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- JANUS 2009 -



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Geologia e saúde

Eduardo Ferreira da Silva *, Celso Gomes **, Maria Manuela Inácio *** e Virgínia Martins ****

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Em Dezembro de 2005, a Assembleia-Geral das Nações Unidas, com o apoio de 191 países, aprovou a criação do Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT), que deverá ser comemorado no período 2007-2009. O AIPT é destinado a estimular actividades de difusão e de pesquisa científica com o propósito de promover o papel das Ciências da Terra na construção de uma sociedade mais saudável, mais segura
e mais próspera. As actividades científicas e de divulgação do AIPT estarão centradas na relação entre o Homem e o Planeta Terra contemplando temas amplos e multidisciplinares de alta relevância para a sociedade. A relação entre Geologia e Saúde foi um dos temas científicos considerados prioritários.

 

Elementos químicos, tanto bioessenciais, como tóxicos

De modo geral, o solo, as águas superficiais e subterrâneas e as plantas reflectem a composição mineral e química do substrato geológico, sendo que essa relação é muitas vezes utilizada na exploração de depósitos minerais. Os humanos procuram viver, respirando, comendo e bebendo sem se darem conta, tantas vezes, de que a saúde e o bem-estar dependem muito do ambiente natural e, muito particularmente, do ambiente geológico dos lugares ou regiões onde vivem e trabalham. Da interacção homem/ambiente geológico podem resultar quer benefícios, quer riscos em termos de saúde do homem e de outros animais. Do ambiente geológico fazem parte minerais e rochas de diversa tipologia, constituídos pelos elementos químicos naturais constantes da tabela periódica. A essa diversidade corresponde uma distribuição não uniforme dos elementos químicos nos solos, na água e no ar, devido, particularmente, à acção dos agentes de dinâmica externa (meteorização, erosão, transporte e sedimentação) podendo o mesmo elemento ser mais abundante ou mais escasso em determinadas áreas geográficas, relativamente ao nível de referência. O corpo humano e os minerais são sistemas químicos em cuja composição participa a maioria dos elementos químicos naturais, embora em proporções distintas. Quando no estado livre, principalmente por efeito da interacção mineral/água, os elementos químicos passam para os solos e águas (superficiais e subterrâneas) e, daí, podem entrar na cadeia alimentar.

Para os seres humanos há elementos químicos que são essenciais para o bom desempenho de muitas e importantes funções vitais, uns participando em teores relativamente altos, chamados macronutrientes ou sais minerais, Ca, Cl, Mg, Na, P, K, e S, outros participando em teores relativamente baixos, chamados micronutrientes ou minerais, Co, Cr, Cu, F, Fe, I, Mn, Mo, Se, Si, B, V e Zn. Todavia, alguns outros elementos, como As, Hg, Cd, Pb, Be, Ba, Sb e U, são considerados não essenciais, podendo em certos casos ser tóxicos e causar doenças, como por exemplo, arsenicose (As), hidrargirismo (Hg) e saturnismo (Pb), e até ser letais.

As vias de entrada e de incorporação dos elementos bioessenciais e tóxicos são: ingestão, inalação e absorção dérmica. A incorporação dos elementos tóxicos pode ter lugar em níveis suficientemente elevados (exposição aguda) ou ocorrer durante longos períodos (exposição crónica). Contudo, a biodisponibilidade de certo elemento químico potencialmente tóxico pode condicionar a sua toxicidade. A biodisponibilidade de um certo elemento corresponde à proporção desse elemento efectivamente disponível, a curto prazo, para ser assimilado e incorporado pelo indivíduo (homem ou outro animal), sendo dependente da espécie química em que o elemento se apresenta (por exemplo, As3+ ou As5+, esta mais móvel e solúvel), do pH e Eh das soluções, do clima, da temperatura, das características próprias do ser vivo e, também, de interferências com outros elementos que ocorram a ele associados.

As populações inseridas em ambientes geológicos onde os elementos químicos ocorrem em concentrações biodisponíveis altas ou baixas podem ser afectadas por doenças características associadas ao excesso ou à deficiência. Este fenómeno é observável em populações que consomem alimentos e água nas imediações dos locais onde vivem.

