozes vindas dos mais diversos quadrantes chamam a atenção para um deficit de regulação. Mesmo no largo espectro daqueles que consideram a globalização como uma enorme janela de oportunidade, muitos interrogam-se sobre a sustentabilidade do seu actual modelo de governação.

No centro deste debate está a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a sua Agenda do Trabalho Digno ( Decent Work Agenda ).

 

A anterior vaga de globalização e a criação da OIT

A própria existência da OIT está intimamente ligada à anterior vaga de globalização e à Revolução Industrial que desponta no séc.XVIII em Inglaterra, abrindo as portas ao capitalismo moderno e a um crescimento económico sem precedentes mas também a um proletariado emergente, sujeito a salários de subsistência e a condições de trabalho sub-humanas. Uma profunda reflexão ética sobre os custos sociais da Revolução Industrial – a então chamada questão social – dominaria toda a segunda metade do séc.XIX, plasmando-se na literatura da época e estando na origem de correntes ideológicas que vão do marxismo (1) à doutrina social da Igreja (2).

O conceito de legislação internacional do trabalho foi, pela primeira vez, defendido por industriais de excepção (3) e retomado, já nas últimas décadas do séc. XIX, por muitas associações privadas (4) e pelo movimento sindical em clara expansão.

Em 1919, os 27 países vencedores do conflito (5) reunidos na Conferência para a Paz de Paris, decidiram instituir uma Comissão da Legislação Internacional do Trabalho. Foi essa comissão que elaborou a Constituição da OIT como parte integrante do Tratado de Versailles (6) que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial. Os fundadores da OIT reconheciam que o conflito fora o resultado de um deficit de regulação da vaga de globalização então gerada pela expansão da máquina a vapor, pelo crescimento do comércio internacional e pelo início da integração dos mercados financeiros que o telégrafo e o cabo submarino tornaram possível.

Reconheciam que a economia mundial precisava de regulação social e que uma organização que produzisse legislação internacional do trabalho poderia ser um forte contributo para a estabilidade. Ao nível nacional, através da paz social e do diálogo social tripartido. Ao nível global, reduzindo as tensões entre as potências industriais – provocadas por aquilo que, mais tarde, ficaria conhecido por dumping social – através de “regras do jogo” iguais para todos.

 

Refundação após a Segunda Guerra Mundial: “o trabalho não é uma mercadoria”

Estabelecer normas internacionais do trabalho – as regras do jogo – constituiu pois o principal meio de acção da OIT desde a sua criação. Falamos essencialmente de convenções (7) e de recomendações (8), ambas adoptadas, tripartidamente, pela Conferência Internacional do Trabalho.

A II Guerra Mundial viria a ter um grande impacto na evolução histórica da organização e, em particular, sobre a universalidade e a natureza das suas normas. A partir dos anos 50, com o novo quadro geopolítico que alterou profundamente a sua própria constituency – emergência do bloco socialista e de uma nova geração de Estados membros saídos da vaga de descolonização, os seus órgãos opuseram-se consistentemente a qualquer tentação de estabelecer diferenciações por regiões ou níveis de desenvolvimento. Também não aceitaram a pretensão do Bloco de Leste de não aplicabilidade a países socialistas de algumas das suas convenções, em particular em matéria de liberdade sindical (9). O prestígio internacional da OIT e a universalidade (10) das suas normas sairiam reforçados desse exercício de clarificação interna.

Com efeito, no final do conflito mundial, a Conferência de 1944 adoptou a Declaração de Filadélfia que passou a constituir a Carta dos princípios e objectivos da OIT (11) e da qual se destaca que “ o trabalho não é uma mercadoria ”, constituindo fundamento da dignidade e do desenvolvimento da pessoa humana.

Foi a partir daí que as Convenções da OIT se estenderam aos direitos humanos no mundo do trabalho; pode-se mesmo falar de uma refundação, que prefigurava aquilo que, cinco décadas depois, seria consolidado nos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.

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Declaração de 1998 relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho

Entre o final dos anos 70 e o início dos 80, emerge uma nova vaga de interdependência de economias e sociedades, gerada por uma maior liberalização do comércio internacional e pela integração dos mercados financeiros, tornada possível pela espectacular expansão da difusão da tecnologia.

Essa nova vaga de globalização seria traduzida institucionalmente pela criação, em 1995, da OMC (12). Ora, no debate que levou à transformação do GATT em OMC, chegou a estar na agenda o conceito de cláusula social, ou seja, a ideia de que o amplo acesso aos mercados externos deveria ser acompanhado pelo respeito interno de um núcleo duro de normas sociais que evitasse a concorrência desleal.

Após um longo e complexo processo negocial, a Conferência de 1998 adoptou a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Ela consagra a obrigação universal de todos os Estados membros da organização respeitarem quatro princípios fundamentais: liberdade de associação e de negociação colectiva, eliminação de todas as formas de trabalho escravo ou obrigatório, abolição do trabalho infantil e eliminação da discriminação em matéria de emprego e profissão.

