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- JANUS 2008 -



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As directivas europeias na esfera do trabalho

Armindo Silva *

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O direito comunitário do trabalho constitui hoje um dia um corpo significativo de normas jurídicas com influência crescente no modo como se regulam a nível nacional as relações de trabalho tanto individuais como colectivas. Ele tem vindo a desenvolver-se à medida que se aprofunda o processo de integração dos mercados de bens, serviços e capitais, em resposta à necessidade de conferir aos cidadãos da União um conjunto de direitos sociais fundamentais. Tais direitos estão hoje inscritos na Carta Comunitária dos direitos fundamentais da União Europeia (1), e fazem já hoje parte integrante dos princípios gerais de direito que as instituições europeias estão obrigadas a respeitar e fazer respeitar.

Porque a Comunidade Europeia não é dotada de competências exclusivas no domínio social, o direito do trabalho tem uma função supletiva e não substitutiva em relação aos direitos nacionais. Isto explica-se pela necessidade de atender à grande diversidade das instituições e dos quadros legais nacionais, que são o fruto de evoluções históricas e de tradições muito diferentes.

 

A evolução do direito do trabalho comunitário

A Europa Social enquanto conjunto de normas com expressão jurídica e de aplicação alargada a toda a Comunidade é uma realidade ainda relativamente recente. Com efeito, no tratado original, o de Roma, as disposições de âmbito social eram restritas ao mínimo necessário para assegurar a liberdade de circulação ou a integração dos mercados. Foi no decorrer dos últimos vinte anos que se adoptaram e puseram em prática uma série de medidas legislativas que dão efeito jurídico a um conjunto de direitos fundamentais de índole social, inscritos na Carta Social do Conselho da Europa ou na Carta comunitária dos direitos sociais fundamentais (2).

Os dois momentos decisivos nesta evolução foram:

1. O período entre 1986 e 1994, durante o qual foram adoptados trinta e três instrumentos legislativos no domínio social (3), vinte e quatro dos quais foram novos instrumentos e nove foram revisões. Este dinamismo deveu-se ao Acto Único Europeu de 1986 que introduziu no Tratado um novo artigo 118 A, que deu ao legislador europeu pela primeira vez a possibilidade de, através da regra de maioria qualificada, adoptar directivas no domínio social a fim de harmonizar as regras de saúde e segurança no trabalho no quadro do Mercado Interno. Foi com base neste artigo que se adoptaram entre outras as primeiras disposições em matéria de organização do tempo de trabalho.

2. O período entre 1996 e 2002, em que trinta e três instrumentos legislativos foram adoptados (dezanove instrumentos novos e catorze revisões). Este período é fortemente marcado pelo alargamento das competências legislativas da Comunidade, já anunciado no chamado Protocolo Social de 1992, anexo ao tratado de Maastricht, mas que por deixar de fora o Reino Unido não pudera ser até aí parte constituinte do Tratado. Com a introdução do Artigo 137 no Tratado de Amsterdão, em 1997, generaliza-se a regra de maioria qualificada para a adopção das directivas no domínio da política social.

Sublinhe-se que estes dois momentos importantes do reforço da dimensão social do processo de integração europeia ocorrem paralelamente a dois projectos estratégicos de índole fundamentalmente económica visando respectivamente estabelecer as condições para um efectivo Mercado Interno e uma União Monetária no espaço europeu. O que prova que não são contraditórios os objectivos de desenvolvimento social e de eficácia económica, antes se reforçam mutuamente.

 

O conteúdo do direito de trabalho comunitário

A natureza supletiva do direito comunitário traduz-se pelo facto de as competências comunitárias serem exercidas pela via de directivas cujo objectivo é o de impor aos Estados membros a adopção de normas mínimas, a fim de assegurar a harmonização progressiva dos direitos nacionais. Embora as directivas comprometam os Estados membros quanto aos resultados a atingir, elas deixam-lhes uma considerável margem de liberdade quanto aos meios e à forma de os atingir.

