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- JANUS 2009 -



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Rússia: do comunismo ao capitalismo

Sérgio Nunes *

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A Federação Russa, adiante designada por Rússia, é o resultado da dissolução da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991. A Rússia tem a sua capital em Moscovo, cidade com cerca de 10,5 milhões de habitantes. É o maior país do mundo, com uma área de 17.075.400 km2 e, geograficamente, representa metade da Europa e um terço da Ásia. Se se tomar como critério de análise a extensão este-oeste, a Rússia prolonga-se por 9.000 km e é atravessada por 11 fusos horários. É o sétimo país mais populoso do mundo com cerca de 142,8 milhões de habitantes, embora se estime uma perda de população até 2030 na ordem dos 10 milhões de habitantes. Do ponto de vista político, organiza-se como uma república federal com regime presidencialista. A sua actual Constituição é de Dezembro de 1994 e contempla a divisão de poderes em executivo, legislativo e judicial. O presidente é eleito por sufrágio universal directo e por um mandato de quatro anos (passível de uma reeleição). A Rússia está dividida em sete distritos federais (três europeus e quatro asiáticos) e oitenta e nove administrações federais: 48 províncias (Oblasts), 21 estados (Republics), sete territórios (Krais), sete distritos autónomos (Okrugs), duas cidades federais (Moscovo e São Petersburgo) e uma província autónoma (Jewish Oblast). A sua moeda oficial é o rublo.

 

Alguns factos históricos

A Revolução de Outubro criou condições para que Lenine introduzisse os fundamentos do sistema comunista. Em 1922, formou-se a URSS e Estaline estabeleceu um regime ditatorial, após 1924. Até meados do século XX, Estaline promoveu activamente a industrialização do país, nomeadamente através do desenvolvimento da indústria pesada. No seguimento da II Guerra Mundial, a Rússia estendeu a sua influência aos países de Europa de Leste reconstruindo e controlando, quer directa quer indirectamente, esses territórios. Estabeleceram-se os contornos geográficos e mentais da Guerra Fria e a Rússia tentou infrutiferamente reformas na agricultura e na administração, pela mão do então presidente Khruschev. As duas últimas décadas do século XX foram tempos de transformação e reestruturação. Mikhail Gorbachev iniciou um processo de profundas alterações, procurando (muitas vezes contra o seu próprio partido) desenhar um caminho de transição para o sistema capitalista através de dois programas: a Perestroika (reestruturação) e a Glasnot (abertura). O primeiro tinha como objectivos a alteração de políticas de natureza económica visando uma descentralização efectiva do planeamento económico soviético, enquanto o segundo pretendeu introduzir alguma liberdade de expressão no país. Gorbachev não conseguiu, contudo, privatizar a terra e dissolver a URSS. A sua saída do poder (e consequente desintegração da URSS) criou condições para que Boris Ieltsin aprofundasse e levasse mais longe as ideias e o processo de transformação iniciado por Gorbachev. Em 1991, deu-se o fim do regime comunista e iniciou-se uma dinâmica de liberalização e privatização de diversos sectores da economia soviética. Não obstante a tendência liberalizante de fundo, o Estado manteve o controlo dos sectores do gás, petróleo e ferroviário. Com uma ausência quase total de regulação e resultado das próprias dinâmicas de uma sociedade em profundas transformações, foi-se desenvolvendo em ritmo acelerado um modelo de produção e de distribuição de riqueza baseado numa oligarquia violenta e sedenta de controlo dos sectores de actividade com maior potencial económico. A Rússia, no período de um século, passou de uma sociedade rural, fechada e rígida para um capitalismo selvagem sem lei, susceptível da apropriação dos activos públicos por parte de poucos agentes privados.

Em 1998, a Rússia enfrentou uma grave crise financeira, maioritariamente potenciada pela crise financeira do Sudoeste Asiático. A verdade é que a recuperação da economia Russa deu-se a um rítmo pouco comum, com impactos pouco significativos ao nível do emprego e do crescimento do PIB real (a Rússia já crescia a 6,4% e a 10%, nos anos de 1999 e 2000, respectivamente). Esta situação ficou a dever-se, em primeiro lugar, a factores externos, nomeadamente o aumento dos preços de bens que a Rússia exporta em grande escala. Por outro lado, os responsáveis governativos tomaram medidas no âmbito de preços e salários, conduzindo a ajustamentos que vieram a contribuir para aumentar a competitividade do sector produtivo russo.