São clássicas as associações entre saúde/doença e deficiência/excesso de certos elementos químicos. Estão demonstradas, por exemplo, entre outras, as relações entre o flúor e a fluorose dentária e esquelética; entre o iodo e desordens do funcionamento da glândula tiróide, como é o caso do bócio (Thornton, 1993) e entre o arsénio e lesões e cancro da pele, no Bangladesh (NG et al., 2003).

 

Em termos de saúde, somos o que comemos, bebemos e respiramos

Parte significativa das afecções da saúde humana são adquiridas, quer por influência de estilos de vida, quer por influência de factores ambientais.

Uma das primeiras constatações no século XIX foi a íntima ligação entre o défice de iodo e o bócio e o cretinismo. As áreas geográficas mais interiores, afastadas do mar e, consequentemente, do aerossol marinho, apresentavam quantidades ínfimas de iodo nos solos e nas águas sendo este défice responsável pelo aparecimento destas doenças. Ainda no século XIX, a ingestão excessiva da solução tonificante de Fowler, com teores elevados de arsénio, levou ao aparecimento de lesões de pele e de cancro. Actualmente, reconhece-se a ligação da Blackfoot disease, em Taiwan, e do envenenamento por arsénio, no Bangladesh, à contaminação por arsénio da água subterrânea utilizada para consumo. Na primeira metade do século XX, foi reconhecida a importância da presença de flúor nas águas para a protecção das cáries dentárias, tendo sido promovidas campanhas de introdução de flúor em muitas redes de abastecimento público. A toxicidade do selénio em cavalos observada nos Estados Unidos e na Irlanda e a ligação entre o défice de selénio e a cardiomiopatia em ovelhas estimulou a investigação quanto à importância da acção protectora (antioxidante) do selénio na saúde humana. A ingestão recomendada de doses de selénio como uma medida de protecção é uma das mais vulgarizadas formas de auto medicação. Em meados do século XX, foi reconhecida no Japão a forte ligação da doença de Itai-Itai com a contaminação por cádmio da água e dos alimentos e da doença de Minamata com a presença de concentrações elevadas de metil-mercúrio no peixe.

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Em 1960, estudos revelaram que o chumbo no ar, na água e na poeira pode provocar danos irreversíveis no sistema nervoso da população infanto-juvenil, levando a que a maioria dos países desenvolvidos banisse a utilização do chumbo nas formulações de tintas e na gasolina.

Alguns minerais, entre os quais se salientam o quartzo (silicato presente nas poeiras geradas pela indústria extractiva e transformadora), e também os asbestos (grupo de silicatos de hábito cristalino fibroso ou acicular, comercial e industrialmente conhecidos por amianto) podem ocasionar doenças profissionais sérias (eventualmente letais) do foro respiratório (pneumoconiose), denominadas silicose e asbestose, respectivamente, sendo mais nocivas as partículas de dimensões mais pequenas que por isso podem ultrapassar a barreira dos cílios nasais.

O radão, gás natural formado durante a transformação radioactiva de urânio em chumbo e que ocorre com frequência em regiões graníticas, embora tenha uma vida média muito curta, por ser um gás, é muito móvel, pode não só dissolver-se na água mas também acumular-se facilmente nos ambientes mal ventilados das casas e ser inalado e, eventualmente, originar cancro pulmonar.

Importa referir que diversos minerais (por exemplo, certos minerais argilosos que são silicatos, certos carbonatos, certos fosfatos e certos sulfatos) têm efeitos positivos na saúde humana, sendo utilizados em peloterapia e psamoterapia, e em formulações de fármacos (como agentes activos ou como excipientes), de dermofármacos e de dermocosméticos (Gomes e Silva, 2006).

Também os efeitos benéficos na saúde humana das chamadas águas minerais naturais, termais ou não, são conhecidos desde a Antiguidade. A aplicação externa (balneoterapia) e interna (crenoterapia) dessas águas no tratamento de doenças diversas dos foros dermatológico, respiratório e digestivo devem-se à especificidade da composição química das águas, dependente da qualidade e quantidade dos elementos químicos e gases naturais que possuem em solução.

