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- JANUS 2009 -



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Intervenientes no Diálogo de Civilizações

Rita Duarte *

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No seu discurso de apresentação da «Aliança de Civilizações» à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Setembro de 2004, José Luís Rodríguez Zapatero afirmou que o «dia-a-dia das sociedades é marcado pela convivência e aceitação intercivilizacional», sendo apenas necessário «institucionalizar um conceito há muito praticado nas nossas sociedades». É difícil de avaliar a aplicabilidade deste «conceito há muito praticado nas nossas sociedades» mas a sua prática tem aumentado e a cultura do diálogo tornou-se um fenómeno transversal, passível de identificação em iniciativas da sociedade civil ou de entidades oficiais de todas as civilizações.

O trabalho desenvolvido para a promoção do diálogo das civilizações tem assumido diversas formas, consoante os seus actores e respectivos objectivos. Uns, como as universidades, por exemplo, apoiam normalmente projectos de intercâmbio cultural, incentivando a mobilidade dos jovens (considerados actores centrais para a implementação de uma cultura de diálogo). Outros, como as ONG, promovem conferências, workshops , acções de formação, normalmente de âmbito local e/ou regional e geralmente em colaboração com entidades terceiras, estatais ou outras ONG. Por sua vez, as entidades estatais (e geralmente no âmbito de organizações intergovernamentais) têm vindo a definir estratégias e a delinear planos de acção que servem de base e de orientação às entidades da sociedade civil.

 

O diálogo euro-mediterrânico

Com iniciativas soltas promovidas desde a década de 70, a institucionalização europeia deste diálogo provém da Conferência de Barcelona, realizada em Novembro de 1995, pelos países da União Europeia e 10 países ribeirinhos do Mediterrâneo (incluindo a Autoridade Palestiniana), com o intuito de aproximar os países intervenientes nos domínios da política e da segurança, da economia e da cultura. A Parceria Euro-Mediterrânea (como foi designada esta aliança, após a Conferência), reconheceu «o papel essencial do diálogo intercultural para promover a co-existência na região» e inaugurou, em Junho de 2005, a Fundação Euro-Mediterrânea Anna Lindh para o Diálogo entre Culturas, em Alexandria, no Egipto (onde estabeleceu a sua sede) (1).

Se os objectivos gerais da Parceria são os de garantir a paz, a segurança e o desenvolvimento da região, os objectivos específicos desta Fundação consistem em «aproximar os povos e as organizações dos dois lados do Mediterrâneo» e promover o «intercâmbio e a cooperação, num espírito de tolerância, compreensão e solidariedade». Para isso, definiu como principais domínios de acção as áreas da educação, cultura, ciência e comunicação, bem como o respeito pelos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, a igualdade do género e o desenvolvimento da juventude. Financiada pelos membros da Parceria Euro-Mediterrânea, a quem apresenta os seus relatórios, a Fundação Anna Lindh procura intervir e apoiar directamente as associações e organizações da sociedade civil, através de programas de bolsas, atribuição de prémios para o diálogo, prémios para jornalistas, editando literatura infantil e promovendo acções de formação para professores (neste caso, em colaboração com entidades como o Conselho da Europa e a ALECSO – Arab League Educational, Cultural and Scientific Organization ).

Esta fundação actua também como «rede das redes» ao interligar as entidades dos seus membros que trabalham na promoção do diálogo intercultural, proporcionando--lhes maior eficácia e maiores acessibilidades. Com 37 Estados-membros, cada um com a sua própria rede nacional de associações, a Anna Lindh National Networks atinge uma dimensão tentacular na região mediterrânea e projecta o trabalho de bastidores desenvolvido para a implementação de um diálogo de civilizações sustentável. Hoje, esta rede tornou-se na base do trabalho da Fundação, ao apoiar as actividades das organizações da sociedade civil dos Estados-membros e ao assumir o papel de Observatório para a coexistência na região.

 

Outros exemplos europeus

Saindo do chapéu intergovernamental, é um facto cada vez mais visível que a sociedade civil consegue estruturar-se e desenvolver projectos interculturais ou inter-religiosos, e trabalhar em paralelo com objectivos políticos. Um exemplo é a fundação suíça Hommes de Parole (criada em 2001), que colaborou na organização, em Junho de 2003, de um encontro informal israelo-palestiniano – o Congresso Israelo-Palestiniano de Caux (Suíça) –, e que reuniu políticos, religiosos, teólogos, académicos e assistentes sociais das duas sociedades. Dessa reunião resultou uma declaração de intenções, de sete pontos, para a construção de uma «Aliança para uma Cultura de Paz».