O Tratado delimita a priori as áreas em que a Comunidade Europeia possui competência legislativa e o modo como a pode exercer. A maioria dos actos legislativos comunitários relevantes para as relações de trabalho concentra-se em três áreas enumeradas no artigo 137 do Tratado: a saúde e segurança dos trabalhadores, as condições de trabalho e a informação e consulta dos trabalhadores. Nestas áreas, a adopção da legislação processa-se segundo o procedimento de co-decisão, em que o Conselho decide segundo a regra da maioria qualificada sobre a base de uma proposta da Comissão e com o acordo do Parlamento. Esta regra facilita a tomada de decisões na medida em que evita que um Estado membro isolado recorra ao veto.

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Embora a Comissão disponha de um direito de iniciativa legislativa num conjunto mais alargado de áreas, a regra de unanimidade de decisão pelo Conselho em tais áreas dificulta na prática a adopção de actos legislativos (4) – é o caso dos despedimentos individuais, da representação e defesa colectiva dos interesses dos trabalhadores e das condições de trabalho dos nacionais de países terceiros. No que respeita às remunerações, bem como ao direito de associação, ao direito à greve e ao “lock-out”, a Comunidade não dispõe sequer de competência legislativa.

Existem por outro lado aspectos importantes das relações individuais de trabalho que são regulamentados com base noutras disposições do Tratado que não o Artigo 137. É o caso da série de directivas que, com base no Artigo 141, promovem o princípio da igualdade de tratamento no emprego entre homens e mulheres, bem como das directivas cujo objectivo é o de criar um quadro geral para lutar contra as discriminações baseadas nos factores enumerados no Artigo 13 (raça, religião, deficiência, idade e orientação sexual). Salientem-se ainda a directiva que regulamenta as condições de trabalho dos trabalhadores destacados no quadro da prestação de serviços no mercado interno, baseada no Artigo 49 do Tratado, e as directivas e regulamentos adoptados com a finalidade de assegurar a livre circulação dos trabalhadores, com base nos artigos 39 a 42 do Tratado.

O direito comunitário do trabalho distingue-se ainda pelo papel importante assumido pelos parceiros sociais europeus. Em qualquer das áreas cobertas pelo Artigo 137 a Comissão tem de consultar os parceiros sociais antes de apresentar uma proposta legislativa. Esta consulta processa-se em duas fases, tratando a primeira da orientação a dar à iniciativa legislativa, e a segunda do conteúdo previsto para a mesma (segundo os trâmites definidos no Artigo 138). O papel dos parceiros sociais é ainda reforçado pela prerrogativa de poderem, nesta segunda fase, decidir encetar negociações entre si com o fim de concluir um acordo-quadro, cuja transposição poderá ser deixada aos parceiros sociais em cada Estado membro ou ser efectuada por via de uma directiva do Conselho (5).

Aos Estados membros é deixada a liberdade de decidir se a transposição se processa por via legislativa ou por via convencional. Porém em nenhum caso podem dessa transposição resultar medidas que diminuam o nível de protecção conferido aos trabalhadores pela lei anterior (princípio de não-regressão) ou que ponham em causa o efeito pretendido (princípio de primazia da legislação comunitária).

 

As perspectivas de desenvolvimento do direito comunitário do trabalho

Como vimos, assistiu-se nos últimos vinte anos a uma expansão muito significativa dos direitos na esfera do trabalho a nível comunitário, o que foi reforçado pelo alargamento da União a vinte e sete Estados membros, na medida em que as normas comunitárias conferem protecção de nível superior ao que existia nos quadros legislativos dos novos Estados membros. Para que estes direitos sejam efectivamente utilizados, será necessário melhorar o controlo da aplicação da legislação comunitária, o que passa por um maior esforço da Comissão, enquanto guardiã do Tratado, no sentido de controlar de forma mais rápida e eficaz a aplicação do direito comunitário pelos Estados membros. É um dos objectivos da vasta agenda de reformas em curso sob o lema “Legislar melhor”, baseada num acordo interinstitucional envolvendo a Comissão, o Parlamento e o Conselho. Porém, cabe recordar que os Estados membros são igualmente responsáveis pela boa aplicação do direito comunitário, e que têm obrigações a respeitar, nomeadamente no que toca à qualidade da informação a prestar aos cidadãos e aos agentes do processo judicial. Nos casos em que tal se justifica impõe-se um reforço da cooperação administrativa entre Estados membros e entre estes e a Comissão para dar solução rápida aos litígios de menor importância ou de natureza recorrente.