Exemplos da ligação entre Geologia e Saúde são referidos em praticamente todo o mundo, sendo países de referência a China, o Bangladesh, a Austrália e a Suécia, entre outros, onde estudos de Geologia Médica foram levados a cabo com sucesso identificando os problemas existentes e sugerindo intervenções de que resultaram melhorias da qualidade da saúde das populações (Selinus & Frank, 2000). Podem citar-se alguns exemplos muito recentes, tais como: (i) em Lavrion, na Grécia, foi estabelecida a correlação entre a elevada concentração de metais pesados nos solos e o risco de cancro em mineiros (Karachaliou et al ., 2007); (ii) no Quadrilátero Ferrífero, no Brasil, foi comprovada a existência de uma correlação positiva entre os elevados níveis de arsénio na urina e as concentrações elevadas de arsénio no solo (Ribeiro, et al ., 2004); (iii) em Almaden, em Espanha, e em Terlingua, no Texas, foram feitos testes de bioacessibilidade do mercúrio que indicaram que os ecossistemas podem estar em risco (Gray et al ., 2004); (iv) em Baia Mare, na Roménia, foram realizados estudos que mostraram a ligação entre doenças pulmonares crónicas da população e as poeiras provenientes da actividade mineira (Popescu, et al ., 2004).

 

Geologia Médica

Apesar dos factores geológicos desempenharem um papel importante numa variada gama de questões ambientais, que têm uma forte incidência na saúde e no bem-estar de milhões de pessoas (Bowman et al. , 2003), é notória na comunidade científica e no público em geral a falta de percepção do quanto é crucial o papel dos processos e dos produtos geológicos na saúde do Homem e de outros animais.

Em 1996, este aspecto levou a Comissão COGEOENVIRONMENT da Associação Internacional de Ciências Geológicas (IUGS) a propor a criação do International Working Group on Medical Geology liderado pelo Prof. Doutor Olle Selinus do Geological Survey of Sweden (SGU), cujo principal objectivo foi o de alertar quanto à importância deste tema para geocientistas, médicos, especialistas de saúde pública e público em geral. Em 1997, em reunião do referido grupo de trabalho que teve lugar em Vale, Colorado, EUA, foi aprovada e adoptada a designação Geologia Médica.

A Geologia Médica é a uma área científica multidisciplinar e interdisciplinar emergente que tem merecido o crescente interesse de investigadores de formação académica e profissional diversa e que visa o estudo da influência de factores geológicos ambientais sobre a distribuição geográfica de problemas de saúde humana e dos animais. De entre alguns exemplos negativos relacionados com as condições geológicas pode-se referir o efeito do excesso ou da escassez de elementos e minerais, a inalação de poeiras minerais provenientes de emissões vulcânicas, a presença de compostos orgânicos, a exposição a micróbios associados a poeiras, entre outras. Deficiências, excessos ou desequilíbrios na concentração de elementos químicos na dieta alimentar podem também causar sérias consequências na saúde humana e animal e aumentar a sensibilidade a doenças.

Especificamente, os objectivos principais da Geologia Médica são os seguintes: (a) identificar e caracterizar as fontes naturais e antropogénicas dos materiais nocivos existentes no ambiente; (b) prever o movimento e alteração dos agentes químicos, infecciosos e de outros causadores de doença no tempo e no espaço; (c) compreender as razões da exposição de seres humanos a tais materiais e o que pode ser feito para prevenir ou minimizar os seus efeitos.

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Informação Complementar

A IMGA

Mundialmente, a Geologia Médica tem vindo a conquistar um lugar de destaque já que deixou de ser uma especialidade exclusiva das Ciências da Terra passando a ser um domínio de pesquisa interdisciplinar onde convergem geólogos, médicos e outros profissionais de saúde pública, biólogos, toxicologistas e epidemiologistas, entre outros. Conhecendo melhor a distribuição espacial dos problemas de saúde provocados por factores geológicos, médicos, profissionais de saúde pública, gestores e decisores políticos podem actuar de forma não apenas correctiva mas também preventiva. Identificada uma área problemática onde ocorre um elemento natural potencialmente nocivo à saúde, é possível adoptar acções para a correcção do problema ou mesmo evitar que ele venha a ter impacte na saúde humana e nos animais.