A informalidade inicial foi assumindo contornos mais sólidos e entre 3 e 6 de Janeiro de 2005 realizou-se o primeiro Congresso Mundial de Imams e Rabbis para a Paz, em Bruxelas, promovido pela Hommes de Parole, em colaboração com a fundação espanhola Três Culturas, com o patrocínio do rei Juan Carlos I de Espanha e do rei Mohammed VI de Marrocos e, ainda, a participação do Director-Geral da ISESCO. No acordo final foi aprovado: 1) a condenação da violência perpetrada em nome da religião; 2) a criação de um diálogo e parceria entre as duas religiões; 3) a fomentação de soluções pacíficas para o conflito através da influência dos líderes religiosos; 4) a aproximação desses mesmos líderes perante os media, para promover a mensagem de paz. Neste fórum foi criado o Comité Permanente Para o Diálogo Judaico-Islâmico (constituído por 9 membros: 4 judeus, 4 islâmicos e 1 presidente neutro), que deveria reflectir e agir nos domínios e em problemáticas relacionadas com o Islão e o Judaísmo. Por sua vez, este Comité criou o Centro de Monitorização Internacional Inter-Religioso, em Fevereiro de 2005, com o objectivo de condenar e denunciar actos anti-religiosos em todo o mundo, bem como criar linhas de acção para combater o preconceito e o racismo (principalmente nas suas formas anti-semita e islamofóbica).

Entre 19 e 21 de Março de 2006, em Sevilha, realizou-se um segundo Congresso Mundial e realiza-se um terceiro entre 15 e 17 de Dezembro de 2008, em Paris. Com o patrocínio da UNESCO, a situação do Médio Oriente é naturalmente destacada, na esperança de que o ano de 2008 – designado pelo Congresso Mundial (a 21 de Setembro de 2007) como o Ano de Reconciliação entre Israelitas e Palestinianos – se torne um marco decisivo na construção para a paz entre estes dois povos.

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A América Latina e a Academia da Latinidade

Um dos exemplos que se destaca nesta área geográfica é a Academia da Latinidade, criada em 1999, no Rio de Janeiro, pelo Prof. Cândido Mendes (reitor da Universidade com o mesmo nome). O seu objectivo é o de promover «uma autoridade moral independente, reforçar a solidariedade dos países e dos povos de cultura latina e garantir a presença justa das contribuições passadas, actuais e futuras da latinidade em todas as áreas da civilização». No entanto, atenta à necessidade de estabelecer um diálogo sustentável com culturas não latinas, nomeadamente com o Mundo islâmico, a Academia tem desenvolvido acções culturais e científicas por todo o mundo, contando com intervenientes como o sociólogo Alain Touraine ou o ex-Presidente Mohammad Khatami. Constituída por intelectuais de diversos países latinos, tem como presidente o espanhol Federico Mayor (ex-director da UNESCO e presidente da fundação espanhola Cultura de Paz). Federico Mayor e Cândido Mendes fizeram parte do Grupo de Alto Nível para a Aliança de Civilizações, cujo relatório final (publicado em Novembro de 2006) define as linhas directrizes da Aliança de Civilizações das Nações Unidas.

 

O diálogo euro-asiático

O Diálogo de Civilizações tem também sido fomentado entre a Europa e o mundo asiático. De pendor institucional, é de referir a Fundação Ásia-Europa (ASEF – Asia-Europe Foundation ), criada em Fevereiro de 1997 pelos membros da ASEM ( Asia-Europe Meeting ). É financiada por contribuições voluntárias dos seus membros mas partilha o financiamento dos seus projectos com parceiros da sociedade civil. O seu objectivo é o de promover um melhor entendimento entre as sociedades asiática e europeia, intensificando os intercâmbios intelectuais, culturais e sociais. As áreas temáticas onde trabalha são: a) desenvolvimento artístico; b) práticas artísticas e políticas culturais; c) educação e cooperação académica; d) ambiente e desenvolvimento sustentável; e) direitos humanos e governância; f) diálogo intercultural; g) relações internacionais; h) media e sociedade; i) juventude. No que diz respeito ao diálogo intercultural, as actividades até agora realizadas enfocam o diálogo inter-religioso, a diversidade cultural e a resolução de conflitos em sociedades multiculturais.

Para não limitar este diálogo a uma perspectiva eurocêntrica, são de referir as iniciativas de aproximação entre as civilizações islâmica e asiática, destacando-se os esforços de aproximação do Japão ao mundo islâmico. De facto, a partir de 2001, o ministro dos Negócios Estrangeiros japonês da altura, Kono Yohei, promove um quadro de cooperação com o mundo islâmico baseado em três pilares: Política, Economia e «novas áreas». A Iniciativa Kono, como ficou conhecida esta aproximação (Fevereiro de 2001), teve eco logo em 2002, com o convite do Reino do Bahrain para a realização do primeiro simpósio «Diálogo de Civilizações entre o Japão e o Mundo Islâmico», simpósio que se tem sucedido com regularidade e cuja 6.ª edição decorreu na cidade de Riade, na Arábia Saudita, em Março de 2008.