Neste quadro, será de prever que a jurisprudência ganhe crescente influência no desenvolvimento do direito do trabalho comunitário, por via da interpretação constante dos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, sobre recursos interpostos pela Comissão ou em resposta a questões prejudiciais submetidas por órgãos jurisdicionais nacionais.

Sob o mesmo lema “Legislar melhor”, procura-se garantir que a futura legislação comunitária respeite de forma mais efectiva os princípios de subsidiaridade e de proporcionalidade. Entre as reformas em curso salienta-se a avaliação prévia do impacto das principais propostas legislativas da Comissão, incorporando as dimensões económica, social e ambiental, explorando tanto quanto possível as opções não legislativas, e reduzindo tanto quanto possível os custos administrativos que são impostos às empresas.

É assim de prever que o fluxo de nova legislação na esfera do trabalho diminua em relação ao passado recente, e que se recorra de forma crescente a meios não legislativos, tais como códigos de boas práticas, acordos autónomos entre parceiros sociais ou recomendações. Para o mesmo resultado deverá contribuir a dificuldade crescente de formar consensos no Conselho sobre matéria legislativa após o alargamento de 2004 (6).

A necessidade de reformar a legislação do trabalho a fim de dotar os mercados de trabalho de maior flexibilidade e de garantir maior segurança para os trabalhadores, combatendo ao mesmo tempo a segmentação desses mercados, está consagrada desde há muito como uma das linhas directrizes da estratégia de Lisboa para o crescimento e o emprego, lançada em 2000 e renovada em 2005.

Em Outubro de 2006, a Comissão publicou um Livro Verde intitulado “Modernizar o direito do trabalho para fazer face aos desafios do século XXI”, com o objectivo de, através de um processo de consulta aberto a todos os cidadãos, identificar os desafios fundamentais que a evolução da economia global e da organização do trabalho coloca ao direito do trabalho, ao nível nacional e comunitário, e promover as reformas necessárias.

Porém, a exigência de novos padrões de flexibilidade tem esbarrado em muitos países com quadros legais rígidos, do que resulta o crescimento ininterrupto de contratos individuais de trabalho atípicos (a termo certo, a tempo parcial, temporários) assim como o recurso muitas vezes abusivo a contratos de prestação de serviços que de facto configuram uma relação de trabalho. Tais contratos cobrem já 40% da força de trabalho na União Europeia

A fim de evitar que esta evolução conduza a uma multiplicação de empregos precários e de baixa qualidade, com consequências negativas em temos de coesão social, é necessário repensar a protecção do emprego conferida pelo contrato de trabalho clássico, de duração indeterminada e a tempo inteiro, de modo a que se torne efectiva durante o ciclo de vida. É também necessário equacionar formas de protecção ajustadas aos desafios suscitados por novas situações de vulnerabilidade, como as que afectam os trabalhadores com relações de trabalho múltiplas, com contratos de serviço encobrindo relações de subordinação real, os economicamente dependentes ou os trabalhadores migrantes. É esta ambiciosa agenda conhecida por “flexigurança” que deverá influenciar o desenvolvimento futuro do direito do trabalho, tanto a nível comunitário como nacional.

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Informação Complementar

Principais directivas europeias em vigor na esfera do direito do trabalho

Área “Informação e consulta dos trabalhadores”

• Directiva 94/45/CE, instituindo um conselho de empresa europeu ou um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores nas empresas e grupos de dimensão comunitária;

• Directiva 98/59/CE do Conselho, sobre despedimentos colectivos;

• Directiva 2001/23/CE, sobre a manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos;

• Directiva 2001/86/CE, sobre o envolvimento dos trabalhadores na Sociedade Europeia;

• Directiva 2002/14/CE, estabelecendo um quadro geral relativo à informação e consulta dos trabalhadores;

• Directiva 2003/72/CE, sobre o envolvimento dos trabalhadores na Sociedade Cooperativa Europeia.