A Declaração da OIT representa um passo importante no sentido de definir as regras sociais básicas ( core labour standards ) que devem governar a economia globalizada. O seu impacto extravasou o âmbito governamental para se constituir também como uma das principais referências do movimento da Responsabilidade Social das Empresas (RSE). Com efeito, esses quatro direitos são hoje parte integrante dos vários códigos de conduta e iniciativas em matéria de RSE, como o Global Compact lançado, em 1999, por Koffi Annan. O mesmo aconteceu no âmbito dos chamados Acordos Quadro Globais resultantes de uma nova geração de acordos de negociação colectiva entre grandes multinacionais e federações mundiais do respectivo sector.

No controle da aplicação das normas, a OIT tem uma abordagem mais pedagógica e promocional do que punitiva, utilizando dois instrumentos principais: as recomendações dos organismos de controlo e os programas de assistência técnica. No entanto, em casos considerados mais graves pode ser constituída uma Comissão de Inquérito. Contudo, os órgãos da OIT têm uma intervenção de natureza essencialmente política com inegável impacto sobre a imagem externa desse Estado.

Muitos consideram que a resposta aos desafios da globalização passa por um reforço do papel da OIT, do seu protagonismo no âmbito do sistema multilateral e da sua capacidade de fazer avançar a Agenda do Trabalho Digno.

 

Agenda do Trabalho Digno por uma globalização justa

Durante a década de 90, à medida que o processo de globalização se foi consolidando, o debate sobre a sua dimensão social entrou decididamente na agenda internacional. Debate muitas vezes extremado e que extravasou para a praça pública. Uns salientando o facto de largas massas de trabalhadores eternamente miseráveis terem ultrapassado o limiar de pobreza em países até há pouco subdesenvolvidos – como a Índia ou a China. Outros interrogando-se sobre se – face ao dumping social, às deslocalizações e aos perigosos sinais de segmentação dos mercados de trabalho – não se estaria no limiar de um retrocesso civilizacional, numa espécie de retorno ao tempo de Dickens.

Na transição do milénio esse debate parecia ter caído num impasse, numa espécie de diálogo de surdos entre Porto Alegre e Davos. A OIT decidiu então instituir uma Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização.

A Comissão estudou em profundidade o impacto social da globalização. De uma forma objectiva, tentou responder à seguinte pergunta: “ Assistimos a um processo de redistribuição das oportunidades e da riqueza gerada pela globalização? ”. Analisou, para o efeito, a evolução de quatro indicadores: pobreza, desemprego, economia informal e desigualdades.

Que síntese podemos fazer? No caso da pobreza o balanço é contraditório: em termos globais a pobreza absoluta diminuiu na última década graças, fundamentalmente, ao decréscimo do número de pobres na China e, parcialmente, na Índia mas, em todas as outras regiões, ela aumentou. O desemprego cresceu a nível global no mesmo período enquanto a importância relativa da economia informal não parou de se expandir. Mas é sobretudo ao nível das desigualdades que o impacto social da globalização aparece como mais decepcionante, dando razão a Stiglitz (13) quando refere que o actual modelo acentua as desigualdades, quer entre países quer no interior dos países (ver imagem).

A Comissão apelou assim para uma globalização justa que criasse oportunidades para todos. Duas mensagens merecem ser destacadas. A primeira prende-se com a necessidade de melhorar a governação, quer ao nível nacional, quer ao nível da coerência de políticas entre os vários actores globais e multilaterais. A segunda mensagem centra-se na promoção da Agenda do Trabalho Digno como um objectivo global à escala internacional, incluindo uma série de recomendações com vista a acelerar o respeito pelos direitos fundamentais no trabalho e a inclusão do emprego e da protecção social como objectivos da economia globalizada.

Desde então, a Agenda do Trabalho Digno fez o seu caminho. Não se trata de um conceito abstracto ou puramente académico. Traduz antes as aspirações e as preocupações de milhões de pessoas no mundo: ter acesso a um trabalho produtivo em condições de liberdade, de equidade, de protecção e de dignidade humana. Vários fora regionais e internacionais têm vindo a assumir essa Agenda. Desde a Cimeira das Nações Unidas (14), às reuniões regionais tripartidas da OIT (15) ou à Declaração Ministerial do segmento de alto nível do ECOSOC (16), passando pelas tomadas de posição mais recentes por parte do Conselho Europeu (17), do G8 (18) ou da União Interparlamentar (19).

O caminho é longo. Novas desigualdades emergem e a governação da globalização ainda é débil. Muita coisa há a fazer, mas a OIT e os seus mandantes tripartidos continuarão a desempenhar um papel central na procura de uma globalização mais justa.

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Informação Complementar

Por uma globalização justa: criar oportunidades para todos
Relatório da Comissão Mundial sobre a dimensão social da globalização

O Conselho de Administração estabeleceu uma Comissão Mundial em Fevereiro de 2002. Co-dirigida por Tarja Halonen e William Mkapa, presidentes da Finlândia e da Tanzânia, a Comissão reuniu um grupo de 26 personalidades das mais diversas origens que trabalharam, durante dois anos, com toda a independência.