Desde então os esforços japoneses, oficiais ou civis, promovidos nesta área têm aumentado consideravelmente, tendo-se criado o «Fórum de Diálogo Nipo-Árabe» (Japan-Arab Dialogue Forum) e tendo-se definido iniciativas como «Mission on Cultural exchange and Dialogue Between Japan and Middle East», «Dialogue among Civilizations with Islamic Countries» e «Japan-Sudan Dialogue on human rights». Posteriormente, em 2003, a Sra Yoriko Kawaguchi, então responsável pelos Negócios Estrangeiros do Japão, referia-se ao «fortalecimento de relações com o Mundo Islâmico» como «um dos três pilares dos esforços japoneses para promover a paz e a estabilidade na região».

Impossível de os enumerar a todos, os exemplos aqui referidos procuram reflectir a pluralidade de actores existentes, sejam eles estatais, supra-estatais, infra-estatais, oficiais, informais ou mesmo individuais, independentemente da sua área geográfica. E há uma característica que se ressalva das suas iniciativas: a percepção de que a concertação de esforços e o trabalho em parceria tem um alcance mais eficiente.

É de referir ainda que se foi a sociedade civil quem deu origem à «institucionalização» deste conceito, as entidades oficiais têm, por sua vez, contribuído para o seu enraizamento. O primeiro Fórum da Aliança de Civilizações das Nações Unidas, que se realizou em Janeiro de 2008, contou com a presença de representantes de 78 países, alguns dos quais de nível ministerial ou equivalente. Para Abril de 2009, está prevista a realização do seu segundo Fórum, na Turquia, fora o trabalho, também de bastidores, que esta organização promove. E a opção das Nações Unidas em designar 2000 como o Ano da Cultura da Paz, 2001 como o Ano do Diálogo entre Civilizações e 2009 como o Ano da Reconciliação demonstra que o trabalho não é só bottom up, recolhendo antes apoios em todos os níveis de qualquer sociedade.

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Informação Complementar

Portugal e o Diálogo de Civilizações

A coordenação nacional da rede portuguesa da Fundação Anna Lindh é co-partilhada entre o Campo Arqueológico de Mértola (CAM) e a Associação Multiculti, Culturas do Mediterrâneo. O CAM é uma associação científica e cultural que se dedica à investigação e preservação do património arqueo-lógico, etnográfico e cultural da região de Mértola, e colabora com Universidades de Espanha, França, Itália, Marrocos, Argélia e Tunísia. A Associação Multiculti é uma ONG sem fins lucrativos dedicada a projectos de intercâmbio e cooperação cultural entre diversas comunidades do Mediterrâneo. Actualmente são 22 as organizações registadas na rede nacional (incluindo organismos de Câmaras Municipais), que, na sua maioria, se dedicam à educação, juventude, artes, relações internacionais ou investigação, mas existem diversas outras organizações não inscritas na rede e que trabalham para promover o diálogo entre culturas. São exemplos o ACIDI – Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural e o seu Observatório da Imigração, bem como diversos centros de estudos de universidades portuguesas ou associações culturais de todo o país. O trabalho nos media, nomeadamente através do programa NÓS, do segundo canal da RTR, no ar desde Janeiro de 2004 (e que retrata a integração dos cidadãos imigrantes em Portugal prestando informações sobre os direitos, deveres e serviços disponibilizados pela sociedade civil e pelo Estado), tem vindo a dar uma cada vez maior visibilidade à realidade multicultural da nossa sociedade e às iniciativas promovidas para a implementação de um diálogo intercultural.

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1 - Anna Lindh foi Ministra dos Negócios estrangeiros da Suécia entre 1998 e 11 de Setembro de 2003, altura em que foi assassinada. Durante a Presidência daquele país da União Europeia, em 2001, Anna Lindh acompanhou Javier Solana em negociações nas crises do Kosovo e Macedónia. Era uma forte defensora do respeito pelo Direito Internacional (opôs-se à invasão do Iraque) e pelos Direitos Humanos no Conflito Israelo-Palestiniano (condenava a política do governo de Ariel Sharon, bem como os bombistas suicidas palestinianos).

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* Rita Duarte

Licenciada em Relações Internacionais e Mestranda em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa. Assistente no Departamento de Relações Internacionais e no Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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Referências bibliográficas

RELATÓRIO do Grupo de Alto Nível para a Aliança das Civilizações, Nações Unidas, 2006.

MENDES, Cândido – Contributions to the New York Meeting on the Alliance of Civilizations. Academia da Latinidade, Rio de Janeiro, 2006.

MENDES, Cândido – Towards the Alliance of Civilizations – The Mallorca Start: A Perspective. Academia da Latinidade, Rio de Janeiro, 2006.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Anna Lindh National Networks

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