Com a entrada no século XXI, Vladimir Putin procurou desenvolver um quadro regulatório mais eficaz, lançando medidas de incentivo ao investimento estrangeiro e iniciando a liberalização de alguns sectores até então controlados pelo Estado. O governo Russo lançou reformas no sistema fiscal e no código de propriedade da terra. A Rússia conseguiu dominar uma inflação de mais de 80%, em 1998, para uma previsão de 11,9% em 2007. No início do século XXI a Rússia retoma, contra todas as expectativas, uma dinâmica assinalável de crescimento económico, estruturando-se numa elevada dependência da exportação de petróleo e de gás natural e da confirmação do potencial energético e da sua importância na geopolítica internacional.

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Desenvolvimentos económicos recentes

Actualmente, a Rússia é a 11.ª maior economia do mundo e o seu PIB per capita está entre os maiores das economias emergentes (apesar deste volume, o PIB per capita da Rússia é apenas cerca de um sexto do PIB per capita dos EUA e cerca de um terço do português). A economia russa é maioritariamente constituída por grandes empresas industriais ligadas a sectores estratégicos da economia. As PME, que noutros países funcionam como elemento de elevado dinamismo económico e fonte de emprego e inovação, na Rússia representam apenas cerca de 10-15% do PIB. A economia russa é largamente dependente da exploração e exportação de recursos energéticos, principalmente petróleo e gás natural, onde é, respectivamente, o segundo e o primeiro exportador mundial. A Rússia possui ainda algumas das maiores reservas mundiais de recursos naturais, detendo as maiores reservas mundiais de gás natural e a segunda maior reserva mundial de carvão, imediatamente a seguir aos EUA.

O grau de dependência da União Europeia (EU) dos recursos energéticos russos, nomeadamente de gás natural, é muito elevado. Esta dependência é fonte de preocupações ao nível dos responsáveis europeus, não só devido ao seu grau mas também por estar directamente dependente de um arranjo de relações políticas complexas e pouco determinísticas entre a Rússia e alguns países que são atravessados pelos gasodutos que chegam à EU, nomeadamente a Ucrânia e a Bielorrússia.

Mais de um quarto do consumo de gás natural depende da Gazprom, a gasífera Russa que já teve 160 mil quilómetros de gasodutos, 350 fábricas de distribuição, 270 campos de extracção e milhares de campos de operações. Após a queda da União Soviética e muitas convulsões, a Gazprom é a terceira maior do mundo com um valor de mercado de cerca de 340 mil milhões de dólares (a ExxonMobil vale actualmente cerca de 500 mil milhões de dólares). A capitalização da empresa foi multiplicada por 216 vezes nos últimos 15 anos. A Gazprom é responsável por cerca de 20% das receitas orçamentais e emprega cerca de meio milhão de pessoas.

De acordo com estimativas feitas pelo «The Boston Consulting Group» (BCG), a maioria da população russa (cerca de 60%) vive com um rendimento médio-baixo, imediatamente acima do limiar de pobreza. Cerca de 36 milhões de russos (25%) sobrevivem com um rendimento próximo e abaixo do limiar da pobreza. Apenas 700 mil russos vivem com um rendimento elevado. Isto significa que a sociedade russa é caracterizada por uma pirâmide de rendimentos com uma base muito larga e um declive muito acentuado. Acresce a esta desigualdade na distribuição dos rendimentos uma elevada assimetria territorial na produção dos mesmos, uma vez que 50% do PIB do país está concentrado em oito regiões com apenas 20% da população.

 

Relações bilaterais com Portugal

A balança comercial da Rússia com Portugal é claramente favorável à Rússia. O défice comercial é bem explícito no gráfico «Balança comercial bilateral» e não necessita de comentários adicionais. As exportações portuguesas têm vindo progressivamente a aumentar enquanto as importações demonstram uma tendência algo irregular. Segundo dados do INE, o peso do comércio entre os dois países é muito diminuto face à importância dos restantes parceiros comerciais, tanto para Portugal como para a Rússia. O peso da Rússia nas importações portuguesas era de 0,57%, em 2000, tendo aumentado ligeiramente para 1,22% em 2006. Já o peso de Portugal no comércio russo era de 0,06%, em 2000, e de 0,31%, em 2006. A Rússia, enquanto cliente, passou da 42.ª posição, em 2002, para a 30.ª, em 2006, e mesmo apesar desta subida a sua importância não é significativa. Já como fornecedor, a Rússia passou da 16.ª posição, em 2002, para a 14.ª posição, em 2006. A Rússia ganhou importância enquanto fornecedor por via da tipologia de produtos envolvidos nas trocas mútuas. Os dados de 2006 mostram que Portugal exporta maioritariamente madeira e cortiça, máquinas e aparelhos e calçado (48% do total) e importa especialmente combustíveis minerais (69% do total), cuja importação aumentou 130% de 2005 para 2006. Em síntese, as relações comerciais bilaterais caracterizam-se por um elevado défice comercial de Portugal, maioritariamente dependente dos produtos energéticos.