Por essa altura, muito já se tinha dito e escrito sobre a globalização. O que esta Comissão trouxe de diferente foi um novo consenso a partir de diversos postos de observação: Norte e Sul, nacional e internacional, mundo dos negócios e meio sindical, governos e sociedade civil, políticos e académicos…

O seu relatório, apresentado em Fevereiro de 2004 (1) – “ Por uma globalização justa: criar oportunidades para todos ” – é uma mensagem de esperança e um alerta crítico. Reconhece o imenso potencial dos benefícios da globalização mas chama a atenção para as desigualdades e desequilíbrios crescentes, inaceitáveis no plano ético e insustentáveis no plano político.

Num contexto de progressiva “des-territorialização do poder” (com a entrada em força de actores globais supranacionais), as instituições sociais e políticas permanecem ao nível nacional ou, quando muito, regional. Por isso, o relatório indica que é urgente repensar as políticas e instituições da governação mundial.

O impacto da Comissão Mundial foi imediato. As suas principais mensagens receberam um forte apoio vindo dos mais diversos fora.

1 - A versão portuguesa foi editada em 2005, conjuntamente pelo Escritório da OIT em Lisboa, o ISCTE e a Editora Celta.

 

Papel central da OIT no debate sobre a dimensão social da globalização

• mandato e composição: enquanto agência especializada das Nações Unidas que congrega mais de 180 Estados membros (1), a OIT constitui o único fórum mundial onde “todos falam com todos”, onde membros da OCDE, economias emergentes e países em desenvolvimento discutem as questões do mundo do trabalho;

• natureza tripartida: a Organização marca a sua originalidade através de uma participação plena, a todos os níveis, dos parceiros sociais – organizações de empregadores e de trabalhadores – em total autonomia face aos respectivos governos;

• história: a criação da OIT é ela própria o resultado de uma reflexão sobre a regulação da globalização.

1 - 181 em Agosto de 2007.

 

Princípios e direitos fundamentais no trabalho
Consagrados na declaração da OIT de 1998

Liberdade de associação e de negociação colectiva:
• Convenção n.º 87 sobre liberdade sindical, 1948;
• Convenção n.º 98 sobre direito de sindicalização e de negociação colectiva, 1949.

Eliminação de todas as formas de trabalho escravo ou obrigatório:
• Convenção n.º 29 sobre o trabalho forçado, 1930;
• Convenção n.º 105 sobre a abolição do trabalho forçado, 1957.

Abolição efectiva do trabalho infantil:
• Convenção n.º 138 sobre a idade mínima, 1973;
• Convenção n.º 182 sobre as piores formas de trabalho infantil, 1999.

Eliminação da discriminação em matéria de emprego e profissão:
• Convenção n.º 100 sobre a igualdade de remuneração, 1951;
• Convenção n.º 111 relativa à discriminação (emprego e profissão), 1958.

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1 - Marx publicaria o primeiro volume de “O Capital” em 1867.

2 - Leão XIII publicaria a Encíclica “Rerum Novarum” em 1891.

3 - Como Robert Owen e Daniel Le Grand.

4 - Especialmente activas em França, na Alemanha e na Suíça.

5 - Incluindo Portugal que, nesse contexto, é também membro fundador da OIT.

6 - Artigo XIII desse tratado, adoptado pela Conferência de Paz de Paris, que também criou a Sociedade das Nações.

7 - Tratados internacionais, vinculativos para os países que as ratificam livremente.

8 - Princípios directores não obrigatórios e não sujeitos a ratificação.

9 - A OIT criara, em 1950, um importante instrumento nesse domínio – o Comité da Liberdade Sindical – ainda hoje activo.

10 - É essa universalidade que legitima hoje uma intervenção reforçada da OIT junto do chamado sector informal.

11 - Incorporada como um anexo à sua Constituição.

12 - Organização Mundial do Comércio.

13 - Prémio Nobel da Economia e membro da Comissão Mundial.

14 - De Setembro de 2005 que reconheceu a agenda do trabalho digno como instrumento decisivo para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

15 - Na Europa (Hungria, 2005), América Latina (Brasil, 2006), Ásia (Coreia, 2006) e África (Etiópia, 2007).

16 - Conselho Económico e Social das Nações Unidas, de Julho 2006.

17 - Sobre “ Trabalho Digno para todos na Europa e no Mundo ” de Dezembro 2006.

18 - Junho 2007 na Alemanha.

19 - UIP – Programa “ Putting jobs at the heart of national policy making ”, 2007.

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* Paulo Bárcia

Economista. Director do Escritório da Organização Internacional do Trabalho em Lisboa desde Julho de 2004. É funcionário internacional da OIT desde 1984. Entre 1999 e 2004 assumiu as funções de Conselheiro para as Questões do Trabalho e do Emprego da Missão de Portugal em Genebra.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Evolução da desigualdade de rendimentos em 73 países

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