Em 2006, foi criada a Associação Internacional de Geologia Médica (IMGA) cujo objectivo principal é promover esta área científica junto dos investigadores com formação académica variada e do público em geral, impulsionar a interacção entre as diferentes áreas de saber, centralizar e disponibilizar informação nesta área do conhecimento, estimular o aparecimento de projectos de investigação, promover cursos de formação com ênfase particular na Geologia Médica, Geoquímica Ambiental e Epidemiologia e impulsionar a publicação de materiais de apoio e a realização de actividades (workshops, weminários e conferências) em tópicos relacionados com a Geologia Médica.

Em Portugal, a Geologia Médica vem merecendo grande atenção e evidente entusiasmo nos meios científicos e académicos. Por exemplo, em 2006, realizou-se na Universidade de Aveiro, um workshop internacional subordinado ao tema «Medical Geology: Metals, Health and Environment». Também, alguns cursos de especialização de curta duração e mesmo cursos superiores de graduação e pós-graduação incluem, como opcional ou obrigatória, a disciplina Geologia Médica nos planos curriculares respectivos.

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* Eduardo Ferreira da Silva

Licenciado em Engenharia Geológica. Doutorado em Geociências (Especialidade Geoquímica Ambiental) pela Universidade de Aveiro. Professor Catedrático do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro. Membro efectivo da Unidade de Investigação BioGeoTEC – Biogeociências, Engenharia e Tecnologias. Membro da International Medical Geology Association.

 

** Celso Gomes

Licenciado em Ciências Geológicas pela Universidade de Coimbra. Doutorado em Ciência dos Materiais pela Universidade de Leeds. Especializado nas áreas de Mineralogia, Geoquímica, Minerais Industriais e Argilas. É Professor Catedrático Convidado do Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro. É membro efectivo da Unidade de Investigação BioGeoTec – Biogeociências, Engenharia e Tecnologias.

 

*** Maria Manuela Inácio

Licenciada em Engenharia Geológica e Doutorada em Geociências (especialidade Cartografia de Solos) pela Universidade de Aveiro. É investigadora da Unidade de Investigação BioGeoTEC – Biogeociências, Engenharia e Tecnologias e exerce a sua actividade na área da Geoquímica Ambiental relacionada com a contaminação de solos.

 

**** Virgínia Martins

Licenciada em Biologia e Geologia, Mestre em Ciências das Zonas Costeiras e Doutorada em Geociências (Paleoceonografia e Paleoclimatologia) pela Universidade de Aveiro. Investigadora da Unidade de Investigação BioGeoTEC – Biogeociências, Engenharia e Tecnologias. Exerce a sua actividade na área da Ecologia e paleoecologia de foraminíferos.

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Referências bibliográficas

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CENTENO, JA, 2007 – Medical Geology: impact of the Natural Environment on Public Health. XXVIII Convención Minera-EXTEMIN2007, Instituto de Ingenieros de Minas del Peru.

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GRAY JOHN, E., PLUMLEE GEOFFREY, S., FEY DAVID, L., HIGUERAS PABLO, L., ZIEGLER THOMAS, L., 2004 – Leaching studies of mercury mine wastes with simulated human body fluids. 32 nd International Geologic Congress – Florence, 306-12 Popescu, et al ., 2004.

KARACHALIOU, T., DAMIGOS, D., KALIAMPAKOS, D., 2007 – Risk assessment in heavily contaminated lands. CEST 2007 – 10 th International Conference on Environmental Science and Technology, 5-7 Setembro, 2007, Kos Island, Grécia.

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RIBEIRO, FG., PEROBELLI , BR., SIMÕES, AR., 2004 – Arsenic distribution in Brazil and human exposure. 32nd International Geologic Congress – Florence, 306-4.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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Link em nova janela Curva dose-efeito

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