 

Desafios para o futuro

A Rússia deve explorar algumas oportunidades e tentar superar as fragilidades do seu sistema. Como elementos favoráveis saliente-se a emergência de uma classe média com um poder de compra cada vez mais elevado. Segundo estimativas do BCG, em 2011, a classe média terá aumentado significativamente, com um aumento da classe de rendimento elevado de 5 para 23 % e da classe de rendimento médio de 29 para 53%. A sociedade russa apresenta elevados níveis de consumo entre os países emergentes, nomeadamente na subscrição de telefones móveis, na penetração de automóveis, de televisores e de computadores pessoais. Por outro lado, a presença de investimento directo estrangeiro é cada vez maior e mais significativo, com uma crescente incorporação tecnológica e com potencial para alavancar um conjunto de sectores ainda pouco explorados. Diversas empresas internacionais dos vários sectores estão a aprofundar a sua presença em território russo. A título de exemplo, refira-se que 6,3% do volume de negócios da BP provém da Rússia, assim como 4,1% da Nokia, 1,1% da Toyota, 2,5% da Philip Morris e 1,3% da Nestlé. Também a internacionalização das empresas russas de energia e metalurgia são bons indicadores. Segundo dados da BCG, sete das maiores 100 empresas globais de economias emergentes são russas. O aumento progressivo da qualificação da força de trabalho russa tem servido de suporte à deslocalização de I&D para a Rússia. Segundo o Banco Mundial, a Intel deslocalizou quatro laboratórios de I&D com mais de 900 trabalhadores, assim como a Boeing, a IBM e a Motorola. Muitas destas empresas estabeleceram protocolos de colaboração e investigação com laboratórios de investigação e parcerias com universidades russas.

No que diz respeito aos maiores desafios, saliente-se os elevados níveis de burocracia e a falta de transparência como entraves à actividade empresarial. A Rússia encontra-se na posição 121 no Índice de Percepção de Transparência (2006) produzido pelo Banco Mundial. Por outro lado, ainda não existem limiares mínimos de capacidade gestora e empreendedora na sociedade russa. Apesar do número de escolas de gestão ter mais que duplicado de 1998 para cá, a despesa per capita em formação em gestão está muito abaixo dos países que são líderes económicos (os gastos per capita em formação em gestão foram, em 2005, de 1,86 USD, na Rússia, 86, na Europa Ocidental, e 200, nos países líderes económicos).

A Rússia terá, ainda, de encontrar formas de lidar, simultaneamente, com problemas associados à diminuição da população – significando menores contribuições para o sistema de segurança social – e com o envelhecimento da sua população. Ambas as tendências têm consequências directas no sistema de pensões e no sistema de saúde russo. O grande desafio passará por operacionalizar políticas económicas e sociais que permitam o contínuo crescimento da economia sem que a componente social se desmorone e venha, inevitavelmente, a colocar em causa o próprio crescimento económico.

Finalmente, a pujança da economia russa depende, em larga medida, da absorção europeia do petróleo e do gás natural russos. Contudo, não só a economia mundial atravessa uma grave crise económica e financeira como a própria Rússia enfrenta dificuldades em continuar a manter a sua dinâmica económica unicamente assente na expansão e exploração de recursos energéticos. Segundo diversos especialistas, os maiores poços de gás natural russos já atingiram o seu ponto de maturidade e os investimentos em tecnologias capazes de tornar os novos poços economicamente rentáveis não foram feitos atempadamente. A «arma política» de natureza económica que muitas vezes tem servido de alavanca nas acções negociais da Rússia com os seus parceiros comerciais e políticos pode ressentir-se, colocando em causa a dinamização da (velha) vontade imperial da Rússia.

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* Sérgio Nunes

Licenciado em Economia e Mestre em Economia e Gestão do Território pelo Instituto Superior de Economia e Gestão. Docente no Instituto Politécnico de Tomar.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Dependência do gás natural russo, 2006 (%)

Link em nova janela Reservas mundiais: Rússia (%)

Link em nova janela Rússia: indicadores macroeconómicos

Link em nova janela Balança comercial bilateral

Link em nova janela Players globais russos

Link em nova janela IDE: dados comparativos

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