 

Área “Condições de trabalho”

• Directiva 80/987/CEE, sobre a protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (modificada pela Directiva 2002/74/CE);

• Directiva 91/383/CEE, sobre a segurança e saúde no trabalho dos trabalhadores que têm uma relação de trabalho a termo ou uma relação de trabalho temporário;

• Directiva 91/533/CEE, sobre a obrigação de a entidade patronal informar o trabalhador sobre as condições aplicáveis ao contrato ou à relação de trabalho;

• Directiva 96/71/CE, sobre o destacamento dos trabalhadores efectuado no quadro de uma prestação de serviços;

• Directiva 97/81/CE, sobre o trabalho a tempo parcial;

• Directiva 99/70/CE, sobre os contratos de trabalho a termo;

• Directiva 2003/88/CE, sobre a organização do tempo de trabalho. Existem directivas especiais sobre o tempo de trabalho nos sectores marítimos, da aviação civil, do transporte rodoviário e do sector ferroviário transfronteiriço.

 

Área “Saúde e segurança dos trabalhadores no trabalho”

• Directiva 89/391/CEE, sobre a aplicação de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho. É a directiva-quadro que estabelece os princípios gerais nesta área. Dezoito directivas especiais e outras ainda, ditas independentes, regulamentam aspectos específicos relativos a:

• Locais de trabalho e equipamentos de trabalho: equipamentos de protecção individual, sinalização de saúde e segurança, navios de pesca, atmosferas explosivas;

• Sectores de actividade: estaleiros temporários ou móveis, indústrias extractivas por perfuração, a céu aberto ou subterrâneas;

• Riscos específicos: movimentação manual de cargas que comportem riscos dorso-lombares, equipamentos dotados de visor, exposição a agentes biológicos, agentes químicos, agentes físicos (vibrações, ruído, campos electromagnéticos), e agentes cancerígenos ou mutagénicos; amianto.

• Categorias de trabalhadores: trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, jovens.

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1 - A Carta Comunitária dos direitos fundamentais foi solenemente proclamada no Conselho Europeu de Nice em 7 de Dezembro de 2000, e a sua inclusão formal no novo Tratado foi objecto de deliberação da Conferência Inter-governamental inaugurada em 23 de Julho de 2007.

2 - A Carta Comunitária foi adoptada por todos os Estados membros à excepção do Reino Unido em 1989.

3 - Incluem-se os actos legislativos nas áreas da saúde e segurança no trabalho, das condições de trabalho, da informação e consulta dos trabalhadores, da igualdade entre homens e mulheres e da antidiscriminação.

4 - Esta limitação não impediu que, anteriormente à entrada em vigor do chamado Protocolo Social de 1992, se tenham adoptado directivas na esfera do trabalho, com a base legal do Artigo 100 (actual Artigo 94 do Tratado), respeitante à harmonização das legislações, que exigia a unanimidade no Conselho. Foi o caso das directivas “históricas” sobre despedimentos colectivos, insolvência do empregador e manutenção de direitos em caso de transferência de empresas.

5 - A transposição de um acordo-quadro por via de directiva verificou-se nos casos do tempo de trabalho em determinados sectores (marítimo, aviação civil, ferroviário transfronteiriço), da licença parental e das condições de trabalho dos trabalhadores a tempo parcial e com contrato a termo certo.

6 - As duas propostas mais recentes feitas pela Comissão na esfera do trabalho – a proposta de revisão da directiva 2003/88/CE sobre organização do tempo de trabalho, feita em 2004, e a proposta de uma nova directiva sobre as condições de trabalho dos trabalhadores temporários, feita em 2002 – continuam à espera de uma votação favorável no Conselho.

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* Armindo Silva

Licenciado pelo ISCEF. Doutor em Economia pela Universidade de Reading, Reino Unido. Chefe de unidade “Direito do trabalho” na Direcção-Geral do Emprego, Assuntos Sociais e Igualdade de Oportunidades da Comissão Europeia, desde Maio de 2005, e Director Interino desde Janeiro de 2007. Exerceu na mesma DG funções de chefia nas áreas das políticas do emprego e da inclusão social.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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